terça-feira, 11 de março de 2025

Três dúvidas (ainda) sem resposta

 




1

A relação a três, entre Trump, Zelensky e Putin, jamais poderá correr bem, tal como outras milhentas relações a três que conhecemos. Há-de haver sempre alguém a perder. E não será Putin. Ou Trump. Porque estes agem sobre os outros em clima de medo e intimidação.

No momento da redacção desta breve nota, está tudo em aberto à espera da decisão do presidente ucraniano em relação ao acordo com os Estados Unidos sobre a exploração das terras raras na Ucrânia. Trump é uma amante cara e Putin um zelador exigente, que também não vai ficar de mãos a abanar. Assim, a ser assinado, o acordo será um passo em frente para a diplomacia norte-americana pressionar o Kremlin ainda com maior foco, ajeitadas que vão ficar as vantagens para cada um destes chantagistas políticos.

Que venha a paz. Poderá dizer-se “que venha, mas não a qualquer custo”. Contudo, Zelensky já pouco pode pedir, depois da humilhação de que foi alvo na Sala Oval e, mais humilhante ainda, ser obrigado a aceitar o que os outros dois lhe querem oferecer. Apenas quer que termine a guerra para que se possam chorar com tranquilidade os milhares de mortos e estropiados que a estupidez humana causou.

Chamo-lhe “guerra”, tal como (quase) toda a gente lhe chama. Digo “quase”, porque as chefias e os militantes comunistas do nosso país preferem referir-se a esta guerra criminosa como uma “acção” ou “intervenção militar”.  Continuam, pois, agarrados com muitas saudades a um passado que nada tem a ver com os tempos de hoje, mas que, na mística comunista, é sempre associado à Grande Mãe Rússia, noutros tempos, dos czares, estes assassinados pelos líderes bolcheviques que, dando poder a Estaline, viram assim prolongado o sistema de que nunca se livrariam (excepto, talvez, durante uns anos, no tempo de Gorbachev e Ieltsin): o da obediência cega e estupidificante a um chefe, senhor da terra, dos corpos e das mentes dos seus eternos súbditos.

Basta de anacronismos. Basta de guerra. Basta de violação dos direitos humanos. Basta de fascismo disfarçado por eleições ditas democráticas. Serve o recado para Putin, para os camaradas que o veneram e para o outro miúdo inconsequente que vive e vomita ódio do outro lado do Atlântico.

A dúvida, contudo, subsiste: que futuro nos reserva o futuro?

 

 

2

 

No decorrer da votação da moção de confiança apresentada por Luís Montenegro na Assembleia da República, limito-me a descrever numa frase o estado da nação em que vivemos e trabalhamos: somos um caos, sem rei nem roque. Os partidos representados na Assembleia assemelham-se a umas baratas tontas, cheias de dúvidas, truques e contradições, sem capacidade para decidir qual a cor que melhor lhes garanta o acesso ao poder, sobretudo ao poder no hemiciclo onde tudo se decide. As alianças serão tantas e mudarão tão rapidamente de uma hora para a outra, que continuarão a ser esquecidos os verdadeiros problemas do país e as verdadeiras pessoas que dele precisam.

E o resultado foi o esperado: o Governo caiu porque… Montenegro vai ter de se apresentar na Comissão Parlamentar de Inquérito requerida pelo PS. Pouco mais há a escrever. O debate de hoje na Assembleia da República foi um péssimo serviço à democracia e uma falta de respeito pela nossa inteligência.

Se Costa teria caído, alegadamente, por causa de um parágrafo escrito pela Procuradora-geral da República, na sequência do processo Influencer, resta saber quem terá feito cair Montenegro. Se ele próprio, se um conjunto de factores bem cozinhados entre algumas forças obscuras, para que o país continue neste Carnaval sem fim, que nos enoja e preocupa a todos.

E a dúvida cá continua: que futuro nos reservam os políticos nacionais, sempre ameaçados e chantageados pelo tal partido de extrema-direita, que já irrita pela sua arrogância e déficit democrático?

  

 3

 

Anunciada oficialmente a candidatura de Carlos Pinto de Sá à Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, o actual presidente terá naturalmente de precaver-se perante o regresso deste peso-pesado da política autárquica, que tem sempre encontrado a sua base de apoio oficial e oficiosa não só em militantes comunistas (com os da velha guarda cada vez em menor número), mas em cidadãos com outras filiações ou simpatias partidárias. Pois, Pinto de Sá, presidente da autarquia montemorense entre 1994 e 2012 e quase ex-presidente da Câmara de Évora, regressa da capital do distrito a um concelho que conhece como ninguém, e a um terreno de combate político que foi o seu durante muitos anos. Desta vez, a sua estratégia será ligeiramente diferente, já que vai encontrar um candidato socialista com experiência autárquica em termos de gestão, com alguma obra feita e que derrotou os comunistas nas autárquicas de 2021.

