Não
sei se vou ferir susceptibilidades. Se assim for, nem sequer lamento, porque
esta coluna é, por enquanto, de reflexão em liberdade. Sou um observador atento
e implacável da comunicação social local, embora pouco me manifeste sobre esse
assunto. E, quer acreditem, quer não, Montemor precisa de uma comunicação
social local renovada.
Fazer jornalismo
de proximidade é uma actividade difícil, que requer, sobretudo, sensibilidade
em relação ao público-alvo das notícias que se publicam. Vivemos em Montemor,
conhecemos toda a gente, somos amigos de políticos e de directores de
instituições públicas e privadas, e este tipo de relacionamento leva-nos,
quantas vezes, a pensar duramente antes de publicarmos qualquer notícia. Não
deveria ser assim.
Enquanto
trabalhei como jornalista, numa equipa que me acompanhou durante 14 anos,
cometi erros, fizemos algumas inimizades, algumas amizades, envolvíamo-nos
diariamente, muitas horas por dia, na vida da comunidade e nunca deixámos de
promover Montemor, os seus valores, independentemente das suas origens e
porta-vozes. Provocámos a discussão sobre o que estava errado, sem nunca nos
comprometermos politico-partidariamente com qualquer força da região. Desbravámos
caminhos e fizemos perguntas incómodas. Fomos ameaçados, várias vezes, com o
espectro do processo criminal e dos tribunais. Nunca cedemos. Nunca demos
guarida a partidos ou religiões. Todos e todas tiveram o mesmo peso, quando as
notícias que nos veiculavam eram de interesse público.
Mas não fizemos
apenas jornalismo. Tentámos intervir na sociedade montemorense, ainda que
contra ventos e marés, criando uma bolsa de estudo para o ensino universitário,
auxiliando com peditórios públicos quem a nós se dirigia, com problemas graves
e aparentemente sem solução. Segundo me é dado a observar, pouco ou nada se tem
feito nessa área, agora que as necessidades são de maior monta. Quando
terminámos a nossa missão, e se esgotou o nosso tempo, regressámos a casa mas
não de consciência tranquila. Simplesmente porque, um dia que ela esteja
tranquila, não vale a pena continuar a viver.
O jornalismo de
proximidade que se faz hoje em Montemor tem de ser muito mais do que falar das
intenções do Papa, dos problemas da Europa ou do que se passa do outro lado do
mundo. Para isso, temos os jornais nacionais, as televisões, as rádios. O
jornalismo de proximidade é outra coisa: é falar do buraco na rua, do atraso na
construção dos esgotos, nos atrasos dos pagamentos das bolsas às famílias
necessitadas. É elogiar o que é de elogiar e criticar o que é de criticar. É
dar voz a quem não a tem. É, sobretudo, dar tratamento igual a todos, sem
excepção, e sem pôr de parte os que não pertencem ao mesmo grupo de ideias. E
isso, muitas vezes, foge um pouco aos compromissos editoriais da comunicação
social local.
Recordo o jornalista
Pedro Coelho, quando afirma o seguinte na sua dissertação de mestrado[i]: “O pacto de proximidade deve reflectir a identidade
local e essa identidade nunca se molda num mundo perfeito. No caso do Alentejo,
essa identidade é fruto de um passado de privação, de uma submissão silenciosa
e contida, de uma clivagem social acentuada.”
Talvez o
jornalismo de proximidade que hoje se faz em Montemor, ou noutra qualquer cidade
de província, ainda viva com esse estigma que lhe impede uma total liberdade e
a verdadeira proximidade na sua mais profunda essência.
Fica a questão.
Pensem nela, se quiserem.
[i] Coelho,
Pedro, A TV de Proximidade e os Desafios
do Espaço Público, Lisboa, Livros Horizonte, 2005
3 comentários:
Boa tarde, João Luís!
Obrigado pelo envio do artigo. Pertinente, crítico, assertivo e "obriga" a (re)pensar algumas práticas. Mais "uma pedrada no charco", e nós precisamos dela(s).
Um abraço
J. S.
Caro amigo João Luis considero oportuno esse texto, como nos habituas-te aliás desde há muito tempo, efectivamente os dois jornais montemorenses estão a milhas daquilo que se pede ao que tu dizes de jornalismo de proximidade. Um jornal sempre orientou por uma ideologia classista e bem direcionada, o outro infelizmente desviou-se á muito daquilo que foi a razão do seu aparecimento. Emfim esperamos TODOS que o teu texto desperte consciências.
Um abraço
Este pecado eu confesso: há muito tempo que não tinha o gosto de passar por aqui.
O outro pecado não.
Finalmente vejo preto no branco o que venho dizendo há pelo menos 10 anos...até hoje ninguém assumiu.
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