Escrevi uma história chamada “A Troca”, para incluir nos Outros Contos de Vila Nova, com o objectivo puro e simples de inventar uma situação inverosímil e, ao mesmo tempo, divertida, que nos pusesse a pensar sobre os símbolos da nossa identidade colectiva, que contribuem para uma unicidade ainda que entre seres diferentes. Ao mesmo tempo, foi minha intenção mostrar que as soluções mais eficazes para os problemas graves que põem em causa a nossa existência comunitária poderão vir de espíritos esclarecidos que põem a um canto os engravatados e os teóricos do regime. O desaparecimento da Torre do Relógio de uma localidade de província chamada Vila Nova causou, na ficção e durante a promoção do livro, algum sururu entre os habitantes que, aflitos, não queriam imaginar como seria a sua vila sem a Torre, sem o seu ponto de referência. Pois hoje, alguns dias depois do dia 22 de Fevereiro, essa metáfora tornou-se mais profunda e alcançou um significado que, na altura da produção da história, eu não poderia imaginar. Porque há torres únicas, insubstituíveis, que, ao desaparecerem para sempre do nosso horizonte físico, nos deixam perdidos, naufragados, sem bússola, sem pontos cardeais. E agora, João Luís?
Para o nosso pai, seremos sempre as eternas crianças, que necessitam de conselhos e de protecção. Para o nosso pai, será sempre importante, mesmo imprescindível, um aviso, uma sugestão, um conselho. Mesmo que já tenhamos a barba branca e o cabelo a rarear. Para o nosso pai, o nosso bem-estar é o seu bem-estar e a nossa felicidade é a sua felicidade. Mesmo que já tenhamos filhos e que estejamos sujeitos a ser avós como ele. Não interessa a nossa idade. Ser-se pai é um estatuto, um vício, uma paixão temerosa. Não sei como é o vosso pai. Mas o meu era assim. Todas as decisões marcantes da minha vida tiveram sempre, se não o seu aval, pelo menos o seu ponto de vista, discreto mas firme.
No dia 30 de Outubro passado, o meu Pai esteve comigo na cerimónia de apresentação dos “Outros Contos…”. Foi o momento certo. Foi uma altura única. Dias depois, teria sido impossível a sua presença. Não acredito em deuses, nem nos astros, nem em bruxas, nem em fadas, mas acredito na conjugação de factores. Se o dia 22 de Fevereiro, dia do seu desaparecimento, foi, até agora, o dia mais triste da minha vida, o dia 30 de Outubro, revelou-se, por contraste, um dos mais felizes.
A resignação com que aceitou a doença, a lucidez com que se despediu da vida, os planos que traçou horas antes da partida revelaram uma clarividência de espírito e uma grandeza rara que eu nunca saberei ter. Tal como o Zé Sebastião, o funcionário da Câmara de Vila Nova que solucionou o problema do desaparecimento da Torre, também ele sabia ver muito primeiro que outros, cheios de teorias e diplomas. Mesmo fragilizado, foi sempre a minha Torre, o meu Refúgio, o meu Farol. E vai continuar a sê-lo até eu, um dia, me juntar a ele. Obrigado Pai por teres sido meu pai.
E hoje, caros leitores, não é que vocês não mereçam, mas não tenho mais palavras para escrever. Apenas um obrigado a todos os que, directa ou indirectamente, manifestaram o seu pesar e me abraçaram emocionados e acarinharam a minha mãe, uma mulher-coragem que Brecht não desdenharia conhecer.
16 comentários:
Que bem compreendo as tuas palavras!
Tb tive na vida "Uma Torre" como a tua, e tantas vezes me fez falta ao longo dos últimos anos.
Agora a "torre" somos nós e o q me assusta é não estar à altura desse lugar que nos foi legado.
Um conselho amigo: "honra a sua memória". Foi o que tentei fazer desde q o meu pai partiu. TEnho a certeza que foi em paz e orgulhoso do seu filho. Um grande abraço.
Quem me dera que houvesse um bálsamo para amenizar essa dor. Ia a correr levar-to. Ana Rita
E difícil escrever sobre alguém que nos fará eternamente falta para ti que és um homem de princípios iniciados pelo pai que perdeste peço e espero que perdure em ti a vontade de viver e transformar ainda que remota, assim te seria dito, mas não a percas tens potencialidades que irão perdurar um grande abraço
Tal como a torre de vila nova, o seu pai permanecerá para sempre na memória de muitos na pacata vila, que é a recordação, só agora soube do falecimento do seu pai através de um amigo comum que descanse em paz, pode ter certeza que ele estará sempre consigo.