Olímpio Galvão vai, naturalmente, passar uma revista às mudanças operadas no concelho no decorrer do seu mandato, analisará o que não foi concretizado, vai perceber  as razões, vai congratular-se com as conquistas alcançadas, pôr tudo nos dois pratos da balança e preparar-se para a luta.

Várias questões começam a colocar-se, à luz da psicologia comportamental: querem os montemorenses continuar a garantir o lugar a Olímpio Galvão e à sua equipa, com um voto de confiança para mais quatro anos, ou entendem que a candidatura de Pinto de Sá simboliza o regresso do D. Sebastião, que a Oposição ao actual presidente tanto ansiava?

Fica aqui a última dúvida que me apoquenta: se Carlos Pinto de Sá tivesse anunciado a sua candidatura a Montemor, por exemplo, há um ano, teria o actual executivo camarário, e principalmente Olímpio Galvão, feito um caminho diferente, mais cauteloso, menos descontraído, perante o candidato comunista que acaba por representar, pelo menos teoricamente, uma ameaça séria aos socialistas?

Esta dúvida será, talvez, aquela que, de todas, terá uma resposta clara e certa. Basta esperarmos por Setembro ou Outubro.


João Luís Nabo

In "O Montemorense", Março de 2025

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Incidentes dignos de nota

 

                                                         


          (Foto: Paulo Moreira)

                                                                                                                                                              

O Martini das Onze e Meia

 

Começo por apresentar, desde já, a minha declaração de interesses e informo os meus oito leitores de que, lá para o mês de Junho, o mês em que o céu estará mais azul e o tempo menos frio, irei convidar toda a gente, os meus oito leitores e todos os restantes amigos, a dar um breve salto à Biblioteca Municipal Almeida Faria para ficarem a saber da próxima publicação deste rapaz que, ansioso por estar sem nada para fazer, não consegue estar sem fazer coisas que o encantem. E a escrita é uma delas. As crónicas publicadas no jornal “O Montemorense”, de 2019 a 2024, foram relidas e devidamente seleccionadas para saírem num belo livrinho abençoado pelas Edições Colibri e com a colaboração da equipa da casa. Vai chamar-se O Martini das Onze e Meia, terá à volta de 250 páginas e é uma viagem pela política e sociedade local, nacional e mundial, num estilo de quem parece ter a solução para mudar o mundo mas que, afinal, sente que muito mais é necessário do que simples palavras, ainda que cruas e, por vezes, acintosas. Os agradecimentos aos que estão no projecto serão respeitosa e devidamente feitos no momento certo.

E parecia mal se ficasse por aqui sem sublinhar a terapia que o acto da escrita representa para quem anda sempre com pensamentos esquisitos e que sempre que lhe apetece fazer asneira… escreve metodicamente para expulsar os demónios e deixar entrar os anjos e outros fantasmas do bem.

Stephen King (sim, eu também cito grandes autores) referiu no seu longo ensaio On Writing que quando escrevia contos ou romances, escrevia sobre ele próprio e que a escrita evitava que pegasse numa caçadeira e desse azo ao seu desejo de eliminar os indesejáveis (1) (tradução livre).

 

Máti a  insubmissa

 

Máti é o nome da heroína do livro mais recente de Carlos Rafael Picamilho, montemorense, designer, autor e ilustrador, que insistiu no prolongamento dos seus sonhos de infância e adolescência e criou vários personagens de banda desenhada onde deu asas à sua imaginação e aos seus desejos mais aventureiros. Máti parece ser a menina dos seus olhos, dada oficialmente a conhecer no dia 15 de Fevereiro, na Biblioteca Municipal Almeida Faria.

