domingo, 30 de março de 2008

"Os filhos não vêm com manual de instruções"



A frase não é minha. Por isso é que está devidamente ‘asperizada’. Foi escrita por alguém (não me lembro quem) que pretende alertar os pais, e adultos em geral, para o facto de cada criança ser um universo que deve ser respeitado em todas as vertentes. E que o que serve para uns não serve para outros, e mánasêquê… Não concordo. E em vez de estar para aqui com grandes lérias, passo a contar o que aconteceu recentemente cá em casa:
“Domingo vamos TODOS almoçar a casa de um amigo”, anunciei democraticamente, num destes dias, a toda a família. “E vai ser prolongado, como eu gosto”. “Eu não posso”, disse-me o João Miguel. “Tenho de estudar História.” (Deves! - pensei) “Eu também não”, avançou o Pedro. “Tenho de ir ter com o Fabinho para jogarmos Pleisteixón”.(‘Tá bem, abelha!- resmordi) “E eu tenho o almoço de anos da Gabi”, concluiu a Joana. (P’ró ano - murmurei.)
Perante estas manifestações igualmente democráticas por parte da filharada, que eu amo e respeito, olhei para a mãe deles à procura de solidariedade, aclarei a garganta e esclareci: “Eu não PERGUNTEI se queriam ir almoçar à casa de um amigo. Eu ANUNCIEI que íamos TODOS almoçar à casa de um amigo. É substancialmente diferente.”
Os sorrisos amarelos sucederam-se. As bochechas descaíram, flácidas, contrariadas, e a minha fofa, sempre atenta às minhas diatribes, apologista da união familiar, principalmente à hora das refeições – que para ela é sagrada - , abanou a cabeça em sinal de desaprovação. E segredou-me: “Tens de ser mais tolerante, coitadinhas das crianças”.
Os filhos, na verdade, não precisam de manual de instruções. A gente vai-lhas dando aos poucos. As mulheres, sim. Em 10 volumes. E com actualização mensal.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Os bebés são uma seca *



Pois são. Emitem sons irritantes e sem significado, que me confundem de sobremaneira. Miam, grunhem, berram, guincham, como se tivessem de pagar impostos todos os dias. Por exemplo, como traduzir Brrr! Lááááá! Hiiiiiiiii! Ôhhhhhh! Máaaaa! Páaaaa! Túuuu! Môooooo! Impossível, não é? Cada uma das expressões (?) é mais enigmática que a anterior. Ninguém devia conseguir entendê-los.
Se têm calor, choram, se têm frio, choram, se têm sono, choram, se têm fome, choram, se estão felizes chilreiam vocábulos incompreensíveis, que só a mãe e as avós entendem. E respondem-lhes, convencidas de que estão a travar uma conversa decente e equilibrada. Tenho pessoas na família (e vocês também, caros leitores) que conseguem falar durante mais de 30 segundos com um bebé de 15 dias!! Estonteante, não acham? Já observaram um adulto a falar com um bebé de 15 dias? Fica com ar mais idiota que o do próprio bebé, que só quer sopas e descanso: “Olá! Tá bom, mê quido? Góta da tia, góta? Góta da mamã e da vovó? Góta, góta! Quem é o lindo da mamã, quem é? Qué vi ó colinho da tia gôda, qué?”
Digam-me lá se não é triste? É. Triste. Penoso. Obtuso. O que pensará o bebé sobre a tia “gôda”? Que, para além de ter uma verruga enorme por cima do buço, é “gôda” e… estúpida, claro. Desculpem, mas nunca fui capaz de papéis assim.
Meio preocupado com esta minha recusa natural, tento perceber por que não dizem eles palavras ar-ti-cu-la-das. Então, se os psicólogos (vou ser vítima de violência doméstica) dizem que o bebé faz uso da sua capacidade auditiva quando está no útero materno, se sabe que o mundo existe, por que é que não há-de aprender a falar? Se fica nervoso quando a mãe stressa, se fica deprimido quando o pai se exalta, se fica calmo quando a mãe põe um CD do Tony Carreira, por que é que não toma atenção aos actos de fala e não sai lá de dentro com conversa de gente?
Ah, e há outro pormenor que também me aborrece um bocadinho e que me leva a recusar disfarçadamente o convívio com bebés. Os bebés cheiram mal. Sim. De três em três horas, cheiram mal. O que me parece ser bastante desagradável. Detesto pessoas a cheirarem mal ao pé de mim e os bebés não são excepção.
E, depois, há ainda outra questão relacionada com os bebés que me deixa inquieto: por que é que, ainda na maternidade, toda a gente desata a tirar parecenças, observando o recém-nascido como se fosse um animalzinho no zoo? Quando os meus filhos nasceram, as avós e a Condessa de Arraiolos, que é muito cá de casa, transformaram os pobres recém-chegados nuns autênticos monstros de Frankenstein, tal foi a manta de retalhos em que os transformaram: “Têm as orelhas da avó, e o nariz do avô, e as mãos de pianista da trisavó que Deus tem, e as sobrancelhas da prima do Brasil e os olhos são tal e qual os da tia Lucinda do Barreiro… E as bochechas são as do primo Ludgero.” (Quem é esse primo Ludgero?, perguntei à minha fofa, também ela sem saber quem era a tia do Barreiro). Fiquei alarmado: nem uma parecença comigo ou com a mãe. Estive quase para telefonar para a maternidade. Aqueles seriam mesmo os nossos filhos?
Perguntam os meus nove leitores (dez, com a Condessa de Arraiolos): será que ele não gosta dos filhos, dos sobrinhos ou dos primos e primas? Mas que malvado! Como é possível ter um ar tão simpático e inteligente (sobretudo, inteligente) e não gostar das pessoas do seu próprio sangue? Sonso é o que ele é!
Claro que gosto. Esses meus familiares vão crescendo, felizmente. Hoje, alguns deles já adultos, já falam como gente, já me ensinam a fazer crepes aos Sábados, ao fim da tarde, já passamos férias juntos, já se sentam à mesa comigo, já discutimos religião, política, cinema checo e bailado contemporâneo e já emborcamos, de vez em quando, umas belas imperiais.
E têm outra característica que os favorece: já não guincham constantemente, nem cheiram mal de três em três horas. Então, por que é que não havia de gostar deles?



