O Martini das Onze
e Meia
Começo por
apresentar, desde já, a minha declaração de interesses e informo os meus oito
leitores de que, lá para o mês de Junho, o mês em que o céu estará mais azul e o
tempo menos frio, irei convidar toda a gente, os meus oito leitores e todos os
restantes amigos, a dar um breve salto à Biblioteca Municipal Almeida Faria
para ficarem a saber da próxima publicação deste rapaz que, ansioso por estar
sem nada para fazer, não consegue estar sem fazer coisas que o encantem. E a
escrita é uma delas. As crónicas publicadas no jornal “O Montemorense”, de 2019
a 2024, foram relidas e devidamente seleccionadas para saírem num belo livrinho
abençoado pelas Edições Colibri e com a colaboração da equipa da casa. Vai
chamar-se O Martini das Onze e Meia, terá à volta de 250 páginas e é uma
viagem pela política e sociedade local, nacional e mundial, num estilo de quem
parece ter a solução para mudar o mundo mas que, afinal, sente que muito mais é
necessário do que simples palavras, ainda que cruas e, por vezes, acintosas. Os
agradecimentos aos que estão no projecto serão respeitosa e devidamente feitos no momento certo.
E parecia mal se
ficasse por aqui sem sublinhar a terapia que o acto da escrita representa para
quem anda sempre com pensamentos esquisitos e que sempre que lhe apetece fazer
asneira… escreve metodicamente para expulsar os demónios e deixar entrar os
anjos e outros fantasmas do bem.
Stephen King (sim,
eu também cito grandes autores) referiu no seu longo ensaio On Writing
que quando escrevia contos ou romances, escrevia sobre ele próprio e que
a escrita evitava que pegasse numa caçadeira e desse azo ao seu desejo de eliminar
os indesejáveis (1) (tradução livre).
Máti a insubmissa
Máti é o nome da
heroína do livro mais recente de Carlos Rafael Picamilho, montemorense, designer,
autor e ilustrador, que insistiu no prolongamento dos seus sonhos de infância e
adolescência e criou vários personagens de banda desenhada onde deu asas à sua
imaginação e aos seus desejos mais aventureiros. Máti parece ser a menina dos
seus olhos, dada oficialmente a conhecer no dia 15 de Fevereiro, na Biblioteca
Municipal Almeida Faria.
Para falar de uma
personagem como Máti, basta falar connosco próprios quando tínhamos a sua idade, ir ao
encontro dos nossos medos da altura (alguns que se estenderam até hoje) e,
claro, recuperar a vontade permanente de saber o que se passa à nossa volta e, mensagem
absolutamente fundamental e incontornável presente ao longo da obra, procurar a
solução para os problemas mais complexos e ajudar, ajudar sempre, os que
precisam de nós. Curiosidade, solidariedade, amizade, imaginação, sonho, uma
pequena dose de loucura e o desejo de nunca crescer completamente são sentimentos
e sensações que se passeiam no decorrer da narrativa, com desenhos dinâmicos
que parecem mexer-se em cada quadradinho, que voam de vinheta em vinheta em
defesa do Bem e a perseguir o Mal. Se, como disse Stephen King, o escritor
escreve sobre ele próprio, mesmo que não o assuma, a Máti tem tudo o que tem o
seu autor: audácia, inteligência, criatividade e amor pelos outros.
Obrigado, Carlos
Rafael, pelo teu talento.
A Loucura das presidenciais
Parece que não há mais
nada neste país para tratar que não sejam as eleições presidenciais, que vão
acontecer, imaginem, lá para Janeiro de 2026. Este país é um torrão de açúcar
amarelo, sublime, angélico, pacífico, delicodoce, com ministros que mais
parecem os reis magos, com ar perdido, atrás de uma estrela que não existe, cheios
de prendas que não servem para nada. Entretanto, outras figurinhas andam já à
bulha, os pequeninos, os grandes, os médios, a tentar convencer o povo de quem
é o melhor para substituir o nosso fofo Zé das Selfies.
A forma como as
televisões estão a tratar o tema é absolutamente estranha e interessante. Já
sabemos que canal promove quem e até é fácil saber quem vai ser o dono das
próximas selfies. Eu sei, mas não digo.
O Rio, ainda o Rio
Há pessoal amigo a
publicar fotos do Rio Almansor nas redes sociais, depois de umas boas chuvadas, para vermos como
ele corre, barulhento e feliz. São fotos enganadoras, claro, porque sabemos
que, terminada a chuva, o curso de água volta a empobrecer, a perder-se nas
atabuas de mil metros de altura e a ficar outra vez a cumprir os serviços
mínimos que, como sabemos, não dão para nada. A fauna desapareceu e torna-se
necessário proceder a um repovoamento das suas águas, de forma a que os ecossistemas
voltem a encontrar o seu equilíbrio. Mas para lá pôr os peixes é preciso água e
para haver água é preciso resolver a questão a montante. Não entendo de
regadio, nem de nascentes, nem de rios, mas creio haver uma forma que manter o
Almansor vivo, a correr e, sobretudo, sem os despejos de esgotos, denunciados e
a merecerem recentemente uma reportagem na RTP1.
O Presidente da
Câmara falou recentemente, já não sei em que circunstância, na possível
construção de passadiços ao longo do Almansor. Farão sentido (embora seja
discutível o contraste que vão exercer na paisagem) se houver Rio para ver. Por
isso, há que mexer – mexer, mesmo – no leito do Rio, construir açudes, presas,
espelhos de água, enfim, o que for necessário para que ele tenha água de forma
permanente, já que é a água o elemento essencial para que haja Rio.
E para que haja
vida.
O Pan-americanismo
de um puto lunático e endinheirado
Na entrega dos
Prémios Goya de cinema, em Granada, há uns dias, o actor norte-americano
Richard Gere afirmou: “Começa a dominar-nos um tipo de tribalismo idiota
onde somos levados a pensar que estamos separados uns dos outros… Infelizmente,
elegemos líderes que não nos inspiram
como queremos. Venho de um lugar muito sombrio na América, onde temos um
fanfarrão e um bandido que é presidente dos Estados Unidos.” E está rodeado
de “palhaços perigosos. São tempos sombrios para o meu país.”
Pensei escrever
uma ou duas linhas sobre o indivíduo a que Gere se refere. Considerei desnecessário.
Stephen King descreveu estes tempos em muitos dos seus romances, ainda antes de
o Poder ser dominado por tais agentes do Mal.
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(1) Stephen King, On Writing, p. 70
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Fevereiro de 2025
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