Não admito que políticos demagogos e aldrabões me andem sempre a dizer com ar paternal, e com um tom de voz de censura estúpida, que tenho andado a viver acima das minhas possibilidades. Eles, e muitos outros antes deles, os primos deles e os amigos deles é que andaram, durante anos, a gozar a vida acima das minhas possibilidades. Nunca enganei o Estado. Nunca assinei contratos que não pudesse honrar. Procurei sempre cumprir as minhas obrigações de cidadão e de contribuinte. Eles é que me aldrabaram. Eles. Lembro-me que, quando assinei o meu contrato com o Ministério da Educação, em 1983, a minha reforma previa-se que fosse ao fim de trinta e dois anos de serviço, o ordenado nunca iria baixar, mas sim aumentar para fazer face à inflação, as faltas por doença, por serviço oficial, ou por outro motivo qualquer eram aceites segundo um critério minimamente justo. O subsídio de férias e o de Natal estaria sempre assegurando, desde que cumprido o calendário de trabalho previsto. Isto para não falar na redução gradual do horário de trabalho, para compensar o desgaste de uma profissão dura e de responsabilidade que é a de professor.
Afinal, era tudo mentira. Tudo aquilo a que tínhamos direito no início da nossa carreira foi-nos descaradamente roubado, para tapar os buracos que tipos com uma coluna vertebral de lagarta cavaram ao longo dos anos à pala de quem trabalha. Deixam-nos a agonizar em nome da nação e do bem comum. Pena eles lembrarem-se agora do bem comum. Sinto-me agoniado cada vez que eles aparecem na televisão, com ar catedrático, a vomitar as suas grandes lições de moral.
5 comentários:
Foi-me enviado o link. Lamento, apesar de bem escrito, foi-me enviado como anedota. Normalmente não leio blogues. O princípio é aceitável, sim senhor. Mas, não prática não vê nada da sua indignação, ou será que se vê? É cada por si, ou não é? E atrás do computador somos todos heróis!, ou não?
Sobretudo heróis... anónimos.
Tem toda a razão, mas, neste caso, o anonimato é a possível salvaguarda de um outro nível social, infelizmente. Como não nos conhecemos, o meu nome nada lhe dirá. É como quem diz: " Em toda a doença incurável, muito se ganha não tentando a cura (...) Nessa negação se deve pôr (...) a fiel obstinação de toda uma vida." - Guy Debord, Son Art Et Son Temps. Numa análise mais crua, mas também mais lúcida, parece-me atacado da mais severa das escravidões e das misérias de uma sociedade que se dedica ao espectáculo informativo. Tomar posição, certamente, mas de longe. Grato pela sua resposta.
:)
Teria tido outro impacto e seria, certamente, mais útil à causa de indignação que, de resto, na totalidade apoio, se tivesse publicado uma fotografia sua a fazer o manguito que o menino vestido de adepto de futebol (?) está a fazer. Enfim, como dizia o outro, eu cá não vou em futebóis, mas aceito quem neles vá. Quem terá ensinado o menino a fazer piretes, pergunto? O pai dele, os seus amigos de tenra idade? A quem se dirige o dito dedo esticado? Ao árbitro? Ao governo? Ao povo, que somos nós todos?
"Visto eu ser um letrado, um homem realmente culto, e a este título um gentleman, imagino que bem posso considerar-me membro indigno desta mal definida classe que compõem os "gentlemen". É essa a opinião dos meus vizinhos, em parte, talvez, pelas razões adiantadas, e em parte porque não me vêem exercer profissão nenhuma nem comércio." Thomas de Quincey - Confissões de um Opiómano Inglês. Obrigado pelo seu sorriso. Eis o meu, :-)
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