Para falar de uma personagem como Máti, basta falar connosco próprios quando tínhamos a sua idade, ir ao encontro dos nossos medos da altura (alguns que se estenderam até hoje) e, claro, recuperar a vontade permanente de saber o que se passa à nossa volta e, mensagem absolutamente fundamental e incontornável presente ao longo da obra, procurar a solução para os problemas mais complexos e ajudar, ajudar sempre, os que precisam de nós. Curiosidade, solidariedade, amizade, imaginação, sonho, uma pequena dose de loucura e o desejo de nunca crescer completamente são sentimentos e sensações que se passeiam no decorrer da narrativa, com desenhos dinâmicos que parecem mexer-se em cada quadradinho, que voam de vinheta em vinheta em defesa do Bem e a perseguir o Mal. Se, como disse Stephen King, o escritor escreve sobre ele próprio, mesmo que não o assuma, a Máti tem tudo o que tem o seu autor: audácia, inteligência, criatividade e amor pelos outros.

Obrigado, Carlos Rafael, pelo teu talento.  

 

 

A Loucura das presidenciais

 

Parece que não há mais nada neste país para tratar que não sejam as eleições presidenciais, que vão acontecer, imaginem, lá para Janeiro de 2026. Este país é um torrão de açúcar amarelo, sublime, angélico, pacífico, delicodoce, com ministros que mais parecem os reis magos, com ar perdido, atrás de uma estrela que não existe, cheios de prendas que não servem para nada. Entretanto, outras figurinhas andam já à bulha, os pequeninos, os grandes, os médios, a tentar convencer o povo de quem é o melhor para substituir o nosso fofo Zé das Selfies.

A forma como as televisões estão a tratar o tema é absolutamente estranha e interessante. Já sabemos que canal promove quem e até é fácil saber quem vai ser o dono das próximas selfies. Eu sei, mas não digo.

 

 

O Rio, ainda o Rio

 

Há pessoal amigo a publicar fotos do Rio Almansor nas redes sociais, depois de umas boas chuvadas, para vermos como ele corre, barulhento e feliz. São fotos enganadoras, claro, porque sabemos que, terminada a chuva, o curso de água volta a empobrecer, a perder-se nas atabuas de mil metros de altura e a ficar outra vez a cumprir os serviços mínimos que, como sabemos, não dão para nada. A fauna desapareceu e torna-se necessário proceder a um repovoamento das suas águas, de forma a que os ecossistemas voltem a encontrar o seu equilíbrio. Mas para lá pôr os peixes é preciso água e para haver água é preciso resolver a questão a montante. Não entendo de regadio, nem de nascentes, nem de rios, mas creio haver uma forma que manter o Almansor vivo, a correr e, sobretudo, sem os despejos de esgotos, denunciados e a merecerem recentemente uma reportagem na RTP1.

O Presidente da Câmara falou recentemente, já não sei em que circunstância, na possível construção de passadiços ao longo do Almansor. Farão sentido (embora seja discutível o contraste que vão exercer na paisagem) se houver Rio para ver. Por isso, há que mexer – mexer, mesmo – no leito do Rio, construir açudes, presas, espelhos de água, enfim, o que for necessário para que ele tenha água de forma permanente, já que é a água o elemento essencial para que haja Rio.

E para que haja vida.  

 

O Pan-americanismo de um puto lunático e endinheirado


Na entrega dos Prémios Goya de cinema, em Granada, há uns dias, o actor norte-americano Richard Gere afirmou: “Começa a dominar-nos um tipo de tribalismo idiota onde somos levados a pensar que estamos separados uns dos outros… Infelizmente,  elegemos líderes que não nos inspiram como queremos. Venho de um lugar muito sombrio na América, onde temos um fanfarrão e um bandido que é presidente dos Estados Unidos.” E está rodeado de “palhaços perigosos. São tempos sombrios para o meu país.”

Pensei escrever uma ou duas linhas sobre o indivíduo a que Gere se refere. Considerei desnecessário. Stephen King descreveu estes tempos em muitos dos seus romances, ainda antes de o Poder ser dominado por tais agentes do Mal.

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(1) Stephen King, On Writing, p. 70

João Luís Nabo

In "O Montemorense", Fevereiro de 2025

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

A propósito de coisa nenhuma...

 


A propósito

Não entendo muitas publicações nas redes sociais, e até em alguma comunicação social local, daqui ou doutros lugares pequenos como o nosso, quando os autores dos textos se debruçam a fundo sobre questões nacionais que já foram abordadas noutros meios de âmbito nacional e que em nada adiantam nem atrasam com os seus sábios comentários e doutas opiniões.

