quinta-feira, 16 de março de 2023

Capítulo uno e indivisível

 


Capítulo uno e indivisível


De mês para mês, que é o mesmo que dizer de Cloreto para Cloreto, o país afunda-se cada vez mais em escândalos, que mostram o tecido de que somos feitos desde a fundação deste nosso belo reino, e que atrasam, sem apelo nem agravo, a discussão e a resolução de problemas graves que vão minando a sociedade e o espírito dos portugueses.

Enumerar os escândalos torna-se já redundante e fastidioso e corro o risco de os meus dez leitores abandonarem já, sem qualquer hesitação, a leitura desta breve crónica. E faziam muito bem, porque eu faria o mesmo. Há muitas séries na Netflix para ver.

Por isso, hoje nada de TAP, de Alexandra Reis, de Christine Ourmières-Widener, de Marcelo ou de Costa. Esqueçamos os professores e o pessoal não docente, a serem gozados todos os dias pelo ministro e companhia, estando como eles os médicos e os enfermeiros, os maquinistas da CP, os trabalhadores dos portos, do sector aéreo, da justiça, toda esta gente em greve e a prejudicar profundamente os sectores onde trabalham e os utilizadores que deles dependem (mas é para isto que as greves servem, tenham paciência!).

Coloquemos também em repouso os escândalos que têm assolado a Igreja e que parecem não ter uma solução concertada entre os seus responsáveis. Podíamos igualmente discutir aquela bonita política de Marcelo “Nem mais um sem-abrigo nas ruas em 2023”, podíamos até dizer que a figura do nosso Presidente da República já deu o que tinha a dar e que, cada vez que fala, há um tsunami que nos atinge a todos, porque somos nós que pagamos as quantas barbaridades que ele já disse por aí.

Isto para não falar nos lares de idosos, que maltratam os utentes de uma forma que não julgaríamos possível nos tempos que correm. E, ainda por cima, alguns deles pertencem a instituições religiosas, estas que deveriam ser as primeiras a dar o exemplo. Também neste campo devíamos recordar alguns familiares que, muito escandalizados, se confessam às câmara de televisão. Apetece-nos perguntar: “Só agora é que deu pelos maus-tratos ao seu pai ou à sua mãe? Há quanto tempo não os ia visitar?”

E no preço dos alimentos? Vamos falar nisso? Nem pensar. E quando nas caixas dos supermercados pagamos por um produto um preço muito mais alto do que aquele que estava na prateleira? Também não vamos por aí. E os preços das rendas dos apartamentos e as exigências dos bancos para conceder empréstimos, obrigando os jovens adultos a viverem com os pais até lá para os sessenta anos?…

Mas há milhões de milhares de euros para empresas, para bancos, para administradores, para ajudar gente aflita lá fora, com guerras e terramotos, e sei lá mais para quem, porque ainda não se sabe tudo. O cristal vai-se quebrando aos poucos e aos poucos as verdades começam a ver a luz do dia. Mas, depois, vem aí o futebol, o treze de Maio, as Jornadas Mundiais da Juventude, que, não discutindo a sua importância e utilidade, são outras distracções muito convenientes ao nosso querido Governo. Enquanto uns rezam, convivem, gritam nomes ao árbitro, outros roubam até mais não, lançam novos impostos até mais não, retiram-nos regalias até mais não, apaparicam os amigos até mais não.

Por falar em amigos… E os amigos dos políticos que entram para a engrenagem governamental sem qualquer experiência e, tantas vezes, sem as qualificações necessárias? São ministros, secretários de estado, assessores, assessores de assessores, secretários de assessores, enfim, um chorrilho de pessoal que tem tachinho garantido enquanto aquela cor se mantiver à tona de água. Quando a coisa mudar, vão outros, pelos mesmos motivos… afectivos. E os afectos, meus caros leitores, contam tanto!!

 

E os portugueses, apesar de estarem tesos que nem um carapau, ainda que muitos de nós continuem precários nos seus empregos, e embora a maioria ganhe um ordenado que não dê para nada, apesar de, ultimamente, termos posto as garras de fora mostrando o nosso desagrado por tudo o que nos está a acontecer, continuamos um povo manso e confiante no “Há-de-ser-o-que-Deus-quiser”, uma expressão sinistra vinda lá dos anos quarenta, quando um senhor muito sério, de fato e voz de falsete, governava este quintal sempre tão mal frequentado, acrescentando a este lema o tal de “Deus, Pátria, Família”, que alguns, hoje, querem ressuscitar.

Pois, meus amigos, isto não pode continuar a ser “o que Deus quiser”. Isto não vai lá com greves, cartazes e palavras de ordem. Isto não vai lá com esperas ao primeiro-ministro e aos ministros para lhes perguntarmos cara a cara o que andam a fazer ao nosso país e ao dinheiro que tanto nos custa a ganhar. Isto não vai lá assim.

E muito menos quero deixar aqui a ideia de que Portugal está a ficar um terreno absolutamente disponível e cultivável para que os semeadores do Chega comecem a lançar as sementes à terra. (Se não começaram já). E elas dão frutos, meus amigos. Elas dão frutos… que crescem rapidamente.

Portanto, perante todas estas misérias e estes perigos eminentes, isto só se resolve de uma maneira: com uma Revolução. Ou, no caso de não ser possível, que haja coragem por parte de quem de direito e que se dissolva o Parlamento e se convoque eleições antecipadas. Piores não ficaremos.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Um cafezinho com o Papa

 

            


I         

Um cafezinho com o Papa

 Se Sua Santidade, o Papa Francisco, aceitasse tomar um cafezinho com o autor destas breves linhas, aqui em Montemor, no Alkimia, por exemplo, ou noutro lado qualquer, tenho a certeza de que iria, na sua forma humilde com que conquistou o mundo católico e não católico, querer saber sempre a verdade das coisas sobre o tão célebre palco-altar que vão construir para a sua grande missa campal e para a reunião daqueles milhares de jovens que ali se vão juntar, mesmo à beira-Tejo, nas Jornadas Mundiais da Juventude.

Podia safar-me a essas perguntas embaraçosas e dizer-lhe para interrogar o Moedas, o Medina, o Sá Fernandes, o Costa ou mesmo o Marcelo, que parece saber mais do assunto do que aqueles todos juntos... Contudo, sei que eles não lhe iriam contar a verdade toda.

Beberricando o néctar escurecido e aromático, observando o pessoal que por ali passava, Francisco iria ficar a saber, dito por mim, que sou português há uma data de anos, que aquela triste cena do altar-palco foi tão somente o resultado da nossa forma de sermos… portugueses: vaidosos, exibicionistas, com complexos do velho império, que, tal como muitos que conhecemos, preferem dar pão com manteiga aos filhos o mês inteiro, mas garantir a sua presença em todos os jogos do clube do seu coração.

Cinco milhões de euros para receber Sua Santidade naquele espaço, mas com muitas centenas de sem-abrigo a dormirem nas estações do metro de Lisboa e do Porto, com milhares de famílias sem rendimentos suficientes para porem comida na mesa e terem uma casa devidamente habitável, com milhares de desempregados, com centenas de migrantes, explorados aqui, no Alentejo, mesmo ao lado das nossas terras, com crianças com necessidades especiais a precisarem de meios adequados para viverem uma existência digna, com dezenas de instituições de solidariedade sem dinheiro para pagarem aos seus trabalhadores e para poderem proporcionar uns dias menos tristes aos seus utentes. Não faria sentido...

