Quando leio os já
tristemente célebres rankings, onde se posicionam as escolas do país, da melhor
até à pior de todas, fico três dias a rir, mas de estupidificante tristeza, por
perceber que os jornalistas levam muito a sério notícias destas, que são obrigados
a veicular, e por verificar que a maioria dos portugueses acredita que aquilo é
uma verdade verdadeira, uma realidade real e indesmentível.
Ora reparem lá, se
fazem favor: então as escolas privadas, os colégios finos, cheios de nove-horas
e má-na-sê-quê, onde andam os filhos e os sobrinhos das tias e dos tios, que
têm massa de sobra, onde não faltam livros, nem papel para fotocópias, nem
papel higiénico, não hão-de ficar à frente das escolas públicas? Nesses
colégios só entra quem tem dinheiro para pagar as mensalidades. Esses colégios
só são frequentados por alunos, cujo ambiente familiar é, de longe, diferente
dos ambientes familiares de muitos dos alunos que frequentam as escolas
públicas.
Não entendo a lata dos
que fazem essas pesquisas e chegam a tais conclusões, assim, sem mais nem
menos. Afinal, entendo. É porque não sabem rigorosamente nada do que se passa nas
escolas públicas. Mas eu explico: nas escolas públicas, pagas com os nossos
dinheiros, há alunos com bom ambiente em casa, com livros, com Internet, com
pequeno-almoço todos os dias, a tempo e horas, com almoço e jantar, com pais e
mães preocupados. Mas também há alunos com necessidades educativas especiais
que não podem, nem têm, de fazer exames nacionais. Também há alunos de famílias
desagregadas, alunos que não tomam o pequeno-almoço em casa porque,
simplesmente, não têm o que tomar ao pequeno-almoço. As nossas escolas públicas
também são frequentadas por alunos que não têm livros, porque o sistema
económico familiar não o permite. Porque ou o pai ou mãe se encontram em
situação de desemprego. Porque a escola ainda é o único lugar onde podem tomar
uma refeição quente diária. (E não é preciso sair de Montemor para constatar
este tipo de situações). E, depois, vêm-me esses gajos das estatísticas mostrar
as notas dos alunos sem revelar, de facto, honestamente, o que pode originar
esses resultados? E se fossem à fava?
E há mais uma coisa.
Uma investigação de um canal de televisão descobriu que, afinal, há colégios
privados a receberem dinheiros do Estado, isto é, dinheiro meu e seu que, em
vez de ser gasto naquilo que os nossos filhos precisam nas suas escolas, anda a
ser gasto nas finesses da rapaziada dos privados. Desculpem, mas isto não se
aguenta. Não admito que, na minha escola, comece a haver racionamento de
materiais por falta de verba, quando essa verba é canalizada pelos mecanismos
do Estado, pelos caminhos mais estranhos e ínvios, para as escolas das tias.
Não admito. E estou a borrifar-me para quem discorde. Só posso concluir que este
país e este Governo continuam a ser o que sempre foram desde há uma década a
esta parte: uma vergonha sem regresso.
Não foi por acaso que
Guterres, Durão Barroso e José Sócrates fugiram como o diabo foge da cruz.
3 comentários:
Texto de grandes pertinência e actualidade, como de costume. Os meus parabéns, Professor. Estou totalmente de acordo.
E se me é permitido, ainda acrescentaria algo: o que falhou para termos chegado à situação em que um bem tão essencial como o Ensino se tem de debater com o racionamento de material? E quem diz ensino, diz, naturalmente, Saúde, por exemplo.
É como se ninguém tivesse previsto que um dia as coisas poderiam chegar a este ponto. Ou melhor...é como se tivesse fechado os olhos a essa possibilidade.
O que eu quero dizer é que talvez não se gastasse, por estes dias, a palavra "reajuste" se, de facto, tivesse havido um prévio...ajuste! Reajuste? Mas de quê, se não se ajustou no passado?
Não me venham dizer que a crise financeira e (posterior e consequentemente) o programa de assistência nos conduziram, de modo exclusivo a este caos. Fomos nós, que falhámos os "timings" de reformas; fomos nós, que agora as fazemos "à pressa" e porque a elas somos obrigados; e fomos nós, que esbanjámos ao mesmo tempo em que falávamos, pasme-se, em "progresso sustentável".
É pena termos chegado a isto.
Um forte abraço, e acreditemos que não será sempre noite.
É um facto. Reajustar o que nunca foi ajustado é a forma brilhante de continuar a atirar areia para os olhos de quem, agora, tem de pagar pelas barrigas cheias, de meia dúzia de nababos. E o Governo sabe. E o Tribunal Constitucional sabe. E o Tribunal de Contas sabe. E o Tribunal do Trabalho sabe. E os Ministérios sabem. E nós também sabemos. O nosso poder é ainda, e só, o voto e estamos a utilizá-lo muito mal.
Um abraço.
É bem verdade Maestro; cada dia sinto maior o aperto desta teia de de olhos cegos e desumanos que nos sufocam a voz e o sonho. Na minha escola, por enquanto ainda temos o papel higiénico, mas há já vários anos que somos nós, professores a comprar giz, canetas...
Resta-nos a revolta e o grito, tanto que ando rouca há muito tempo(o canto fica nas memórias antigas e queridas)
Abraço
Ana Isabel Graça
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