            Quando, em tempos muito idos, o comum dos mortais tinha dificuldade de acesso às notícias sobre os acontecimentos do seu país ou do planeta onde habita, era absolutamente normal e útil – e muito útil – que, nos jornais locais, ou mesmo naquelas publicações de carácter regional, se focasse, com maior ou menor profundidade, os temas que preenchiam os ecrãs das televisões ou as páginas centrais dos grandes jornais nacionais e, até, europeus. Replicar, ainda que com algumas alterações, notícias sobre a guerra entre Israel e a Palestina, sobre a criminosa invasão da Ucrânia pela Rússia ou sobre os fogos que dizimaram a região de Los Angeles, e ainda sobre os óscares que se preparam para provocar mais uns risos e algumas lágrimas, não será de todo de grande valor ou importância. Tudo isso pode ser lido e escrito noutros órgãos à nossa disposição.

            Também o autor destas linhas faz, por vezes, reflexões baseadas nos acontecimentos ou nos protagonistas nacionais e mundiais, mas reconhecendo que teria mais valor o seu texto se descrevesse o que nos preocupa como montemorenses, de facto a vivermos numa aldeia global, que é este planeta, mas que teremos sempre mais a ganhar se mostrarmos aos nossos patrícios e aos nossos autarcas o que nos vai na mente.

            Veio este palavreado a propósito de muita coisa e de coisa nenhuma.

   

                                                           Autárquicas outra vez

            Ainda falta um tempo, mas temos de ir pensando no que iremos fazer em Setembro ou Outubro (ainda não se encontram agendadas) de 2025. O balanço deve ser feito com a máxima consciência e exactidão possíveis, a pensar em Montemor e no futuro. O mandato de quatro anos do presidente actual deve ou não ter o aval dos munícipes e merecer a confiança da maioria dos que vivem e trabalham no concelho?

            Os comunistas tiveram a confiança da maioria dos montemorenses para poderem, ao longo de 40 anos, planificar, orçamentar e executar tudo o que se referia a obras públicas, questões sociais, de cultura e desporto. A equipa bipartidária do socialista Olímpio Galvão acabou, temos de admiti-lo, por levar a bom porto muito do que estava decidido e planeado pela anterior equipa de Hortência Menino. Não houve tempo útil, e aceitamos essa condição, para trazer novidades de monta à forma de gerir o concelho. Houve, contudo, outro tipo de abertura e fomos confrontados com uma forma mais descontraída, menos “partidarizada”, de fazer política local. A questão importante é perceber qual a eficácia desta nova maneira de fazer política, menos formal, mais próxima dos eleitores, com aberturas ideológicas a outras forças políticas, situação raramente vista no período pré-Olímpio. É, sem dúvida, algum do material de que vai ser feita a nossa reflexão.

Em relação aos partidos mais conotados com a direita do espectro político, estes estão ainda meio diluídos e as suas intervenções surgem num contexto misto de esquerda e direita e, por isso, talvez seja difícil manifestarem, para já, um verdadeiro plano, concreto e exequível, para a gestão do concelho. Resta-nos aguardar.

 Posto isto, termino. Debates acesos terão lugar em tempo próprio. Para já, analise você, caro leitor. Vá observando, pensando e… quando for a altura, decida.

Não posso nem devo manipular o que lhe vai na alma.

  

Outra vez arroz…

             Há uma forte ameaça vinda dos Estados Unidos da América que, quando o caro leitor estiver a ler este texto, já terá tomado posse para grande terror dos países democratas e habituados a uma utilização da política para o bem comum. A ameaça tem rosto e nome. Chama-se Donald e tem a cara de alguém em que ninguém poderá confiar. Outros ditadores subiram ao poder de forma mais discreta.

Com o seu amigo Elon, o tipo mais rico do mundo, Don armou uma parelha de palhaços ricos que jamais entenderão as agruras e as angústias por que passam os palhaços pobres. O que tenciona, à partida, levar a efeito, pode transtornar de forma irreversível as relações entre vários países do mundo e, mais grave que isso, contaminar com as suas ideologias fascistas, discriminatórias, racistas, xenófobas e misóginas, muitos estados e partidos políticos, contra cidadãos e os direitos já garantidos por assinaturas, convénios, tratados e resoluções.

Ventura foi convidado para a tomada de posse de Trump. Trump há-de vir a Portugal à tomada de posse de Ventura, quando ele for, daqui a 11 anos, presidente da república. Escrevam o que eu digo.