Até aqui, Sua Santidade, pela bondade que lhe conhecemos, nada teria dito ainda, para não me interromper, porque é bom ouvinte e porque me queria escutar até ao fim. Falava-lhe depois na TAP (teria de ser) e na vergonhosa indemnização que recebeu uma tal Xana que, segundo parece, vai mesmo ficar com a massinha. E naquela outra, que fala francês e inglês do Pólo Norte, mas que se está marimbando para os sotaques, porque irá ficar milionária para o restinho da sua inútil vidinha.

Então, Sua Santidade, fazendo sinal ao Luís para lhe trazer outro cafezinho, olharia para mim e diria, na sua simplicidade que todo o clero deveria assumir, na sua singeleza que todos os seus seguidores deveriam imitar: “Meu filho, se eu soubesse desta vergonha, talvez não tivesse vindo”. “Vinha, sim, Sua Santidade!”, respondia-lhe eu, sempre do lado da solução. “Eu tenho uma varanda que dá para uma das ruas mais movimentadas da minha cidade e, daí, Sua Santidade poderia dizer umas palavras a todos nós, aos meus vizinhos, gente simples, de trabalho, alguns de oração (não é bem o meu caso, desculpe), e depois, se houvesse tempo, iríamos bater um petisco ao cafezinho da Isabel Abelha que faz umas iscas de borrego de comer e chorar por mais.

“Poupavam-se uns milhares, Juanito!”, diria ele, colando a palma da sua mão alva  e santa na minha. “É verdade, Santidade! É a mais pura das verdades!” 

Quando me levantasse para pagar os cafés, o representante de Cristo diria: “Não, hoje... pago eu! Quando fores ao Vaticano… pagas tu! E, se não te importas, vais levar-me as tais iscazinhas da Isabel! Acho que vou gostar! Ah! E leva o teu Balú!! É o cão mais espectacular que conheci!! Vai adorar correr por aqueles corredores sem fim!

  

II

Os professores e os alunos


A pouco tempo de deixar o ensino, saio preocupado com o que lá vou deixar. Ensinar nos dias de hoje nada tem a ver com aquilo que era feito quando, em 1983, com vinte e dois anos, comecei a trabalhar com a juventude dentro de uma sala de aula. “Faltam-lhe ao respeito?”, perguntarão. “São arrogantes?” “Armam confusão nas suas aulas?”. A resposta é não a todas as três perguntas que, porventura, me terão feito. Eu também não lhes falto ao respeito, também não sou arrogante e também não armo confusão. Estamos bem uns para os outros. No entanto, sinto que a vontade de aprender daquela malta nova já não é a mesma da de antigamente, o que nos obriga a criar novas estratégias, novos “truques” para que os programas do ministério fiquem, minimamente, na cabeça da criançada. 

Mas estamos num momento em que há necessidade de mudança. Não só em termos das exigências da classe dos professores e dos auxiliares de educação, mas em termos das matérias que os alunos devem saber para a vida. Cá em casa, vive-se intensamente o ensino, os jovens, os seus problemas escolares e familiares, a procura de soluções para minimizar todas essas problemáticas, que acabam por arrastar outras questões atrás de si. O problema é que parte das matérias que o ministério tem nos programas que lhes temos de leccionar nada tem a ver com a vida real, nada ajudam a enfrentar o mundo do trabalho e não preparam, muitas vezes, nem para a vida académica, nem para a vida profissional de cada um deles. Continuamos, porque somos obrigados a isso, a levar os alunos a estudar o que pouco vai interessar para os seus cursos universitários ou para poderem ser bons profissionais numa caixa de supermercado.

Os bom profissionais, como eu espalho tantas vezes nas cabecinhas daqueles inocentes,  são como a boa música. Não interessa o género. Interessa é a qualidade.

 

III

Vêm aí os “Segredos de Vila Nova”


Sim, parece que vem aí um livrinho que vai divertir (e perturbar) os leitores. “Segredos de Vila Nova” é o título das vinte e quatro histórias, todas elas passadas neste lugar do Alentejo e que já têm a equipa pronta a entrar em cena: revisor, fotógrafo, designer, prefaciador e, claro, as Edições Colibri, do meu amigo Fernando Mão de Ferro, a editora que me dá toda a liberdade de que a minha mente, tantas vezes em desassossego, vai precisando. E não posso contar mais nada. Vão ter de ler para ficar a conhecer esta Vila Nova que tanto amamos, mas que tanto criticamos por dá cá aquela palha. No entanto, para satisfazer a curiosidade e saber se alguns dos vossos segredos, caros leitores, vão ser ali revelados… vão ter de esperar ainda uns bons mesitos.

            João Luís Nabo

In "O Montemorense", Fevereiro de 2023

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Três notas de Ano Novo

 




I         

O soneto e a sua estúpida emenda

Nós, que ainda temos alguns pudores como arma contra as banalidades deste país, nem sabemos como começar a aflorar este tema, que de frágil já nada tem. Os ecos repetem-se em todo o território e, já se sabe, na Europa e no Mundo, que isto do orgulhosamente sós foi chão que já deu uvas.

Corrupção, compadrios, combinações, esquemas, compras, vendas, cedências, terrenos, construções, a troco de um bom punhado de dólares, já de tudo se fala à descarada, de boca aberta e a gritar em todos os meios de comunicação social. O Primeiro-ministro António Costa está diariamente debaixo de fogo, deitadinho numa cama que ele próprio fez.  Não foi inteligente no recrutamento do seu pessoal de elite para o Governo e agora está a pagar esta “pequena falta de atenção” com um palmo de língua de fora. Foram treze os ministros e secretários de Estado que se demitiram ou que foram demitidos por não haver condições para continuarem a governar, sobretudo para continuarem a governar-se à nossa custa.

E o que decide fazer o inefável Costa como pai de uma família de malucos, no seio da qual já ninguém se entende? Decidiu dar um murro na mesa… elaborando um questionário. Exactamente. Um questionário, assim tipo quiz das revistas cor-de-rosa, que nos obriga a responder a perguntas para sabermos se somos simpáticos, amigos do ambiente, solidários, sexys, enfim, para descobrirmos sobre nós as coisas mais importantes deste mundo e sem as quais seríamos uns seres absolutamente incompletos. Pois este questionário é para o Primeiro-ministro saber se os convidados para o Governo são ou não honestos. Claro que a esta fantochada de perguntas só se pode responder com uma fantochada de respostas. Ninguém irá considerar-se ladrão, desonesto ou em fuga aos impostos. Ninguém admitirá receber indemnizações de milhares e só um tolo assumirá com um sim ter fugido ao fisco em tempos idos. Portanto, pior que os políticos gatunos que Costa convidou para o seu belo Governo, será este questionário para validar, com base numas cruzes manhosas, o carácter de quem vai estar no poder. Pelo célebre questionário já podemos nós validar o completo desnorte de quem o inventou.

Já agora, a tal moça que esteve na TAP, empresa alimentada por todos nós, já devolveu o nosso meio milhãozinho à procedência? Haja vergonha. E tribunais, também.

