quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

Quatro prendas de Natal

 

                                                                               

                                                                           


1

 

Os discursos de ódio, com visíveis arroubos xenófobos, racistas e divisionistas, patentes em cartazes espalhados por este país, a fervilharem nas redes sociais de forma despudorada e imparável, a serem gritados nas televisões, a toda a hora e a todo o momento, sem que jornalistas e moderadores consigam pôr mão nos comportamentos inimagináveis de muitos ressabiados desta vida, servem apenas para confundir e dividir. Até os mais sensatos acabam, neste tsunami de acusações, por dar razão aos extremistas, aos que insultam, aos que pedem o aniquilar de seres humanos como eles, esquecendo, muitas vezes, as suas origens e o seu papel na sociedade, que devia primar pelo exemplo e não pela cobardia escondida nos berros que já ninguém consegue ouvir ou entender.

Quando ouço muitos dos imigrantes, eles próprios, estabelecidos entre nós há mais tempo, a dispararem em todas as direcções contra outros imigrantes que tentam, tal como eles, encontrar uma vida estável e segura no nosso país, sinto que há gente que não pensa, não discorre, não equaciona. Sinto que a mentalidade e o modus vivendi dos portugueses não estão a ser afectados pelos que cá chegam carregados de esperança. São muitos portugueses que, levados pelos discursos inflamados, e tantas vezes infundados, dos extremistas, acabam por querer levar o país numa direcção que não se coaduna com o bom senso, com o sentido democrático que deveria reger a sociedade e com a matriz cristã em que a maioria foi educada.

 

 

2

 

            O escorrer destas linhas está a acontecer ao ritmo da greve geral marcada, e efectivada, no dia 11 de Dezembro. Depois das palavras do primeiro-ministro de Portugal, condenando a greve e os seus motivos, num tom paternalista a fazer lembrar o deliciosamente conservador e fascista Diácono Remédios de Herman José, aquilo que se poderia esperar seria uma mobilização ainda maior e mais forte de todos os que, se for aprovado o novo código do trabalho, sentem os seus direitos e a suas garantias atiradas para os períodos mais obscuros do regime de um tristemente célebre António, que alguns querem, à viva força, fazer renascer das cinzas. O homem não é nenhuma fénix. Deixem-no estar como está.  

            E os membros do Governo que se lembrarem de vir dizer no fim do dia que a adesão à greve foi meramente residual estarão, decerto, a viver noutro país. Diz-se que há gente pouco aberta ao mundo e à realidade que a rodeia, que só consegue ver aquilo que quer. Ou aquilo que lhe convém. Montenegro e a sua bela equipa pertencem a este triste clube.

 

3

 

            Trump brinca com o estado anímico das nações, dos seus dirigentes e dos seus povos. Todos os dias, diz, desdiz, contradiz, num permanente desdém pelos direitos humanos, pela segurança, pela economia e pela estrutura interna de muitos países, sem se dignar a respeitar, nem os americanos, nem os jornalistas ou os imigrantes que pedem ajuda ao país autoproclamado mais poderoso do mundo. O presidente americano poderá ter algumas qualidades (ainda não lhe vislumbrei nenhuma de relevo) mas é a sua metade sombria que governa o país e os que dele dependem para alcançar a paz, agora em destaque, na Europa e no Médio Oriente. E é esta sua faceta, a mais doentia, a mais esquizofrénica, sociopata e quase psicótica que, apesar de fascinante para um escritor de literatura gótica, será facilmente analisável por especialistas, de modo a que esteja para breve a declaração de um impeachment que o leve à reforma definitiva, para ver se o mundo, cada vez mais global e globalizante, consegue encontrar o seu rumo.   

            (Se o jornal para o qual escrevo fosse americano, este seria por certo, o meu canto do cisne.)

 

 

4

 

Esta época do Natal tornou-se, há uns tempos a esta parte, um período de memórias e de desejo de voltar a um passado feliz.

Era na cozinha da minha mãe que tudo se passava, dias antes da consoada. O peru no forno, o lombo assado, as batatas com couve e bacalhau, a exposição dos brinquedos para os mais pequenos (para mim, também, na altura), a escolha da toalha para a mesa da Noite Santa e o pinheiro de Natal que o meu Pai trazia, já muito em cima da hora, de terra longínquas por onde andava a labutar. E o presépio, claro, montado com rigor no estrado da mesa da cozinha, com o verde do pinheiro mesmo ao lado para que, em conjunto, simbolizassem o nascer e o renascer de tudo o que era natural, e se transformassem no espírito que unia a família por causa de um miúdo nascido havia perto de 2000 anos. 

Na nossa casa, situada numa fileira de três no Bairro de São Pedro, o pequeno Menino Jesus, um refugiado inocente, tal como os seus santos pais, comprado, tal como as outras figuras, na loja do senhor Julinho e da Dona Carlota, só iria para a manjedoura no dia 24, às zero horas. Era uma regra de ouro, cumprida religiosamente sempre do mesmo modo e tendo por celebrante solene outro menino, que hoje preferia não ter crescido para ter sempre junto a si a cor da árvore verde com a sua neve em algodão, o aroma dos cozinhados espalhados pela casa e a pele morena e macia da sua Mãe.  


João Luís Nabo

In "O Montemorense", Dezembro de 2025

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