sexta-feira, 15 de julho de 2022

Antes de férias

 




Antes de férias

I

 Os fogos que se fazem sentir na nossa terra e que assolam violentamente o país tiram-nos o sono e dão-nos matéria para pensar por que motivo todos os anos a tragédia se repete, sem apelo nem agravo, para depois, no rescaldo, escutarmos os políticos a propagarem soluções que, afinal, não foram aplicadas em seu devido tempo. Esses políticos devem pensar que somos todos uns totós.

Cada Verão com incêndios é um desrespeito total pelos bombeiros deste país, pelas suas famílias, é um brincar com os bens de cada cidadão que, de um momento para o outro, se vê privado de tudo o que conquistou com o seu suor e com o seu trabalho, isto quando não perde para sempre familiares e amigos.

Todos nós temos amigos, familiares e conhecidos por esse Portugal fora e é por isso que nos agarramos à televisão quase obsessivamente para estarmos a par do evoluir dos acontecimentos. Entretanto, vamos sabendo que apanharam um ou outro incendiário que, apesar de terem destruído vidas e bens, continuam a ser tratados por… alegados incendiários.

Este é um país de palhaços e de branda justiça. Não se entendem as penas levíssimas que se aplicam a esses criminosos, sem, muitas vezes, se proceder a uma investigação completa, de modo a saber-se quem são os verdadeiramente responsáveis que mandam esses inconscientes, sedentos de dinheiro, proceder à criminosa ignição a troco de meia-dúzia de tostões. É de pasmar, e isso é que nos tira do sério, quando o incendiário, já condenado, é libertado pouco tempo depois, para voltar, no ano seguinte, a cometer o mesmo crime. É o país que temos. São estes os tribunais que regulamentam a nossa vida e são estes os políticos que elegemos, e que, diga-se a verdade, já não sabem como lidar com tantas crises ao mesmo tempo.

Quem deve estar completamente passado com tudo isto é Marcelo. Mas Marcelo tem de manter a postura de Estado e não poderá jamais mandar Costa à fava, ainda que o acto fosse precedido de uma vénia e de uma… selfie.

  

II

 A partida precoce de colegas, vizinhos e amigos atinge-nos sempre como um murro no estômago. E aí pensamos que não vale a pena tantas brigas, tantas rivalidades, tantas invejas e malquerenças por tudo e por nada. Mas é só aí. Passados uns dias, o nosso modo de vida volta ao normal, a nossa alma bondosa fica novamente sem tino e damos por nós a querer atropelar velhinhas nas passadeiras só porque elas andam muito de-va-ga-ri-nho…

A partida de gente boa deixa-nos um vazio no coração, pensava eu até agora. Na despedida de uma amiga, um jovem padre, que eu muito admiro, numa breve homilia, simples mas eficaz, como eu nunca tinha ouvido a padre nenhum antes (e eu tenho ouvido muitos padres, acreditem), falou do coração de quem fica e não referiu esse espaço como um lugar esvaziado pelo desgosto. Falou dele como o espaço onde guardaremos as memórias dos momentos que passámos com quem partiu. Não, o coração ficará sempre preenchido por tudo o que, na vida, já não se torna possível fazer. E tem razão o jovem padre. E tinha razão a Carla, que amava cada momento e cada pessoa como se fossem únicos.

É a partida dessas pessoas boas que nos dá vontade de voltar atrás e de dizermos mais vezes o quanto gostávamos delas. Mas, agora, já é tarde para isso. Usemos, pois, o coração. Mas não será tarde para os outros que continuam connosco. Dizermos que gostamos uns dos outros, e dar-lhes sempre o melhor de nós, devia ser uma regra a cumprir antes que seja tarde demais


III

Recomeçámos o ginásio porque vêm aí os dias de praia e a nossa vaidadezinha de pormos as nossas banhas com menos volume é mais forte do que a vontade de beber uma mini. Ou duas. E lá vão elas e eles suar que nem uns malucos, como se o calor que nos ataca diariamente não fosse suficiente para nos espremer até à última gota. Enfim, lá ficamos mais equilibrados em termos estéticos, a nossa saúde melhora consideravelmente e, na praia ou na piscina do hotel, não há ninguém que não nos siga com o olhar, cheio de inveja dos nossos abdominais, dos bíceps bem definidos e dos gémeos bronzeados e brilhantes. Quem não teve tempo de ir gastar as suas energias e as suas calorias-extra no ginásio mais próximo, pode sempre fazer como eu. Quando atravesso o areal, antes do belo mergulho, inspiro e aguento a respiração até estar completamente tapado de água. Aí, os meus abdominais definidos transformam-se num flácido one-pack, que terei de voltar a disfarçar quando regressar à toalha onde a Fofa me espera cheia de orgulho no meu físico e na minha estratégia para enganar velhinhas reformadas.

IV

As férias grandes vêm aí, já toda a gente percebeu. A malta nova já não combina pescarias no Pego do Poço, nem concursos de natação na Pintada. As distracções são outras, até porque o Pego do Poço e a Pintada, e outros lugares (agora diz-se spots) do nosso rio já praticamente não existem como nós os conhecemos.

Saídas à noite, temporadas nas piscinas da terra (ou nas piscinas dos amigos), passeios até ao Algarve ou ao Norte, onde, à partida, estaria mais fresco, são formas de passar estes longos dias que se aproximam. E, claro, sempre ligados às redes sociais, porque é fundamental irmos publicando minuto a minuto o que fazemos, o que comemos, com quem saímos, onde estamos e onde vamos estar. Nem que seja para fazermos inveja a alguém em particular.

Já agora, e à laia de despedida, pois só vamos regressar em Setembro, se estivermos ainda por cá, distraiam-se e… leiam uns livros. Bons autores, boas histórias, universos únicos, inventados para nos reencontrarmos connosco e com o Outro, para podermos ser, nem que seja na ficção, amados e felizes.

JOÃO LUÍS NABO

In "O Montemorense", Julho de 2022

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