 

II

Os professores e o estúpido do sistema 

Os professores nunca estiveram tão unidos como agora. Greves, manifestações, gritos de revolta têm preenchido os ecrãs das televisões, apesar dos que, em pleno horário nobre, insistem em classificar as greves como ilegais, em minimizar o papel dos sindicatos e em gozar, não tenho outro termo, com a cara dos que, empunhando cartazes e lançando palavras de ordem, dão provas do cansaço a que todos os professores chegaram, sem terem mais forças nem paciência para a desconsideração, o desrespeito, o desprezo que o Estado, o Ministério da Educação e alguns sectores da sociedade têm demonstrado nos últimos anos em relação à sua classe. Se, um dia, todos os professores deste país decidissem não trabalhar mais, enquanto não fossem ouvidas e aceites as suas reivindicações, a vida parava e Portugal entrava num beco sem saída. A sorte (ou não) de todos é que os professores não ganham o suficiente para poderem estar vários dias sem trabalhar. E o Ministério sabe disto. E Costa também. Porque se isso fosse possível, outro galo cantaria.

Sou professor há 39 anos. Estou no topo da carreira. Mas estou absolutamente ao lado dos que, muito provavelmente, pelo sistema de progressão em que estamos enleados, já não poderão concretizar esse direito. Não queria terminar de forma pessimista, acreditando nos novos tempos que aí vêm, graças a todas estas movimentações a favor dos nossos alunos e da escola pública, mas pelo que tenho testemunhado e vivido, e se o ministro João Costa não der ouvidos a quem se queixa, acredito que a Educação neste país poderá estar por um fio. Os professores vieram até aqui. Já não há um voltar atrás.

Caro leitor: se conseguiu ler este texto até aqui, foi porque teve um professor na sua vida. Um ou vários. Vamos ver se os nossos netos poderão dizer o mesmo.

 

III

36 anos de Coral de São Domingos

O Coral de São Domingos completou 36 anos de existência e de trabalho ininterrupto, no passado dia 7 de Janeiro. Foi nesse dia, a meio da tarde, que fez o primeiro ensaio nos claustros do Convento de São Domingos, sede do Grupo dos Amigos de Montemor, associação que o acolheu durante os primeiros dois anos. Depois, legalizado como associação sem fins lucrativos e, mais tarde, declarado pelo então primeiro-ministro António Guterres como Entidade de Utilidade Pública, o grupo percorreu dezenas de lugares, em Portugal e um pouco por toda a Europa, cantando e “espalhando por toda a parte”, o nome de Montemor-o-Novo.

Hoje, são trinta os cantores que continuam a dar voz ao grupo e que, depois de dois anos de pandemia, regressaram ainda com mais energia e talento. Foram, como calculam, dezenas de amigos que passaram pelo Coral, ao longo destas quase quatro décadas, deixando nele a sua marca, definida pela sua paixão e pelo seu empenho sem limites.

Participaram em programas de televisão e de rádio, têm quatro trabalhos discográficos editados, interpretaram centenas de obras de compositores dos quatro cantos do mundo, fizeram perto de 600 concertos, estão ligados a grande parte das instituições da cidade, recebem apoio de várias entidades da cidade e do concelho e acreditam que vão durar até aos 1000 anos.

Estou com eles desde o dia 7 de Janeiro de 1987. Vou estar sempre com eles, até ao meu último dia.


João Luís Nabo

In "O Montemorense", Janeiro de 2023

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Chover no molhado e outra questão de igual importância

 


                                                             
   (foto: Agência Lusa)


                                                         Chover no molhado
                                                                                              

Escrever sobre as cheias que têm mantido o país em polvorosa é mesmo chover no molhado, peço desculpa pela metáfora (e redundância) tão mal escolhida, tendo em conta as circunstâncias. No entanto, só de ver os tipos do Governo Costa, tapadinhos por um guarda-chuva, a correrem de um lado para o outro quem nem uns totós, deu-me pena, vontade de rir, ao mesmo tempo, e obrigou-me a escrever estas poucas linhas, porque de umas linhas mal alinhavadas é que eles não se livram.

Portugal continua igual a si próprio. Até me parece mentira que nós, em tempos (muito) idos, tenhamos dado mundos ao Mundo, com vícios e virtudes, usando a espada e a bíblia da melhor forma de que éramos capazes. Como foi possível criar um império daquelas dimensões, contrariando ventos e marés, quando hoje, em pleno início deste novo e grandioso milénio (que só nos tem trazido problemas), não conseguimos resolver o grave problema das inundações em Lisboa, no nosso queridíssimo Alentejo e noutros pontos do nosso belo e turístico país?

Passámos meses, longos meses, anos, longos anos, sem praticamente cair uma gota de água do céu, valha-nos Cristo e Nossa Senhora, para, quando a temos a cair em força nas nossas cabeças, não sabermos o que fazer com ela. É por estas e por outras que ficamos conscientes de que o país está podre e incapaz de enfrentar desafios sérios como o das alterações climáticas, associado à má gestão urbanística, à falta de limpeza das sarjetas e escoadouros, uma coisa tão simples e, ao mesmo tempo, tão difícil de concretizar. Depois, e é isso que me deixa estupefacto, é vê-los mandar desentupir os esgotos, como se não houvesse amanhã. E é ver centenas de bombeiros, sem dormir, exaustos, a procurar por todos os meios acudir aos aflitos.

As crises deste género têm a ver com essas questões tão em voga e tão verdadeiras das alterações das condições do clima. Já todos reparámos que, em vez das quatro estações do ano, ficámos só com duas e que, qualquer dia, quando tudo for de pantanas, ficamos sem nenhuma, que era o que nós merecíamos, por sermos descuidados e imprudentes. Estas crises também são provocadas pela incúria dos homens, e sobretudo dos homens e mulheres que se sentam, e bem sentadinhos, nos lugares de poder. Quando vejo o Costa, o Moedas, a Vieira da Silva, o Marcelo e outros fofinhos que tais a darem abracinhos nos que viram toda a sua vida ser levada por uma enxurrada de água e lama, dá-me vontade de fazer uma coisa que não vou aqui escrever, até porque é contra as normas da decência e da moral.

Os donos dos cafés, dos supermercados, das lojas, das casas, das garagens, dos armazéns, dos campos, não querem um ombro amigo para chorarem as suas mágoas bem reais e que passam pela sua própria sobrevivência. Os que perderam carros, mobílias, animais, hortas, pessoas de família não querem palavras amiguinhas vindas do coração (até porque os políticos não têm coração), nem selfies, nem televisões a quererem filmar a dor, a raiva e a revolta. O que todos eles querem, e nós também, é que os políticos se deixem de caridade bacoca, de consolos que não sabem a coisa nenhuma, e reajam, finalmente, como políticos verdadeiramente sérios, que querem, de facto, resolver as questões que, ao longo dos tempos têm, repetidamente, prejudicado, e de que maneira, cidadãos de trabalho, pagadores de impostos e eleitores livres. Quando colocamos conscientemente o nosso voto na urna, não será para alargarmos o nosso círculo de amizades e irmos, mais dia menos dia, beber um copo com os nossos candidatos preferidos. O voto é para que eles cuidem de nós, nos protejam e não dediquem o seu tempo a assobiar para o lado em processos gravíssimos de roubo, peculato, abuso de poder, transferências financeiras indevidas que, no nosso país já dariam para uma série da Netflix com mais de 30 temporadas.