Não poderia estar mais de acordo com as suas palavras, pois a nossa vida acenta não numa Torre, mas sim em duas Torres.
Já passei pela triste experiência de perder uma e não me perdi um bocado, porque tive ao meu lado a outra Torre que naquele momento valeu pelas duas e foi buscar forças pra me ajudar a enfrentar essa fase menos boa.
Além de valer pelas duas Torres, ainda foi e será o mau Farol e o meu Porto de Abrigo e um óptimo conselheiro, independentemente da idade que ele ou eu tenhamos.
Os Pais são assim mesmo, só estão bem quando os filhos também estão.
O que seria de nós Filhos sem os nossos AMADOS "VELHOTES"?
Ao ler as suas palavras, não consigo evitar de ter os meus olhos "mareados". Como comentei com algumas pessoas, foi estranho vê-lo naquele pesar. Nunca o tinha visto sequer triste, quanto mais em sofrimento como naquele dia 22. Nessas alturas nunca consigo dizer nada que seja suficiente para acalmar a dor da pessoa. Por isso, restou-me apenas dar um abraço. Não consigo conceber a minha vida sem as minhas duas Torres, a Torre Manel e a Torre Maria, que estiveram também sempre comigo. Às vezes, tento imaginar como será, talvez como uma espécie de preparação, mas não consigo. Temos que viver a nossa vida um dia de cada vez como se fosse o último e enfrentar as surpresas.
Envio mais um grande abraço de força.
Ana Rita:
Estamos longe, depois de dois anos de muita amizade e cumplicidade. Esses dois anos deixaram as sementes que continuam a manter-nos assim amigos e sensíveis à dor, mas com confiança no futuro. Bjs.
Arminda:
A tua dor será sempre profunda e começo a compreender essa sensação, após esta perda tão importante na minha vida. Mas tu és um dos meus exemplos de resistência e de força. Um bj.
Obrigado, Antónia, pelas suas palavras amigas.UM abraço.
Caro anónimo:
As suas palavras nasceram no mesmo sítio das minhas: do coração.
Abraço
Caro Prophet:
Que as tuas Torres te continuem a guiar por muitos anos.
E não tentes imaginar o que será essa perda. Não é possível imaginar. Obrigado pelo teu abraço.
João Luís, é difícil ver a nossa vida sem aquela "Torre", tão forte quase inquebrável, com um sentido de vida tão maravilhoso... hoje sinto um vazio quando entro naquele bairro, só nosso, uma tristeza por sentir que nunca mais vou ouvir aquela voz, as graçolas que só o "vizinho António Manuel" sabia dizer e o carinho que sempre senti desde o primeiro dia...Ficará para sempre no nossos corações, e as memórias vão aliviando a nossa saudade. Compreendo muito bem o teu sentimento,porque sinto que a pouco e pouco vou perdendo as raízes da minha existência. Muita força, e um dia quem sabe iremos encontrá-los...Com carinho, Custódia Maria
Como ele ficaria orgulhoso de ter lido se o pudesse fazer e tenho a certeza diria, "Obrigado filho por teres sido meu filho". Um beijinho
R. Fernandes
Meu caro compadre as tuas palavras levaram-me a muitos anos atras quando eu ainda era bem pequeno e a minha Torre se foi. Nunca tive esse pai protector, esse camarada dos bons e maus momentos como tu relembras e bem. Sei o que sentes e procuro te compreender...um dia destes quando voltar de novo á nossa terrinha espero te dar um abraço de conforto.
Um forte abraço, Adriano. ESpero que já estejas em forma e obrigado pelas tuas palavras amigas. Venha de lá esse abraço.
Meu caro João! Julgo saber que vais lançar mais um livro dentro em breve!Felicito-te e desejo as maiores felicidades para o livro e naturalmente para ti também. Se quiseres honrar-me com a tua visita eu agora estou virtualmente em http://la merbrisee.blogspot.com, uma casa virtual]às tuas ordens
Saíu no passado dia 30 de Outubro. Um grande abraço e boa recuperação!!
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