* Há uma vovó que não vai concordar comigo. Um dia, estarei eu de acordo com ela. ;)

domingo, 23 de março de 2008

Estou em pancas

Qualquer dia, tenho a ASAE cá em casa a investigar o fogão, os armários da cozinha e o tamanho da escova de piaçaba. Acredito que, após denúncia, numa rusga bem planeada, venham investigar também se o meu piano está afinado (estou à espera do Ulf Ding!!!) e com as cordas-padrão da Comunidade Europeia. “Não, não”, dirá o Inspector de diapasão em punho, “este fá bordão tem de ser já confiscado. Está desafinado e incomoda o vizinho do lado.” E até temos um inspector-poeta que rima com mestria, enquanto cumpre a sua inefável missão.
Qualquer dia (qualquer noite), lá terei um inspector da ASAE no meu quarto, recém-pintado de azul-império, em silhueta na contra-luz da janela ou sentado aos pés da cama, a dizer-me como e com que intensidade é que eu devo abraçar a minha fofa.
Já faltou mais.

sábado, 22 de março de 2008

...E ninguém faz nada? Parte 2

Pronto:
1-A professora apresentou queixa;

2-O novo estatuto do aluno diz que, nestes casos, a aluna deve ser transferida de escola (isto é, transfere-se o problema mas não se acaba com ele);

3-Espero que ela não seja transferida para uma escola que eu cá sei; é capaz de ser muito longe...

4-O Conselho Executivo da escola onde a professora foi agredida diz que ainda não tem o regulamento interno actualizado e que, portanto, o novo estatuto do aluno ainda não faz parte da coisa;



Em suma: nada vai acontecer.



Afinal, o telemóvel até era da aluna... que, pelo que me foi dado a ver, até tinha ar de anjo.

Alface revisitado


A saudade leva-nos a estes encontros. A palavra foi o pretexto para, no dia 15, falar do João Alface. Ou teria sido o João Alface o pretexto para falar da palavra? Não importa, porque ele também não se importaria. Foi uma tarde de memórias, de música e de literatura. O Theatron organizou e outros amigos juntaram-se a eles, na Carlista, para este momento especialíssimo que foi uma visita ao futuro e uma festa à vida. Porque há homens que quanto mais longe… mais perto.

sexta-feira, 21 de março de 2008

De Montemor para o Mundo


No Dia Mundial da Poesia, um Poema para uma Sexta-feira (dita) Santa:

CRISTO

Trazia nos pés
O cansaço
Duma vida penhorada!
No olhar
A incerteza de uma garrafa
Vazia!
Respirava no silêncio
A asma, afome,
A azia!
Subitamente,
Ao olhá-lo,
Sucedeu o imprevisto:
Vi naquela criatura
Um homem igual aos outros...
Mas mais parecido
Com Cristo!