Portugal está a ser mal tratado por quem o governa? Ainda têm dúvidas? Portugal, que foi rei e senhor de metade do planeta, sendo (muito) discutível a forma como o conseguiu, não devia estar a afundar-se, só porque os políticos estão mais preocupados em salvar alguns bancos e alguns banqueiros, apresentando uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma a quem, de facto, merece apoio e solidariedade nos momentos mais complicados das suas vidas.

 

 Sim, Cristiano, gostava de tomar um café contigo

 O outro assunto que, para mim, está esgotado, é o do Cristiano. A comunicação social faz e desfaz pessoas, cria e destrói, glorifica e demoniza quem está sob a luz ofuscante dos seus holofotes. Achei absolutamente inacreditável que, enquanto decorria o Mundial do Qatar, os jornais e as televisões tentassem, por todos os meios, expor o Cristiano, como se não soubessem que tudo o que se dissesse ou pensasse sobre ele acabaria por condicionar a equipa da qual ele era capitão. A nossa equipa. A equipa das quinas. A equipa dos “heróis do mar”. Provavelmente, também ele deveria ter escolhido outra oportunidade para a malfadada entrevista a uma cadeia de televisão britânica. Aceito.

Quem não percebesse bem o que se estava a passar depois dessa entrevista, pensaria que a comunicação social portuguesa e mundial queria mesmo era que o Cristiano se tramasse e tramasse a selecção. O Campeão manteve-se sereno, calmo, ignorando as ogivas que lhe mandavam, até que foi o próprio seleccionador que lhe deu o tiro de misericórdia: Cristiano para o banco, porque tu, o que mereces, é estar no banco.

No íntimo do melhor do mundo, esta decisão acabou por ser arrasadora, levando a autoestima de Cristiano a descer ao nível dos infernos. Coloquei-me no lugar dele e descobri que não conseguiria ter a classe que ele teve: se o Santos insistisse em manter-me no banco, eu teria ido até ao centro do relvado, despido a camisola das quinas e regressado a casa, nesse mesmo dia, para os braços da minha Georgina.

Esse tal seleccionador não merece continuar.

 

Quanto ao Cristiano, um dia que ele passe pela nossa santa terrinha, não me importava nada de tomar um café com ele, antes de termos uma conversa séria sobre lealdade e confiança. Mas isto sou eu a dizer. Eu… que nada percebo de futebol.

 

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Duas reflexões

 


Novas ditaduras

O mundo começou, recentemente, a dar provas de uma polarização sem precedentes na política e nos partidos que a fazem. Os Estados Unidos da América e o Brasil são disso exemplo quando, nas urnas, a esquerda e a direita, nos seus conceitos mais tradicionais, lutam seriamente pelo poder, ganhando uma delas sempre à tangente.

Lula da Silva e Bolsonaro, recentemente, e Biden e Trump, em 2021, perceberam e mostraram como as respectivas nações de encontram divididas, com dois grandes grupos perigosamente separados e com uma força eleitoral muito equivalente. Sempre abominei ditaduras venham elas dos partidos e regimes admirados pelo Chega, surjam elas dos partidos e regimes idolatrados pelo PCP. Uma ditadura de esquerda, como as que dominam na Coreia do Norte ou na China, é tão perigosa como a ditadura Russa ou como a hegemonia bélica e territorial, e a política de ingerência noutros países, dos Estados Unidos da América.

Estes resultados e aquilo que todos nós vamos testemunhando levam-nos a concluir que as políticas de esquerda nem sempre são as mais liberais e que as de direita nem sempre são as mais conservadoras, mas, e é o que se revela mais importante, nenhum tipo de ditadura serve os princípios de um mundo livre e democrático. É então que se coloca a questão: se assim é, qual o motivo de resultados tão iguais nas eleições mais recentes? Por que terá vencido a candidata pelos Irmãos de Itália, um partido conotado com a extrema-direita italiana?

A História recente, bem recente, provou-nos quais eram as consequências para os cidadãos quando governados (leia-se oprimidos) por ditaduras: Hitler, na Alemanha, Mussolini, na Itália, Franco, em Espanha, Salazar, em Portugal, Estaline, na União Soviética. Regimes totalitários que não admitiam a diversidade, a pluralidade de ideias, de religião, de pensamento, tendo como remédio para tais “desvios” a censura, os campos de concentração, as prisões, as torturas, as deportações, os fuzilamentos. A História ainda mais recente mostra-nos o que acontece no Iraque, no Irão e noutros países onde a religião se confunde com o Estado e onde a ausência do voto livre se traduz num futuro de repressão, de miséria e de obscurantismo, sobretudo para as mulheres.

As novas gerações e o desconhecimento cada vez maior que têm da História, do nosso passado enquanto portugueses e europeus, pode ser um dos motivos pelos quais se começa a vivenciar este “ela-por-ela” entre regimes que podem assegurar alguma segurança aos seus cidadãos e outros que são, pelo discurso dos seus líderes, agarrados a um populismo nunca visto, uma clara porta aberta a um futuro incerto e meio obscuro. Por cá, os partidos do chamado Centro estão cada vez mais encostados à esquerda ou à direita, porque começam a perceber que é aí que vão recolher os votos de que precisam para “tomar” o poder. O Partido Socialista terminou há pouco uma relação com os partidos de esquerda, e o PSD anda, vai que não vai, a querer respirar os ares do Chega.

Os portugueses ainda podem, por enquanto, pensar por si. Os picos de crise económica, como a que está neste momento a acontecer, e que levam a graves crises sociais, são o rastilho para que, à imagem de outros tempos e de outras nações, surja um salvador da pátria, com olhos mansos e voz firme.

Cá por mim, vejo com olhos turvos os caminhos que se avizinham.

 

 

Uma nova escola

 A inclusão de inúmeros alunos de origem brasileira nas turmas das escolas portuguesas tem obrigado os professores a um golpe de rins como há muito não se via. Provenientes de um sistema de ensino completamente diferente do sistema português, estes jovens têm agora de se adaptar aos novos programas, à nova forma de testes e exames, à exigência que os profissionais aplicam à gestão das suas salas de aula e, até, à forma de falar dos professores portugueses que, como sabemos, nem sempre é completamente entendível pelos alunos brasileiros, quer pelo sotaque europeu, quer pela utilização de palavras e expressões do português de Portugal que nada têm a ver com o português do Brasil.

Ainda que unidos pela língua, falta-lhes, e a nós também, o conhecimento mais profundo de ambas as culturas e vivências, das experiências do presente e do passado, para que nos seja permitido a todos, alunos  e professores, criar uma plataforma de entendimento, de modo a que o sucesso escolar seja possível. Se há professores legitimamente preocupados com as avaliações dos seus alunos, tanto portugueses como brasileiros, outros pensam que essa questão, mais académica, deverá ficar secundarizada pela importância fundamental a dar, antes de mais, à inclusão desses jovens (e de outros de outras nacionalidades), não só nas nossas turmas mas também na nossa vida, na vida da nossa cidade e das nossas associações e grupos de trabalho ou de lazer. E sem esquecer que a nossa atenção deve igualmente estar virada para a adaptação dos alunos portugueses a estas novas relações, porque também eles estão a viver uma nova experiência, que sendo, à partida, enriquecedora e importante para o seu crescimento como seres sociais, tolerantes e inclusivos, pode não ser fácil de gerir e cimentar.

