Este é o Inverno do nosso descontentamento. A frase não é minha. Foi escrita há quatrocentos anos por um senhor muito à frente do seu tempo. Não sabia ele – como poderia sabê-lo? – que a proposição se encaixaria, muito mais tarde, na perfeição para descrever os tristes dias que começámos a viver. Gostaria, se fosse possível, por este e por outros motivos, de cumprimentar esse génio. Aproveitava para lhe fazer uma lista de razões pelas quais este Inverno se vai tornar tão longo que se prepara para substituir as primaveras e os verões dos anos que estão para chegar.
E dizia-lhe: devido a uma terrível falta de visão estratégica por parte dos políticos, e à sua enormérrima incapacidade para servir o país, as pessoas foram penalizadas nos seus salários; as famílias deixaram de receber os abonos dos filhos; os trabalhadores rurais e fabris reformados viram a sua mísera reforma diminuir; instituições de solidariedade viram cortadas as ajudas; escolas privadas fecham por falta de apoios; hospitais e escolas necessitam de obras; há cidades espalhadas por aí com os centros históricos a mergulharem na ruína por não haver dinheiro para as necessárias reabilitações; o gás voltou a aumentar; e o pão, e o combustível e todos os bens essenciais para a sobrevivência ficaram mais caros com um novo aumento do IVA; os medicamentos aumentaram; tudo aumenta enquanto os salários diminuem. Tudo se complica. Todos os dias há anúncios de novas medidas de austeridade. Mas não para todos. É um país com duas nações, como diria Disraeli, primeiro-ministro da velha e manhosa rainha Vitória, dona, no seu tempo, de um Império Britânico, o maior do planeta, onde o Sol nunca e punha. Há duas nações, sem dúvida: a nação dos ricos, pequena mas desafogada, e a nação dos pobres, enorme e afogada.
Mas é assim: os portugueses da nação grande estão, na sua maioria, a ficar estrangulados e sem margem de manobra para gerir as suas economias domésticas. Tudo isto porque os da nação pequena (mas desafogada) não se apercebem, nem querem saber, das dificuldades que muitos compatriotas seus estão a viver. E esses portugueses, todos sabemos quem são. Fico-me por aqui. Estou cansado de chamar nomes a essa cambada de oportunistas e incompetentes. Afinal, caro Shakespeare, este não é o Inverno do nosso descontentamento. É o país da nossa mais profunda revolta, fechada a sete chaves por medo, comodismo ou hipoteca.
1 comentário:
Antes de compatriotas, são PESSOAS e que não estão a ser tratadas como tal.
Todos merecem ter um minímo de dignidade e de condições de vida e é isso que hoje em dia, infelizmente, já não se está a verificar.
Se os grandes senhores do capital são capazes de ser solidários com os outros povos, então agora está na hora de o serem par com os teus compatriotas e está na altura do nosso (des)governo desenterrar a cabeça da areia e olhar e tratar a nossa sociedade com o respeito e dignidade que ela merece e arranjar soluções que não penalizem sempre o elo mais fraco da população (desempregados, trabalhadores, reformados, pensionistas, etc.).
Nós temos um manacial de qualidades e uma quantidade enorme de maneiras para sair deste buraco em que meia dúzia de cromos nos colocaram (começando em Cavaco Silva e acabando em José Sócrates).
Ontem ouvi uma frase do Professor José Barata-Moura com a qual concordo perfeitamente e actualmente ganha contornos ainda maiores, que dizia "...para sairmos desta crise, temos de começar a olhar com os outros olhos para a produção...".
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