 

Iliteracia literária

 

As obras literárias obrigatórias na disciplina de Português no ensinos básico e secundário, a serem lidas e analisadas por alunos entre os 13 e os 17 anos, há muito que não são devidamente absorvidas pelas diferentes gerações por dois motivos fundamentais que são cada vez mais notórios e difíceis de combater:  os alunos não têm conhecimentos suficientes de História de Portugal para entenderem obras como Os Lusíadas, Mensagem, Livro do Desassossego, Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Frei Luís de Sousa, Sermão de Santo António aos Peixes, Os Maias, Amor de Perdição, entre mais algumas; os alunos não têm conhecimentos suficientes de vocabulário, nem de conceitos filosóficos e psicológicos, para entenderem na íntegra e em profundidade a mensagem veiculada por tais obras. Os conhecimentos sobre Camões, Pessoa, Saramago, Garrett, Vieira, Eça, Camilo ficam quase sempre muito aquém do que os professores de Português e Literatura gostariam, apaixonados que são, há tantos anos, por estas temáticas.  

Solução: alterar, com urgência, o programa da disciplina de Português (e de outras disciplinas, já agora). Como e com que alternativas? Não faço ideia. Estou quase a reformar-me. Digam-me vocês.


João Luís Nabo

In "O Montemorense", Janeiro de 2025

segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

O Coralista, esse Soldado Desconhecido... e outras notas

 





Nota prévia: o texto podia, com ligeiras alterações, ter como título “O Filarmónico, esse Soldado Desconhecido”.

Aos meus amigos filarmónicos da Banda da Sociedade Carlista, da Banda Simão da Veiga, de Lavre, da Banda da Casa do Povo de Cabrela, da Banda Filarmónica Municipal de Redondo e da Banda Musical de Freixo de Numão (Vila Nova de Foz Côa), também a minha homenagem.

                                                                                        

O Coralista, esse soldado desconhecido

             Um Coralista é um soldado desconhecido, um ilustre anónimo, um herói sem coroa de louros, que dá tudo o que tem sem nada pedir em troca, a não ser o sucesso do Coro do qual faz parte integrante.

            Construir uma obra de raiz, seja mais clássica, mais popular ou mais contemporânea, exige tempo, esforço, entrega e substância, essa massa interior que se transforma em arte. Para isso, precisa de um Coralista generoso, empenhado, altruísta, paciente. Um ser humano abnegado que ofereça a voz, o tempo, a disponibilidade, a boa vontade. Esse Coralista, que todos vêem mas ninguém conhece, coloca o Coro à frente de outros interesses, tem a coragem de deixar temporariamente a família, a casa, outros amigos, várias vezes por semana, para, imaginem só o desplante, ir para os ensaios e cantar em coro. Essas apresentações fazem-se, não poucas vezes, em palcos espalhados um pouco pela geografia do nosso mundo, em igrejas, templos que albergam por momentos o ritual dos sons e das melodias que constituem esta religião especial e única chamada Música e que tem milhões de fiéis em todo o planeta.

O Coralista vive momentos únicos, respira em uníssono com mais vinte ou trinta como ele, e liberta emoções          que só a prática do canto em grupo pode proporcionar. Depois de cada concerto, após minutos gloriosos de muito trabalho e total entrega, surgem os aplausos do público, dirigidos não ao Coralista Desconhecido mas ao colectivo, ao grupo. Então, o Coralista, discretamente, em silêncio, mede a plateia com o olhar e com o coração, agradece em segredo o entusiasmo dos aplausos, sabendo que nunca ninguém vai saber um dia o seu nome. Porque outro nome se eleva nesse momento e sempre mais alto que todos os nomes: o do Coro a que pertence.

Quando, nos tempos que correm, o ser humano se expõe e exibe voluntariamente nas redes sociais, com fotos, vídeos e textos centrados na sua imagem, nos seus êxitos, nas suas escolhas gastronómicas e turísticas, no seu nome e no restante da sua vida privada, o Coralista, pelo contrário, anula-se voluntariamente em cada concerto, pensando apenas no grupo, no resultado final e na melhor forma de fazer do seu coro o melhor Coro do Mundo.

Ao pensar sempre nos outros, esquecendo-se de si próprio mas oferecendo o melhor de si, um Coralista será sempre um Soldado Desconhecido, um Anónimo Feliz, a fazer do seu Coro o melhor Coral da Rua Direita.

  

A Guerra ali à esquina


O Mundo vive e respira longos momentos de incerteza e angústia, dependente que está das intenções, dos interesses dos senhores da guerra e da sua inabalável fome de vingança pelos graves solavancos da História – o colapso da União Soviética, a implosão dos regimes comunistas, a ingerência dos Estados Unidos nos Governos e nos Estados do Médio Oriente e da América Latina, ocupações, invasões, questões territoriais, raciais e religiosas que levaram a dramáticas crises humanitárias ininterruptas.

