Muito se escreveu sobre a
vinda do Papa Francisco a Portugal e sobre a Jornada Mundial da Juventude. Já
muito se tinha escrito sobre o Papa Francisco e sobre o dedo que ele começou a
pôr nas feridas da Igreja, logo no início do seu pontificado. Veio, logo que
foi eleito, parece-nos, escancarar a porta que João Paulo II tinha deixado
entreaberta. Meio disfarçados até então, os escândalos de pedofilia no seio da
Igreja são assumidos sem meias tintas e condenados por Bergoglio, que quer
justiça para as vítimas e duras penas para os que vierem a ser condenados.
Mas não foi apenas com estes
casos que o seu tempo na cadeira de Pedro se tem revelado inspirador e
profícuo. A sua forma de entender os evangelhos, reescrevendo-os sempre que se
pronuncia sobre a vida de todos nós, crentes e não crentes, mostra-nos que o
tempo, as leis, as mentalidades no tempo de Cristo, e nos séculos antes da Sua
vinda, não se podem aplicar e serem entendidos da mesma forma, à luz deste
século XXI, que corre vertiginoso ao nosso lado. Francisco transformou o Deus
Todo-Poderoso e vingativo do Antigo Testamento num Pai compreensivo e tolerante
que eu não conheci quando, criança, andava na catequese. O Deus castigador,
que, qual Big Brother de Orwell, andava sempre de olho nas nossas
acções, nos nossos pensamentos e nos nossos desejos, é hoje, nas palavras de
Francisco, um Pai que, como todos os bons pais, aceita todos os seus filhos,
por muito desviados que possam andar dos caminhos que a Igreja decidiu
classificar como os caminhos do Bem.
Se o Papa Francisco fosse
Deus, personalizado e livre de todos os insondáveis mistérios com que, ao longo
dos séculos, os homens da Igreja O cobriram, eu repensaria as minhas opções de
fé e reformularia as minhas vivências espirituais. Mas enquanto na Igreja não
houver uma real e generalizada prática dos ensinamentos deste verdadeiro homem
de Deus… continuarei a admirá-lo, a defendê-lo e a seguir o seu pensamento… mas
do lado de fora.
In O Martini das Onze e Meia, Edições Colibri, 2025 (no
prelo)
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