sábado, 12 de outubro de 2013

Gosto do “jornalismo de proximidade”




          Não sei se vou ferir susceptibilidades. Se assim for, nem sequer lamento, porque esta coluna é, por enquanto, de reflexão em liberdade. Sou um observador atento e implacável da comunicação social local, embora pouco me manifeste sobre esse assunto. E, quer acreditem, quer não, Montemor precisa de uma comunicação social local renovada.
Fazer jornalismo de proximidade é uma actividade difícil, que requer, sobretudo, sensibilidade em relação ao público-alvo das notícias que se publicam. Vivemos em Montemor, conhecemos toda a gente, somos amigos de políticos e de directores de instituições públicas e privadas, e este tipo de relacionamento leva-nos, quantas vezes, a pensar duramente antes de publicarmos qualquer notícia. Não deveria ser assim.
Enquanto trabalhei como jornalista, numa equipa que me acompanhou durante 14 anos, cometi erros, fizemos algumas inimizades, algumas amizades, envolvíamo-nos diariamente, muitas horas por dia, na vida da comunidade e nunca deixámos de promover Montemor, os seus valores, independentemente das suas origens e porta-vozes. Provocámos a discussão sobre o que estava errado, sem nunca nos comprometermos politico-partidariamente com qualquer força da região. Desbravámos caminhos e fizemos perguntas incómodas. Fomos ameaçados, várias vezes, com o espectro do processo criminal e dos tribunais. Nunca cedemos. Nunca demos guarida a partidos ou religiões. Todos e todas tiveram o mesmo peso, quando as notícias que nos veiculavam eram de interesse público.
Mas não fizemos apenas jornalismo. Tentámos intervir na sociedade montemorense, ainda que contra ventos e marés, criando uma bolsa de estudo para o ensino universitário, auxiliando com peditórios públicos quem a nós se dirigia, com problemas graves e aparentemente sem solução. Segundo me é dado a observar, pouco ou nada se tem feito nessa área, agora que as necessidades são de maior monta. Quando terminámos a nossa missão, e se esgotou o nosso tempo, regressámos a casa mas não de consciência tranquila. Simplesmente porque, um dia que ela esteja tranquila, não vale a pena continuar a viver.
O jornalismo de proximidade que se faz hoje em Montemor tem de ser muito mais do que falar das intenções do Papa, dos problemas da Europa ou do que se passa do outro lado do mundo. Para isso, temos os jornais nacionais, as televisões, as rádios. O jornalismo de proximidade é outra coisa: é falar do buraco na rua, do atraso na construção dos esgotos, nos atrasos dos pagamentos das bolsas às famílias necessitadas. É elogiar o que é de elogiar e criticar o que é de criticar. É dar voz a quem não a tem. É, sobretudo, dar tratamento igual a todos, sem excepção, e sem pôr de parte os que não pertencem ao mesmo grupo de ideias. E isso, muitas vezes, foge um pouco aos compromissos editoriais da comunicação social local.
Recordo o jornalista Pedro Coelho, quando afirma o seguinte na sua dissertação de mestrado[i]: “O pacto de proximidade deve reflectir a identidade local e essa identidade nunca se molda num mundo perfeito. No caso do Alentejo, essa identidade é fruto de um passado de privação, de uma submissão silenciosa e contida, de uma clivagem social acentuada.”
Talvez o jornalismo de proximidade que hoje se faz em Montemor, ou noutra qualquer cidade de província, ainda viva com esse estigma que lhe impede uma total liberdade e a verdadeira proximidade na sua mais profunda essência.  
Fica a questão. Pensem nela, se quiserem.


[i] Coelho, Pedro, A TV de Proximidade e os Desafios do Espaço Público, Lisboa, Livros Horizonte, 2005

3 comentários:

Anónimo disse...

Boa tarde, João Luís!

Obrigado pelo envio do artigo. Pertinente, crítico, assertivo e "obriga" a (re)pensar algumas práticas. Mais "uma pedrada no charco", e nós precisamos dela(s).

Um abraço

J. S.

adrisousa disse...

Caro amigo João Luis considero oportuno esse texto, como nos habituas-te aliás desde há muito tempo, efectivamente os dois jornais montemorenses estão a milhas daquilo que se pede ao que tu dizes de jornalismo de proximidade. Um jornal sempre orientou por uma ideologia classista e bem direcionada, o outro infelizmente desviou-se á muito daquilo que foi a razão do seu aparecimento. Emfim esperamos TODOS que o teu texto desperte consciências.
Um abraço

maria sousa disse...

Este pecado eu confesso: há muito tempo que não tinha o gosto de passar por aqui.
O outro pecado não.
Finalmente vejo preto no branco o que venho dizendo há pelo menos 10 anos...até hoje ninguém assumiu.

Distraídos crónicos...


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