Porque as escolas se vão tornando a cada dia que passa, cada vez mais “internacionais”, é vital a alteração de todo um sistema com largas dezenas de anos, de modo a acolher um número cada vez mais crescente de alunos estrangeiros espalhados por todo o país e criar as condições adequadas para que os alunos portugueses possam e saibam receber e apoiar quem chega à sua escola, tendo deixado atrás de si uma história de vida, um lar, uma escola, amigos e familiares.

Até há uns meses a esta parte, tudo tem sido muito fácil. Vamos começar agora a ser postos à prova.

 João Luís Nabo

In "O Montemorense", Novembro 2022

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Duas coisinhas, apenas

 

 Rui Horta – de Montemor para o Mundo

Depois de ter trabalhado nos mais prestigiados palcos do mundo, Rui Horta chega à cidade de Montemor-o-Novo e instala num esquecido convento dominicano, quase em ruínas, o hoje incontornável Espaço do Tempo. Vinte e dois anos depois, o edifício está, finalmente, prestes a entrar em profundas obras de restauro e Rui Horta despede-se publicamente do cargo de director artístico, no Cine-teatro Curvo Semedo, com a sua derradeira criação.

A escolha do Convento da Saudação para berço da sua instituição levou a que aquele elemento dominante do nosso património arquitectónico se transformasse num ícone de criação e liberdade, objectivos exactamente opostos aos promovidos quando da sua construção, no início do século XVI, para albergar um grupo de conformadas freiras dominicanas.  Deliciosas ironias da História.

Do alto do monte maior para o Mundo, Rui Horta e o Espaço do Tempo acabaram por confundir-se um com o outro ao longo destes vinte e dois anos de existência. No velho convento, casa aberta para criadores e artistas de todo o globo, nasceram obras absolutamente únicas que acabariam por percorrer os grandes palcos do planeta.  Passou, pois, a haver, a partir de determinado momento, dois tempos diferentes: Antes do EdT e Depois do EdT. Durante esta segunda era, que se prolonga até hoje, as instituições da cidade e do concelho foram amigável e carinhosamente confrontadas com os seus limites, através de novos desafios estéticos, técnicos e performativos, que as obrigaram a sair das suas zonas de conforto e a acreditar que, em palco, sob a luz da ribalta, todas podiam ser mais, muito mais, do que a soma dos seus elementos. Assim, também os artistas amadores desta cidade e do concelho – grupos corais e de dança, bandas filarmónicas, escolas, grupos de teatro e associações da mais diversa índole – tiveram lugar nos planos do coreógrafo ao longo destas duas décadas. Lúmen, a sua grande festa de despedida, foi, sem dúvida, disso a melhor prova ao envolver perto de meia centena de actores, bailarinos, cantores, técnicos e produtores que demonstraram, em três sessões praticamente esgotadas. no monumental cine-teatro da cidade, que não há limites para a criatividade.

A partir de agora, novos tempos se aproximam. Rui Horta deixará a direcção artística do Espaço do Tempo, mas a herança do Homem, do Coreógrafo, do Bailarino, do Artista e do Humanista, irá perdurar e, sob a nova direcção artística de Pedro Barreiro, a instituição continuará, temos a certeza, a abrir portas ao Mundo, à cidade e ao concelho, às suas forças vivas e aos seus habitantes.

 



Marcelito, já te tenho dito…

Se em Montemor o cenário do nosso quotidiano é, aparentemente calmo, com uma ou outra excepção divulgada nas redes sociais, mas que aqui não terá tempo de antena, já no país as coisas estão  ao rubro e logo com o nosso querido Marcelo no centro das atenções. E isto, porquê? Porque o senhor não se cala nunca. E quem temos visto e ouvido nos últimos tempos não é o Prof. Marcelo, Presidente da República, mas o Prof. Marcelo, comentador da TVI. Amante de multidões, venerador de jornalistas, esqueceu-se há algum tempo, e de forma completa, de que mudou de funções há pouco mais de seis anos.

Depois, há outra coisa que começa a irritar os portugueses. Como se  costuma dizer que quem foi professor nunca o deixou de ser, Marcelo, cada vez que vê uns microfones apontados ao nariz, assume que é seu dever dar aulas de moral aos portugueses, ao primeiro-ministro, aos ministros, ao clero… E, depois, para ele as coisas estão quase sempre bem. Portugal é o maior, os portugueses são espectaculares, mostram-se solidários uns com os outros, hospitaleiros para quem escolhe o nosso país para viver, quando a verdade nem se aproxima desse país de sonho, habitado por fadas e gnomos: estamos novamente a caminho de qualquer coisa próxima da bancarrota, os preços não param de aumentar com a subida dos preços dos combustíveis, há um ditador por aí, algures, a matar ucranianos e a mandar em nós todos, alguns compatriotas nossos assassinam as mulheres e violam os filhos, muitos dos imigrantes, que chegam às dezenas diariamente a Portugal, são despejados em barracas perto das zonas de trabalho e ali sobrevivem na maior das misérias, longe da família, vítimas de exploração e de chantagem, os escândalos com membros do Governo e com elementos da Igreja não param de crescer… E fico-me por aqui.

            Por isso, caro Professor Marcelo, Portugal, nos tempos que correm, até nem está nada de especial, por muito que o senhor não queira ver. E há assuntos em que não se devia meter. Lembra-se de um senhor chamado Cavaco Silva? Recorda-se de ele ter pedido desculpas aos portugueses por alguma barbaridade que tenha dito? Pois… Cautelas e caldos de galinha nunca foram demais. Fez os seus dois mandatos caladinho que nem um rato e hoje, assim que fala ou escreve um livrinho, toda a gente abre os ouvidos, num misto de curiosidade e receio do que ele vá dizer… Eu, pessoalmente, gosto mais de si, Professor Marcelo, e é por isso que começo a sentir, se me permite, alguma vergonha alheia quando o ouço nas televisões.

A sua presença na minha (nossa) vida é tal, que já cá disse em casa que, qualquer dia, quando regressarmos do trabalho ou dos ensaios do coro, ainda o vamos encontrar a brincar com  Balú e a Ginja, à nossa espera para o jantar. Provavelmente, até já pôs a mesa e aqueceu o resto da sopa e o bacalhau à Brás que sobrou do almoço, que isto, como a coisa está a ficar, não se pode desperdiçar nem um raminho de salsa.  

João Luís Nabo

In "O Montemorense", Outubro de 2022

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Horta, Rui: montemorense honorário

 



Há 22 anos, um cavaleiro chegou a esta cidade, vindo de terras longínquas por ele conquistadas. Cidades distantes e enormes: Frankfurt, Zurique, Londres, Montréal, Copenhaga, Tóquio, Berlim, Gent, Nova lorque, Toronto, Moscovo, Lyon, Paris, Munique, Düsseldorf, Genève, Malmö, Gotenburgo, Avignon, Lisboa…

Depois destas e de outras que não cabe aqui enumerar, o cavaleiro ordenou que se tomasse uma pequena cidade ao Sul do Tejo, chamada Montemor-o-Novo. “Montemor-o-Novo, mestre?”, perguntou-lhe um dos cavaleiros. “Montemor-o-Novo será”, respondeu o mestre.

