"(...)" D. Maria Júlia Benevides, candidata a viúva desde as 10 da manhã, levantou os olhos do terço, que rezava com fervor permanente, não se sabe se a pedir pela alma do marido, se a agradecer alguma graça concedida, olhou e viu aquilo que já esperava: uma fila de mulheres de várias idades e tamanhos que seguiam lentamente, com os filhos pelas mãos, até à urna onde jazia o aparente defunto. E, enquanto cada uma ia, à vez, espreitando a face de Januário, numa despedida derradeira, este reparou que todas tinham olhos de choro, embora ali mantivessem a compostura exigida. Os filhos e as filhas, também de vários tamanhos e idades, seguiam em silêncio, uns distraídos, outras nervosas, quase todos espantados com as velas, os véus, os cheiros, as flores e… a urna de mogno onde Januário Benevides, ouvindo e percebendo tudo o que estava a acontecer, se sentia cada vez mais impotente para exibir ao mundo a sua verdadeira condição."(...)"
O BEIJO, in Outros Contos de Vila Nova (Editorial Tágide, 2010)
O BEIJO, in Outros Contos de Vila Nova (Editorial Tágide, 2010)
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