1
Os discursos de ódio, com visíveis arroubos xenófobos,
racistas e divisionistas, patentes em cartazes espalhados por este país, a
fervilharem nas redes sociais de forma despudorada e imparável, a serem
gritados nas televisões, a toda a hora e a todo o momento, sem que jornalistas
e moderadores consigam pôr mão nos comportamentos inimagináveis de muitos
ressabiados desta vida, servem apenas para confundir e dividir. Até os mais sensatos
acabam, neste tsunami de acusações, por dar razão aos extremistas, aos
que insultam, aos que pedem o aniquilar de seres humanos como eles, esquecendo,
muitas vezes, as suas origens e o seu papel na sociedade, que devia primar pelo
exemplo e não pela cobardia escondida nos berros que já ninguém consegue ouvir
ou entender.
Quando ouço muitos dos imigrantes, eles próprios, estabelecidos
entre nós há mais tempo, a dispararem em todas as direcções contra outros
imigrantes que tentam, tal como eles, encontrar uma vida estável e segura no
nosso país, sinto que há gente que não pensa, não discorre, não equaciona.
Sinto que a mentalidade e o modus vivendi dos portugueses não estão a
ser afectados pelos que cá chegam carregados de esperança. São muitos
portugueses que, levados pelos discursos inflamados, e tantas vezes infundados,
dos extremistas, acabam por querer levar o país numa direcção que não se
coaduna com o bom senso, com o sentido democrático que deveria reger a
sociedade e com a matriz cristã em que a maioria foi educada.
2
O
escorrer destas linhas está a acontecer ao ritmo da greve geral marcada, e
efectivada, no dia 11 de Dezembro. Depois das palavras do primeiro-ministro de
Portugal, condenando a greve e os seus motivos, num tom paternalista a fazer
lembrar o deliciosamente conservador e fascista Diácono Remédios de Herman
José, aquilo que se poderia esperar seria uma mobilização ainda maior e mais
forte de todos os que, se for aprovado o novo código do trabalho, sentem os
seus direitos e a suas garantias atiradas para os períodos mais obscuros do
regime de um tristemente célebre António, que alguns querem, à viva força,
fazer renascer das cinzas. O homem não é nenhuma fénix. Deixem-no estar como
está.
E os membros
do Governo que se lembrarem de vir dizer no fim do dia que a adesão à greve foi
meramente residual estarão, decerto, a viver noutro país. Diz-se que há gente pouco aberta ao mundo e à realidade que a rodeia, que só consegue ver aquilo
que quer. Ou aquilo que lhe convém. Montenegro e a sua bela equipa pertencem a
este triste clube.
3
Trump brinca
com o estado anímico das nações, dos seus dirigentes e dos seus povos. Todos os
dias, diz, desdiz, contradiz, num permanente desdém pelos direitos humanos, pela
segurança, pela economia e pela estrutura interna de muitos países, sem se
dignar a respeitar, nem os americanos, nem os jornalistas ou os imigrantes que
pedem ajuda ao país autoproclamado mais poderoso do mundo. O presidente
americano poderá ter algumas qualidades (ainda não lhe vislumbrei nenhuma de
relevo) mas é a sua metade sombria que governa o país e os que dele dependem
para alcançar a paz, agora em destaque, na Europa e no Médio Oriente. E é esta
sua faceta, a mais doentia, a mais esquizofrénica, sociopata e quase psicótica
que, apesar de fascinante para um escritor de literatura gótica, será
facilmente analisável por especialistas, de modo a que esteja para breve a
declaração de um impeachment que o leve à reforma definitiva, para ver
se o mundo, cada vez mais global e globalizante, consegue encontrar o seu
rumo.
(Se o
jornal para o qual escrevo fosse americano, este seria por certo, o meu canto
do cisne.)
4
Esta época do Natal tornou-se, há uns tempos a esta
parte, um período de memórias e de desejo de voltar a um passado feliz.
Era na cozinha da minha mãe que tudo se passava, dias antes da consoada. O peru no forno, o lombo assado, as batatas com couve e bacalhau, a exposição dos brinquedos para os mais pequenos (para mim, também, na altura), a escolha da toalha para a mesa da Noite Santa e o pinheiro de Natal que o meu Pai trazia, já muito em cima da hora, de terra longínquas por onde andava a labutar. E o presépio, claro, montado com rigor no estrado da mesa da cozinha, com o verde do pinheiro mesmo ao lado para que, em conjunto, simbolizassem o nascer e o renascer de tudo o que era natural, e se transformassem no espírito que unia a família por causa de um miúdo nascido havia perto de 2000 anos.
Na nossa
casa, situada numa fileira de três no Bairro de São Pedro, o pequeno Menino
Jesus, um refugiado inocente, tal como os seus santos pais, comprado, tal como
as outras figuras, na loja do senhor Julinho e da Dona Carlota, só iria para a
manjedoura no dia 24, às zero horas. Era uma regra de ouro, cumprida
religiosamente sempre do mesmo modo e tendo por celebrante solene outro menino,
que hoje preferia não ter crescido para ter sempre junto a si a cor da árvore
verde com a sua neve em algodão, o aroma dos cozinhados espalhados pela casa e a pele morena e macia
da sua Mãe.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Dezembro de 2025




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