Não trazia cavalo, nem espada, nem armadura, nem se lhe ouviram quaisquer gritos de guerra. O Rui trazia na bagagem a vontade e a paixão e uma colecção infindável de prémios atribuídos pelas mais altas instâncias culturais de muitos países da Europa. Então, quando chegou, subiu discretamente ao monte mais alto, olhou a povoação em volta e disse: “É aqui.” Tomou o castelo sem hesitar e aquartelou-se com as suas tropas fiéis no velho Convento de Nossa Senhora da Saudação e ali, naquele espaço quase esquecido, mas sempre místico, preparou-se para, quero acreditar, a maior conquista da sua vida.

Assim, depois de uns dias de merecido repouso, enviou ao arrabalde o seu pequeno exército que, sob o seu comando, deu início à invasão mais pacífica da História da Humanidade. As instituições, as associações, os grupos, as escolas, as colectividades, as pessoas foram os seus únicos alvos. Posso testemunhar, e vocês também, que todos os edifícios ficaram intactos. E, ao contrário de outros conquistados, que se recusam, por direito, a sê-lo, aqui, nesta terra tranquila, de gente de trabalho, de músicos e poetas, todos se deixaram voluntariamente dominar.

Não resisto em inspirar as próximas linhas num pequeno texto que escrevi, há pouco tempo, para o Rui, sobre o Rui. Consumada a tomada da cidade, mergulhando no ser e no saber deste povo tão extraordinário que é o nosso, Rui Horta e o Espaço do Tempo começaram a confundir-se um com o outro ao longo dos seus 22 anos de existência. Passou a haver, a partir de determinado momento, dois tempos diferentes: Antes do EdT e Depois do EdT. Nesta segunda era, que se prolonga até hoje, as instituições da cidade e do concelho foram amigável e carinhosamente confrontadas com os seus limites através de novos desafios estéticos, técnicos e performativos, que as obrigaram a sair das suas zonas de conforto e a acreditar que, em palco, sob a luz da ribalta, todas podiam ser mais, muito mais, do que a soma dos seus elementos.

A escolha do Convento da Saudação, na nossa cidade, para berço desta instituição, levou a que aquele elemento dominante do nosso património arquitectónico se transformasse num ícone de criação e de liberdade, objectivos exactamente opostos aos promovidos quando da sua construção, no início do século XVI, para albergar um grupo de religiosas dominicanas.  Deliciosas ironias da História.

A partir de agora, novos tempos se aproximam. O Rui deixará a direcção artística do Espaço do Tempo, mas acreditamos que a herança do Homem, do Coreógrafo, do Bailarino, do Artista e do Humanista, irá perdurar e que, sob a nova direcção artística do Pedro, a instituição continuará a abrir portas ao Mundo, à cidade e ao concelho, às suas forças vivas e aos seus habitantes.

            A montra de galardões que o Rui conquistou durante a sua vida ainda não está completa. Falta-lhe aquele prémio que vai receber de todos nós, esta noite. Assumo perante todo este público que não fui instruído ou mandatado por quem quer que seja, mas tenho a certeza absoluta de que posso, sem qualquer receio, e em nome de todos, condecorar o Rui Horta com o mais precioso galardão que nós, montemorenses, lhe podemos atribuir. Assim, em nome de todos e da amizade e do carinho que sentimos por ti, e em recompensa pelas “obras valorosas” que nos ensinaste a amar, e pela revolução cultural que operaste na nossa cidade, e porque Montemor também é a terra da Pia e dos teus filhos, por tudo isto, concedemos-te orgulhosamente o mais alto grau que o nosso coração permite: O GRAU DE MONTEMORENSE HONORÁRIO PARA TODO O SEMPRE!

            Obrigado, Rui!                                                                      

   LÚMEN - Cine-teatro Curvo Semedo, 23 de Setembro de 2022

                                                                                     João Luís Nabo

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

A rentrée

 


O Professor Marcelo anda muito chochinho. Se eu reparei, que sou um distraído de primeira água, toda a gente, decerto, reparou: um permanente sorriso triste, quase tipo Mona Lisa, uma enorme contenção nas palavras, quase tipo Cavaco Silva, nos seus tempos áureos de Presidente da República, uns tabuzinhos à mistura, menos selfies com o povinho, poucos abracinhos ternurentos às velhinhas e crianças, não beijou a barriga de nenhuma grávida, enfim, atitudes sintomáticas de alguma dorzinha que é, com certeza, de alma, porque de corpo não se nota nada, ainda que o seu caminhar seja menos perturbador e um tudo nada mais lento. Não é para admirar, senão vejamos: foram os terríveis incêndios deste Verão, a guerra na martirizada Ucrânia (ele gostaria de ter lá ido fazer uma selfie com o Zelensky, mas não lhe calhou, por enquanto…), o aumento do custo de vida, os tiros no pé do senhor ministro Pedro, a demissão, após cansaço extremo, da senhora ministra Marta, as gaffes da senhora directora-geral da Saúde, a insuficiência de médicos obstetras, o que dificultou a vida de dezenas de grávidas e dos seus aflitos maridos ou companheiros, a subida escandalosa do preço dos combustíveis e, agora, para acabar em beleza, a sua pose tímida ao lado de Bolsonaro, enquanto esta personagem celebrava o Dia da Independência do Brasil com um vergonhoso comício para as eleições presidenciais de 2 de Outubro… Enfim, dramas que, neste último caso, as regras do protocolo oficial não conseguiram, nem podiam, resolver…

No seu regresso a Portugal, e novamente de frente para a crise que já se anunciou, Marcelo apetece-lhe falar, dizer muita coisa sobre o Governo de Costa, desancar na cada vez maior falta de tacto que ele e os seus ministros (uns mais do peito que outros) têm manifestado para tentar salvar o país (pelo menos, é o que eles dizem por aí). O Professor Marcelo está tristonho e enfadado, porque sabe que Portugal está um caos (onde só os ricos e os muito ricos se safam), a caminho de um buraco negro de onde, mais uma vez, vai ser difícil regressar. Até já sonhou o senhor Presidente, dizem os dois ou três assessores que lhe vigiam o breve sono, que Costa não vai aguentar até ao final da legislatura.

 

Passaram as férias. Ansiadas desde o fim das últimas, ainda em pandemia, estas chegaram, estiveram e… foram embora. Umas férias anormais, desta vez, mas com um sabor que me deixou triste quando se despediram. Nada de praias, nem de montanhas, nem de viagens para ilhas paradisíacas. Nada de caminhadas, nem de ginásio, nem de pescaria na Barragem dos Minutos, nem de piscinas públicas ou privadas. E nada de máscaras, também. Nada de nada. Apenas se deixou fluir o tempo e se fez o que nos apeteceu, sem agenda nem relógio. Algum trabalho, voluntário já se vê, umas belas noitadas de escrita, a pensar nos leitores que já terminaram o Ciclo Lunar e que se sentem perdidos sem livros para ler, muitas séries na Netflix e noutros canais (já viram The Handmaid’s Tale?), um ou dois almoços com amigos, mas amigos com quem vale a pena almoçar (ou jantar, ou passar o resto da vida), alguns encontros deliciosamente inesperados, convívio mais estreito com o pessoal da casa e seus deliciosos pares e amigos(as), casamentos, baptizados, aniversários da filharada, funerais, enfim, o pacote completo para, mesmo de férias, nunca deixarmos de ter os pés bem assentes no chão, neste chão alentejano que queima e aquece, que nos agarra como coisa própria sua.  