Meia dúzia de cérebros doentes decidem quem vai morrer e quem vai viver. Um cidadão comum é, quase sempre, julgado e condenado pelos crimes cometidos. Os senhores da guerra já o deveriam ter sido. A ONU, a EU e outras entidades e organismos não têm, claramente, o poder e a força, a capacidade diplomática de levar a efeito a hercúlea tarefa de convencer as partes beligerantes a assinarem protocolos e acordos que tornem o Mundo mais seguro.

Não sabemos até quando poderemos dormir tranquilamente nas nossas camas, em nossas casas, nesta Vila Nova e em todas as vilas novas deste país.

 

Lá vamos nós outra vez… mas com classe!


Chegada esta altura, fatal como o destino, e lá vai o pessoal começar a gastar mais dinheiro em prendinhas de Natal. Detesto a expressão “prendinhas de Natal” ou “Vá lá, é apenas um apontamento simbólico. O que conta é a intenção.” Não gosto desta forma de ver as coisas. Cá em casa não passamos por essa vergonha, nem que os ambientes familiares e de amigos nos obriguem. Não. Nem pensar. Temos alguns pergaminhos a defender! Reparem os meus oito leitores se não gostariam de pertencer à minha família e aparecer, tal como nós, em tudo o que é revista!?

Os presentes de Natal (“prenda” é um regionalismo da periferia) já estão todos comprados: um carro novo, de alta cilindrada, para cada um dos três filhos, vinhos caros (200 €/garrafinha, no mínimo), para todos os amigos e familiares, vouchers no valor de 1.000 € para cada sobrinho(a), colecções completas de jogos para o(a)s sobrinho(a)s pequeninos(as), uma semana numa cidade europeia à escolha para o autor destas linhas e sua discreta esposa e, last but not least, a oferta de um osso de ouro (24 kilatezinhos) ao melhor Balú do planeta…

 …Vou parar a escrita. Estou a sentir um toque, ligeiro e fofo, no ombro direito, um abanãozinho, breve e tímido, no braço do mesmo lado, uma carícia, lenta e escorregadia, no farto cabelo grisalho: “Acorda, amor! Vai começar o telejornal!”

Era a Fofa, que se sentou ao meu lado depois de acrescentar mais um pauzinho na lareira, fazendo, de passagem, uma festa ao Balú adormecido. E acrescentou: “Comprei as prendinhas para os amigos e família. São só uns apontamentos simbólicos. O que conta é a intenção…”

Abri o olho esquerdo, depois o direito, e voltei a fechá-los com força, determinado a continuar a minha soneca até à chegada dos Reis Magos. O Balú, esse nem deu pelo terror que habitava a minha alma[1].


João Luís Nabo

In "O Montemorense" Dezembro de 2024

[1] “The terror is not of Germany, but of the soul” (Edgar Allan Poe, in Tales of the Grotesque and Arabesque)

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Dois lamentos sem importância

 

                                                               

    



O despertar do Monstro

 

            Ficou adormecido durante mais de quatro décadas o maior dos monstros que tinha transformado o nosso país numa quinta, gerida durante 48 anos por um capataz de fala mansa e com mão de ferro. Eram as trevas o seu meio ambiente preferido, onde espalhava o seu hálito putrefacto e bafiento da ameaça, nos cantos mais recônditos de um Portugal cinzento e amedrontado, habitado por gente que tinha sempre por sobre a cabeça a perspectiva da prisão, da tortura, da perseguição, da censura, do exílio, das reuniões clandestinas, das separações, do degredo.

O Monstro, vivo e violento durante quase meio século, não foi destruído naquela madrugada desse dia “inicial inteiro e limpo”. Foi, afinal, posto a dormir com um golpe na nuca, não de uma arma, mas de um cravo, que se julgou, poeticamente, ser a solução mais eficaz.  Com o susto provocado pelos militares e pelo povo nas ruas, o Monstro não morreu, como se pensava, regressando antes às profundezas do abismo onde tinha sido gerado. E aí ficou, em hibernação, adormecido, aguardando pacientemente a chegada das condições ideais para, novamente, começar a espalhar a semente do Mal.

