I
Não é novidade a
forma completamente inadequada como decorrem os debates entres os candidatos a
primeiro-ministro, nos diversos canais de televisão. Acusações, destruição de
carácter, tiros certeiros à honra, desrespeito desbragado pelas ideias do
adversário, lançamento de petardos, em qualquer direcção, servindo de manobras
de diversão, escavações fundas mas, muitas vezes, inócuas, no histórico
político e pessoal de cada um, roçando o ignóbil e o insultuoso, é o que nos tem
sido servido durante os últimos dias.
Se alguns dos pugilistas
conseguem, apesar de tudo, manter alguma dignidade, sabe-se lá com que esforço,
há outros que deveriam ir para casa, em vez de se sentarem no estúdio, de mangas
arregaçadas e esgares ameaçadores, frente ao adversário. Se um prémio houvesse
para o que está continuamente a pisar a linha vermelha, esse seria para André
Ventura, que continua a pensar que é o único que irá livrar o país dos corruptos,
dos criminosos e dos oportunistas. Outros houve, e a História é, infelizmente,
farta em exemplos, que, não há muitos anos, foram eleitos porque o povo, farto
do estado de uma Europa falida e a ressuscitar conflitos antigos, queria um
mundo novo e justo. Pouco tempo passou até às perseguições, às prisões, às
deportações em massa, ao genocídio, à destruição e ao envolvimento da Europa,
dos Estados Unidos e da ex-União Soviética numa guerra profundamente
destruidora como é qualquer guerra. Das ruínas nasceram outros oportunistas que
acabaram por dividir a Europa em duas e manter um cenário de medo e insegurança
durante várias décadas.
Ventura não é um
fenómeno único na Europa (e no Mundo). Trump, Putin, duas personalidades
ideologicamente dominadoras, os partidos de extrema-direita que lideram os
governos da Itália, da Polónia e da Hungria, a França, com a candidata Marine
Le Pen, a ganhar cada vez mais espaço no espectro político do seu país, são as
máquinas que, aos poucos, vão minando a democracia, cada vez mais ameaçada. Daqui
a algumas gerações, não muitas decerto, a Europa desse tempo não terá,
politicamente, qualquer semelhança com a Europa do início deste século.
Para já, Ventura
consegue manipular os debates, insurgir-se contra os moderadores, dominar as
discussões, gerir o seu tempo e o tempo dos outros. Conhecedor da máxima “Não
há publicidade má”, consegue aquilo que pretende: ser falado, comentado, amado
ou odiado. Jamais ignorado. E ignorá-lo é completamente impossível. E pouco
aconselhável.
O Balú, cão atento
e sábio, diz-me bastas vezes que não vale a pena preocupar-me tanto. Que, mais
ano menos ano, esquerda e direita irão tocar-se definitivamente e que ambas
acabarão por esquecer o bem do povo, porque será para elas mais importante o “Bem
da Nação”.
II
As novas
tecnologias ainda não são bem a minha onda, muito menos a minha praia. Vamos aos
poucos aprendendo, sobretudo com os filhos e os amigos mais novos que, entre um
ou outro sorriso paternalista, nos conduzem ao estranho mundo dos logaritmos e
dos megabytes. E, assim, seguimos mais confiantes, procurando tirar cada vez
melhor partido das ferramentas que temos à nossa disposição online. A Internet,
por sua vez, tornou-se um dos nossos maiores aliados quando nos fornece tudo o
que solicitamos para novas leituras, consultas, pesquisa, publicações. O acesso
a todos os locais, espaços e informações tornou-nos também mais vulneráveis,
tal como os instrumentos que usamos ou os espaços onde vivemos. Temos cada vez
menos desculpa para ignorarmos o que se passa à nossa volta e só não dominamos
todos os temas do universo apenas porque não teremos dez ou mais vidas como
esta, o tempo necessário para podermos abarcar uma parte (não a totalidade) de
todo o conhecimento que nos é oferecido através de um “simples” computador. Acredito
que, se Saramago vivesse fisicamente nestes tempos, teria, decerto, já escrito
uma boa história sob a premissa “No Dia Seguinte Não Houve Internet”. Quem sabe
até se este novo romance não poderia ser escrito pelo ChatGPT, tal como o foi a
terceira parte desta bela crónica?
III
Enviei a seguinte
mensagem ao ChatGTP: “Olá! Imagina que amanhã não há Internet. Escreve
uma pequena ficção sobre isso!” Cinco segundos depois, recebi o seguinte texto,
que tomei a liberdade de resumir por conveniência de espaço[1]:
“Era uma manhã
como outra qualquer, até que o sol nascente foi ofuscado por nuvens densas que
pairavam no céu. As pessoas acordaram, como de costume, pegando nos seus
dispositivos eletrónicos, mas algo estava diferente. A conexão com a Internet
havia sido perdida. Em poucas horas, a notícia espalhou-se como um rasto de
pólvora. Governos, empresas, famílias inteiras estavam desligadas do mundo
digital, sem redes sociais, sem e-mails e sem acesso à informação instantânea.
As ruas, que
costumavam ser preenchidas pelo zumbido das actividades online, agora estavam
estranhamente silenciosas. As lojas que dependiam da Internet para processar
transacções estavam fechadas. As pessoas juntavam-se em praças e nos parques,
tentando encontrar conforto na companhia umas das outras. Enquanto isso, nos
bastidores, cientistas e especialistas trabalhavam freneticamente para entender
o que havia acontecido. Surgiram teorias da conspiração mas sem respostas
concretas.
Com o passar dos
dias, as comunidades começaram a adaptar-se à nova realidade. Apesar dos
desafios, algumas coisas positivas emergiram dessa crise. As famílias passaram
mais tempo juntas, redescobrindo a arte da conversa cara a cara, as crianças começaram
a brincar ao ar livre, longe dos ecrãs brilhantes que antes as hipnotizavam.
Então, lentamente,
a Internet começou a voltar. Os sistemas foram restaurados, os cabos foram
consertados e a vida online retomou seu curso. As pessoas jamais iriam esquecer
os dias em que o mundo ficou desconectado, lembrando-se de como a ausência da Internet
as aproximou umas das outras de maneiras que nunca teriam imaginado possíveis.”
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