Pode parecer comum para a maioria, o que, para mim, é extraordinário e cada vez mais constante: saborear cada momento em que estamos vivos e com quem gostamos de estar. Como dirão, no seu delicioso linguajar, alguns alunos meus, máxima que eu partilho com mais intensidade cada dia que passa e me faz aproximar do fim: “Fretes não é a minha cena!” Entre outras concordâncias que me unem à mulher mais velha cá de casa, está esta que ela me atira logo de seguida, numa resposta imediata, sem pausa, nem dramática nem de outro género qualquer: “E a minha também não!”

 

O final das férias é, invariavelmente, assinalado com a Feira da Luz na nossa cidade. E a deste ano, depois de dois Setembros de jejum, ainda que algumas pessoas não concordem, foi das mais espectaculares de sempre. Apesar dos momentos de crise que começámos a viver, o discurso optimista do Presidente da Câmara, na inauguração da festa, e a sua abertura à intervenção de outros convidados, dá-me margem para acreditar que é possível fazer de Montemor uma cidade e um concelho, tal como ele referiu, visíveis em todo o Mundo. E a vários níveis: cultural, económico e turístico.

Para além da Câmara Municipal, se há mais alguém responsável pela divulgação dos eventos e iniciativas destes dias de rentrée, é a equipa de comunicação da autarquia que, em serviço permanente, espalhou, ao minuto e aos quatro ventos, o que de bom havia no recinto do certame. Atrás do nome Feira da Luz/Expomor ia, obviamente, colado o nome daquela cidade onde tudo é possível acontecer. Até, vejam só, uma utilíssima mudança nas mentalidades. 

        Quando acabei de colocar o ponto final no texto, veio a notícia da morte de uma mulher que parecia eterna e que vai ficar para sempre na nossa memória.

            The Queen is dead. Long live the King!

João Luís Nabo

In "O Montemorense", Setembro de 2022

 

 

 

           

 

 

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Antes de férias

 




Antes de férias

I

 Os fogos que se fazem sentir na nossa terra e que assolam violentamente o país tiram-nos o sono e dão-nos matéria para pensar por que motivo todos os anos a tragédia se repete, sem apelo nem agravo, para depois, no rescaldo, escutarmos os políticos a propagarem soluções que, afinal, não foram aplicadas em seu devido tempo. Esses políticos devem pensar que somos todos uns totós.

Cada Verão com incêndios é um desrespeito total pelos bombeiros deste país, pelas suas famílias, é um brincar com os bens de cada cidadão que, de um momento para o outro, se vê privado de tudo o que conquistou com o seu suor e com o seu trabalho, isto quando não perde para sempre familiares e amigos.

Todos nós temos amigos, familiares e conhecidos por esse Portugal fora e é por isso que nos agarramos à televisão quase obsessivamente para estarmos a par do evoluir dos acontecimentos. Entretanto, vamos sabendo que apanharam um ou outro incendiário que, apesar de terem destruído vidas e bens, continuam a ser tratados por… alegados incendiários.

Este é um país de palhaços e de branda justiça. Não se entendem as penas levíssimas que se aplicam a esses criminosos, sem, muitas vezes, se proceder a uma investigação completa, de modo a saber-se quem são os verdadeiramente responsáveis que mandam esses inconscientes, sedentos de dinheiro, proceder à criminosa ignição a troco de meia-dúzia de tostões. É de pasmar, e isso é que nos tira do sério, quando o incendiário, já condenado, é libertado pouco tempo depois, para voltar, no ano seguinte, a cometer o mesmo crime. É o país que temos. São estes os tribunais que regulamentam a nossa vida e são estes os políticos que elegemos, e que, diga-se a verdade, já não sabem como lidar com tantas crises ao mesmo tempo.

Quem deve estar completamente passado com tudo isto é Marcelo. Mas Marcelo tem de manter a postura de Estado e não poderá jamais mandar Costa à fava, ainda que o acto fosse precedido de uma vénia e de uma… selfie.

  

II

 A partida precoce de colegas, vizinhos e amigos atinge-nos sempre como um murro no estômago. E aí pensamos que não vale a pena tantas brigas, tantas rivalidades, tantas invejas e malquerenças por tudo e por nada. Mas é só aí. Passados uns dias, o nosso modo de vida volta ao normal, a nossa alma bondosa fica novamente sem tino e damos por nós a querer atropelar velhinhas nas passadeiras só porque elas andam muito de-va-ga-ri-nho…

A partida de gente boa deixa-nos um vazio no coração, pensava eu até agora. Na despedida de uma amiga, um jovem padre, que eu muito admiro, numa breve homilia, simples mas eficaz, como eu nunca tinha ouvido a padre nenhum antes (e eu tenho ouvido muitos padres, acreditem), falou do coração de quem fica e não referiu esse espaço como um lugar esvaziado pelo desgosto. Falou dele como o espaço onde guardaremos as memórias dos momentos que passámos com quem partiu. Não, o coração ficará sempre preenchido por tudo o que, na vida, já não se torna possível fazer. E tem razão o jovem padre. E tinha razão a Carla, que amava cada momento e cada pessoa como se fossem únicos.

É a partida dessas pessoas boas que nos dá vontade de voltar atrás e de dizermos mais vezes o quanto gostávamos delas. Mas, agora, já é tarde para isso. Usemos, pois, o coração. Mas não será tarde para os outros que continuam connosco. Dizermos que gostamos uns dos outros, e dar-lhes sempre o melhor de nós, devia ser uma regra a cumprir antes que seja tarde demais


III

Recomeçámos o ginásio porque vêm aí os dias de praia e a nossa vaidadezinha de pormos as nossas banhas com menos volume é mais forte do que a vontade de beber uma mini. Ou duas. E lá vão elas e eles suar que nem uns malucos, como se o calor que nos ataca diariamente não fosse suficiente para nos espremer até à última gota. Enfim, lá ficamos mais equilibrados em termos estéticos, a nossa saúde melhora consideravelmente e, na praia ou na piscina do hotel, não há ninguém que não nos siga com o olhar, cheio de inveja dos nossos abdominais, dos bíceps bem definidos e dos gémeos bronzeados e brilhantes. Quem não teve tempo de ir gastar as suas energias e as suas calorias-extra no ginásio mais próximo, pode sempre fazer como eu. Quando atravesso o areal, antes do belo mergulho, inspiro e aguento a respiração até estar completamente tapado de água. Aí, os meus abdominais definidos transformam-se num flácido one-pack, que terei de voltar a disfarçar quando regressar à toalha onde a Fofa me espera cheia de orgulho no meu físico e na minha estratégia para enganar velhinhas reformadas.