            A intolerância religiosa, racista e xenófoba, as invasões militares, os ataques, os insultos em plena campanha eleitoral, nos Estados Unidos, em Portugal e noutros países ditos civilizados, as infantilidades na nossa Assembleia da República, as chantagens políticas, as perseguições, as mortes, a impassividade dos ditos homens bons, o demérito da esquerda, são a face visível desse Monstro, cujos tentáculos abraçam  violentamente o planeta.

Governos de extrema-direita começam a surgir na Europa que nem cogumelos, novos hitlers espreitam e sorriem aos descontentes, aos que se esqueceram do sofrimento dos pais e dos avós, perseguidos e muitos deles mortos pela força e pelos métodos invasivos dos maquinistas do Estado Novo, que não deixavam ninguém pôr o pé em ramo verde. Tornadas definitivas a democracia e a liberdade, estes seres ressabiados, defendidos e privilegiados pelo regime adormecido, esconderam-se nos novos partidos políticos, usados como máscaras durante anos, até hoje.  E por lá ficaram, gritando vivas à liberdade, contaminando discretamente ministérios e secretarias de estado, câmaras municipais e juntas de freguesia, deixando descendência, física e ideológica, que, anos mais tarde, começaria a manifestar-se de forma estranhamente descontraída e nunca até então vista.

            Espaço livre, foi o que foi.

Começou a haver, primeiro, timidamente, depois a céu aberto, espaço livre, onde o Monstro se instalou comodamente, agradecendo aos defensores da democracia e da liberdade a sua ausência de estratégias para manter o país a navegar, louvando a sua falta de empenho em condenar os corruptos e os ladrões de colarinho branco, o seu receio de devolver a autoridade às forças de segurança, a sua inépcia em legislar de forma séria e adequada sobre questões sensíveis como a imigração, a eutanásia, a mudança de sexo, a carreira docente, a saúde, a segurança, a idade da reforma…  Cada falha de governação permitiu aos partidos de extrema-direita (e de extrema-esquerda) darem um passo em frente em direcção aos degraus que os poderão conduzir ao poder.

Este Monstro vai começar, mais dia menos dia, a ser tratado como uma necessidade a bem da Nação. Esse Monstro já começou a babar-se, sedento de sangue e de morte. Esse Monstro tem um nome: chama-se Fascismo e pode, em breve, começar a fazer as primeiras vítimas: tu e eu. Depois, como escreveu Brecht, será tarde demais.

               

 

“O que faço aqui? Quem me abandonou?”[1]

 

Parecem os versos do “E depois do adeus”, aquela canção que o Paulo de Carvalho levou ao Festival da Canção de 1974 e que serviria como uma das senhas para os militares de Abril. Pois parece. Mas não é.

Estas perguntas, entre outras, são as que passam pelas cabecinhas das duas senhoras que foram nomeadas ministras, sem saberem muito bem nem como nem porquê, e que agora têm sempre um batalhão de jornalistas, malandrecos e mal-intencionados, a fazer perguntas maçadoras, com outras a serem-lhes sopradas ao ouvido, sobre o estado da nação no que compete aos respectivos ministérios: o da Administração Interna e o da Saúde. É curiosa a forma como reagem às perguntas que lhes fazem sobre as crises, as contradições, as confusões que reinam nos seus pequenos condados: não respondem ao que é perguntado, aparentam não fazer a mínima ideia do que se está a falar e estão sempre, ambas, a hiperventilar e ansiosas que as deixem em paz. Outros ministros, de outros Governos, com outro tipo de atitude e com provas positivas dadas em actos governamentais, por muito menos pediram a demissão. Mas estas senhoras não o fazem nem que as obriguem… Não sei porquê, não sei para quê, só sei que estão a prolongar uma agonia que nos faz sentir, todos os dias, vergonha alheia. E, pior do que isso, os problemas não se vão resolver tão depressa. É caso para dizer, nem as ministras saem, nem a gente almoça…  E a fomeca começa a apertar.

O primeiro-ministro, sempre assertivo e fofinho, ainda não percebeu que os tiros nos pés, disparados com rigor e mestria pelas duas brilhantes senhoras em questão, podem, mais dia menos dia, fazer ricochete no Chega e atingi-lo em cheio na tola.

            Depois, como escreveu Brecht, será tarde demais.