Manuel Justino Ferreira (1928-2002), in Poeta que parte... Poemas que ficam (2004)

quinta-feira, 20 de março de 2008

...E ninguém faz nada?

Uma professora foi humilhada, insultada e agredida no decorrer de uma aula, numa escola secundária do Porto. Não há mecanismos que ponham alunos daquele calibre na ordem. Simplesmente não há... porque podem ficar traumatizados, coitadinhos.
Relato dos acontecimentos (e alguns comentários, se calhando, desnecessários):
1-A aluna usou o telemóvel numa aula: era proibido.
2-A professora usou de contacto físico: primeira estupidez absoluta.
3-A aluna e os colegas da turma tiveram um comportamento de verdadeiros animais: os alunos deveriam ser suspensos e os paizinhos chamados a contas, inclusivamente aquele rapaz da associação de pais que anda a mandar umas bocas oleosas contra os profs.
4-A professora não apresentou queixa: segunda estupidez absoluta.
5-A aluna não foi suspensa: cobardia de quem manda na escola.
Se o Ministério da Educação lançou uma Reforma para o Ensino, em que artigo da coisa é que estas situações estão previstas? Em nenhum. Terceira estupidez absoluta.
Conclusão: A Prof.ª Maria de Lurdes Rodrigues nunca deu aulas na Carolina Michaëllis, no Porto.

Os números são irrelevantes?



Nunca fui muito de manifestações, de braços no ar, de gritos, de palavras de ordem… Mas não me foi possível, nem aos restantes 99.999 professores, ficar em casa no Sábado, dia 8. Não barafustei muito, porque não é do meu feitio esse tipo de desabafos em público, mas estive lá, na Praça do Comércio, com a minha fofa (que até estava doentinha) e com uma amiga, essa sim, muito revolucionária e berlingueira, que não se calou nem um minuto, a viver agora o seu 25 de Abril.
De regresso a casa, vim a dar no pedal para chegar a tempo de ver os telejornais. Liguei as televisões todas, cada uma em seu canal, e fiquei completamente abismado com o facto de os titulares da pasta da Educação dizerem que os números não eram significativos e que o que importava era a aplicação da lei e não a discussão de alternativas. Fiquei estúpido.
Quando a Prof.ª Maria de Lurdes Rodrigues verificar que é humanamente impossível pôr em funcionamento o que nos pede, então talvez dê razão a quem, nas escolas, sabe as linhas com que isto se cose. Quando o ministério chegar à conclusão que passaremos a formar crianças com conhecimentos cada vez mais periclitantes, e que nos estão a obrigar a dar mais importância aos números (aqui, sim, os números são significativos para a Prof.ª Maria de Lurdes), esquecendo o ensino de matérias propriamente dito, então talvez já tenhamos dado à luz a primeira geração de analfabetos com a escolaridade obrigatória e, aí, talvez seja tarde para recuar.
Ainda assim, nunca deixei de estar a favor da Prof.ª Maria de Lurdes Rodrigues no que se refere a um ponto que é, para mim, importante. Em 33 anos de democracia e de reformas, conseguiu a senhora Professora o que nunca nenhum político ou sindicalista tinham conseguido antes: unir os professores e conceder-lhes o estatuto de classe profissional.
Já o senhor Rangel, numa sua crónica publicada no Correio da Manhã do dia 8, refere a vergonha que sente “destes pseudoprofessores que trabalham pouco, ensinam menos, não aceitam avaliações e [se] transformaram em soldados do Partido Comunista”. Eu também sinto vergonha, mas é de o senhor Rangel ser Português como eu. Cá para mim, com tantos elogios ao Governo e tanto ódio aos professores, deve estar à espera de algum tacho.
O Rangel é um habilidoso!
O Rangel veste-se mal!
O Rangel usa ceroulas de malha!
Se o Rangel é Português eu quero ser Espanhol!
O Rangel é Emídio. Pim!
Era uma vez um ministro chamado Carlos Borrego que, em 1993, foi substituído de uma hora para a outra depois de ter contado uma anedota sobre a morte de doentes hemodializados que tinham falecido, no hospital de Évora, havia pouco tempo. Bastou uma anedota para que fosse rapidamente despachado. De muito mau gosto, é certo. Mas era apenas uma anedota

Distraídos crónicos...


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