IV

As férias grandes vêm aí, já toda a gente percebeu. A malta nova já não combina pescarias no Pego do Poço, nem concursos de natação na Pintada. As distracções são outras, até porque o Pego do Poço e a Pintada, e outros lugares (agora diz-se spots) do nosso rio já praticamente não existem como nós os conhecemos.

Saídas à noite, temporadas nas piscinas da terra (ou nas piscinas dos amigos), passeios até ao Algarve ou ao Norte, onde, à partida, estaria mais fresco, são formas de passar estes longos dias que se aproximam. E, claro, sempre ligados às redes sociais, porque é fundamental irmos publicando minuto a minuto o que fazemos, o que comemos, com quem saímos, onde estamos e onde vamos estar. Nem que seja para fazermos inveja a alguém em particular.

Já agora, e à laia de despedida, pois só vamos regressar em Setembro, se estivermos ainda por cá, distraiam-se e… leiam uns livros. Bons autores, boas histórias, universos únicos, inventados para nos reencontrarmos connosco e com o Outro, para podermos ser, nem que seja na ficção, amados e felizes.

JOÃO LUÍS NABO

In "O Montemorense", Julho de 2022

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Balanços

 

       


 

        Já se escreveu muita asneira sobre a pandemia, sobre os cuidados a ter, sobre as cadeias de transmissão, os contágios, as vacinas, as urgências em ruptura, médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares em exaustão profunda. Tenho a sensação de que poderá tudo começar outra vez, com o levantamento das medidas. Talvez não. Teremos, segundo alguns analistas, de aprender a viver com o vírus e andar com a vida para a frente.  Quero acreditar que assim é. Porque também estou farto de tantos medos e de tantos afastamentos. Quem me tira um abraço, um xôxo repenicado, uma almoçarada descontraída, um concerto vivido ao extremo, uma aula sem máscaras e sem gel… tira-me tudo. Ainda assim, o horizonte não se me afigura muito seguro.

 

            Estamos a encerrar o ano lectivo, mais um ano lectivo, fazendo o balanço dos pontos altos e dos pontos baixos desta maratona de nove meses. Querem saber o que eu acho mesmo? Acho que uma parte dos alunos anda demasiado envolvida em projectos de vária ordem e mal tem tempo e concentração para se dedicar aos estudos das matérias, essenciais para um prosseguimento académico seguro e sem sobressaltos. Claro que as actividades extra-curriculares são importantíssimas no desenvolvimento dos jovens e das suas capacidades intelectuais, sociais e humanas!  No entanto, há que restabelecer um certo equilíbrio para que as actividades fora da sala de aula sejam complemento das matérias e das vivências intramuros. Se não houver essa aquisição de conhecimento, as actividades fora da escola não poderão complementar seja o que for.

 

            A guerra na Ucrânia passou de muito dramática a dramática, de dramática a coisa comum, que irá decorrer até ao fim do ano (dizem). A frieza com que, aos poucos, começámos a encarar os números de mortos, feridos, estropiados, desalojados, o olhar acrítico que dirigimos às imagens e às notícias que continuam a chegar-nos todos os dias a casa assusta-me tanto como a própria guerra. Indigna-me mais do que a impotência manifesta da União Europeia perante este verdadeiro genocídio.

 

Temos um Presidente da República fala-barato. Não é novidade e até achamos alguma piada quando ele, sempre muito desbocado, conta coisas ao país que António Costa não quer que se saibam. Mas ele é assim: professor, comunicador, pedagogo e… fala-barato. Muitos ministros deverão, com certeza, dirigir-se a ele para tomarem conhecimento de assuntos dos seus próprios ministérios…

Cá em casa, e perante estes meus desabafos, a Fofa respondeu-me que o objectivo do Professor Marcelo é compensar o prolongado tempo de silêncio em que vivia mergulhado o Professor Aníbal, que nunca comentava nada, que nunca sabia de nada, que nunca dizia nada. “Agora que devia estar calado”, acrescentou ela enquanto fazia uma festinha ao Balú, “é que aparece, vindo de outro mundo, a espalhar veneno sem dó nem piedade!

 

No momento de produção deste pequeno conjunto de textos, uma das notícias que enche os telejornais é a falta de médicos obstetras nos hospitais da Região de Lisboa. Se me dissessem que esta situação se passava no interior do país, aceitava melhor, ainda que contrariado. Agora, em Lisboa? Na capital do Reino? O que anda o Ministério da Saúde a fazer? E o resto do Governo? Ainda não perceberam que morreu um bebé recém-nascido, vítima desta situação inaceitável e absolutamente terceiro-mundista?

 

 

No passado dia 30 de Maio encerrou as suas portas uma das mais icónicas Casas da cidade. Tão icónica, que o Largo da República, onde se situa, passou a ser conhecido em toda a parte por Largo do Almansor – do Café Almansor. Fui cliente desde a minha tenra adolescência e foi lá, à volta de petiscos extraordinários, que reforcei laços de amizade e criei outros que duraram a vida inteira.

Pois no dia 30 fui ao Café Almansor pela última vez, despedir-me do Evaristo e do Zé Maria e das suas companheiras de uma vida. Deixei ficar dois exemplares do “Sertório”, história em que ambos têm uma breve participação, logo no segundo capítulo: “Pois o Zé Maria e o Evaristo, actuais proprietários do histórico Café, porque não tinham ninguém para servir, e porque as grandes novidades vinham do exterior, estavam à porta, quase em bicos dos pés, tentando descortinar os pormenores do terrível acontecimento, ocorrido mesmo à frente, no alto da escadaria, à porta da Sociedade Filarmónica. Os carros estacionados no parque diante do estabelecimento não se viam, de tal modo estavam cobertos de gente.”[1]

 Bom descanso para todos. A gente vai-se encontrando por aí.

 

Está calor. Sempre esteve calor no Alentejo nesta época do ano. Não havia era telemóveis para registar as temperaturas anunciadas pelos termómetros dos carros do pessoal e nem Facebook e Instagram e Twitter e má-na-sê-quê para fazer a respectiva publicaçãozinha.  Mas não são só as temperaturas altas. São também as baixas. Esperem por Dezembro e logo vêem… Mas o que mais me atormenta não é bem isto. Percebo que as pessoas queiram narrar ao minuto toda a sua vida, sobretudo quando fazem viagens exóticas, que é para irritarem os amigos. Compreendo, com uma enorme margem de tolerância, que ponham nas redes sociais os almoços, os jantares, as homenagens às mulheres, às noivas, aos noivos, às ex-, aos ex-, os concertos, as primeiras comunhões, os casamentos, as vendas dos trapinhos, as idas à pesca e à caça… Há influencers de fim-de-semana que publicam o que queremos e até o que não queremos ver. Qualquer dia, ainda assistimos ao filme da sua lua-de-mel e depois queixam-se de que foram vítimas de phishing ou lá como é que diz.

Mas ainda não é isto que me atormenta. O que me causa grande embechação, o que me tira o soninho e a vontade de existir é quando os autores das publicações põe um Gosto na própria publicação. E às vezes até numa foto tirada depois de almoço. Isto é que me tira do sério. De resto… nada a dizer.

 

 João Luís Nabo

In "O Montemorense", Junho de 2022



[1] In “Sertório, uma história de Vila Nova”, Edições Colibri, Lisboa 2021

Distraídos crónicos...


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