quinta-feira, 17 de abril de 2008

Já não se fazem cadeiras como antigamente


Há 34 anos, um grupo de militares saiu de Santarém e tomou Lisboa de assalto. O povo acorreu às ruas e viu que o país estava à beira da mudança. Tinha chegado ao fim o regime totalitarista iniciado com o golpe de 28 de Maio de 1926 e que se havia de manter até ao dia 24 de Abril de 1974. Portugal salazarista parecia ter chegado ao fim. Portugal salazarento havia de perpetuar-se porque as mentalidades não mudam com uma revolução. Por muitos cravos que se ponham nas espingardas.
Os presos políticos saíram das cadeias, a censura foi abolida, foi (re)instituída a liberdade de expressão, de reunião e de opção partidária. O estatuto de “orgulhosamente sós” deixou de fazer sentido e fomos matriculados numa escola europeia onde aprendemos que para receber é necessário dar. Fomos ficando menos ignorantes, escreveram-se novos livros, novas canções, novos poemas. Os que tinham vivido no exílio regressaram ao país em festa. O povo andava feliz e disse em alta voz que nunca mais queria saborear as delícias de uma ditadura, que nunca mais queria ser oprimido e obrigado a viver abaixo dos limites da pobreza. Gritou durante dias e meses, até ficar tudo bem claro, não à censura, não à violência policial, não à discriminação, sim à educação para todos, sim ao respeito por quem trabalha, à alfabetização, à igualdade de oportunidades, à justiça social. Manifestou uma confiança cega nos governantes que, com o voto do povo, geriram os seus destinos, porque os políticos haviam de saber o que era melhor para o seu povo, amordaçado havia quase meio século. Pois.
Há muitos anos, o britânico George Orwell escreveu um livrinho chamado Animal Farm e que se encontra publicado em português com o título O Triunfo dos Porcos. Ao relê-lo não consigo deixar de admirar cada vez mais a visão e a sensibilidade daquele escritor britânico. Se eu não soubesse que aquela história revolucionária passada na Quinta do Sr. Jones tinha sido escrita em 1945, era levado a acreditar que o autor tinha vivido em Portugal nos últimos 34 anos.
No livro só falta entrar uma cadeira que, pela sua fragilidade, ajudou a derrubar um regime, mas que depressa foi substituída por uma poltrona de veludo com oito pernas, não vá o diabo (ou o povo) tecê-las.

2 comentários:

samuel disse...

Em cheio!
Um tiro no "porta-ilusões"...

Anónimo disse...

...pois... e que triunfo, meu Amigo!!!
já havíamos falado nisso.
continua a estar nas nossas mãos, impedir que a pocilga aumente.

abreijos,
vovó Maria

Distraídos crónicos...


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