João Luís Brejo Nabo

In "O Montemorense", Novembro de 2024


[1] Texto escrito a 11 de Novembro

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

Dois desabafos

 




Figurinhas fofas

 

Temos assistidos de boca aberta à representação teatral mais canastrona de que há memória, com dois actores que mais parecem figurinhas de presépio. Por que lhes chamo figurinhas de presépio, correndo o risco de continuar a causar alguns amuos a certos amigos meus? Porque Pedro Nuno e Luís Filipe, quais pastores, lavadeiras ou reis magos, fazem tudo o que fazem estas figuras de presépio que nós colocamos amorosamente sobre o musgo para gáudio dos mais pequenos: nada. Ou melhor: empatam, atrasam, procrastinam, à espera do dia de Reis para voltarem para dentro da caixa de sapatos.  

            O Orçamento vai ser debatido e votado na generalidade nos próximos dias 30 e 31 deste mês. Se for aprovado, com algumas das suas alíneas mais ou menos onerosas para os portugueses, será menos uma crise imediata que o nosso país tem de enfrentar.  Se não passar pelo crivo do Parlamento, vêm aí as temidas eleições antecipadas. E, claro, a gestão do país por duodécimos e outras tretas, todas elas prejudiciais para quem se levanta diariamente para ir trabalhar. Independentemente do resultado, não teriam sido necessárias tantas propostas, contra-propostas ou contra-contra-propostas.

            Admirado estou eu que Montenegro e os seus ministros e secretários de estado se tenham aguentado até aqui. O Governo é, desde o início, uma manta de retalhos, um Ser com várias peças que, tal como a Criatura de Victor Frankenstein[1], se vai revelando com uma capacidade absoluta de aniquilar o seu Criador. Se tal não aconteceu no célebre romance de Mary Shelley, poderá vir a acontecer nesta história real e lusa, com ou sem o Orçamento aprovado, e que, ao contrário das tragédias narradas no livro, mais parece o resultado de uma comédia de enganos. Agora, há que assumir as culpas. E é a maioria do povo que as deve assumir: o engano foi seu… quando o elegeu.

   

            Uma nota final para sublinhar a triste intervenção, no passado dia 8, de Luís Filipe sobre o Plano para os Media: quando um primeiro-ministro e um seu repetidor, chamado Pedro Duarte, ministro dos Assuntos Parlamentares, têm o desplante e a tenebrosa ousadia de dizer que “não gostam de jornalistas ofegantes” e que “não gostam de perceber que há jornalistas que se limitam a expressar o que lhes sopram ao ouvido”, algo começa a estar muito, mas muito podre, neste país a caminho de um abismo sem retorno. Ao longe, ouvi o falsete daquela voz vinda das trevas a proclamar “Tudo pela Nação, nada contra a Nação”[2]. Tratar os jornalistas como se fossem miúdos mal comportados era a última coisa que se esperava do primeiro-ministro do meu país. Há que estar alerta e preparados para dizer a um Montenegro com “olhos doces”, não sei por onde vou, mas “sei que não vou por aí”[3].

 

 

Transparências

 

Com a idade começamos a ficar mais transparentes. Já não temos paciência para ocultarmos os nossos sentimentos, os nossos gostos e desgostos. Os que não nos conhecem mostram desagrado se algum comentário nosso lhes faz dói-dói, os nossos amigos começam a esperar de nós, exactamente esses comentários, essas opiniões, que eles próprios, tantas vezes, subscrevem. Deixamos, finalmente, de ser uma espécie de instituição pública em que há uma lei que nos obriga a sermos iguais para toda a gente. Passamos a dar mais do nosso tempo a quem nos oferece o tempo que tem, e começamos a apreciar os pequenos momentos com algumas pessoas que, pela sua intensidade, são os melhores, os mais consoladores, os que preenchem os longos silêncios de quem, por circunstâncias da vida e da morte, se afastou fisicamente de nós. 

 

A acrescentar a estes pequenos caprichos, começamos com a tendência nunca antes vista de ficar mais tempo em casa, gozando cada momento e cada metro quadrado. E se nos apetecer uma escapadinha ao fim da tarde, então vamos até às Fontainhas e atiramos uma moeda para a taça como se, enlaçados com a nossa cara-metade, estivéssemos a sonhar junto à Fontana di Trevi. E, depois, quer tenhamos viajado até Itália, quer tenhamos apenas subido três ou quatro ruas da nossa cidade, regressamos a  casa, à nossa ilha, ao nosso reduto, ao nosso forte, à nossa sauna, nossa ou arrendada, maior ou mais pequena, mais luxuosa ou mais minimalista, mais rica ou menos rica. Porque também é aqui que regressamos, após um dia de desânimo, após uma tarefa não concluída ou um projecto falhado. É aqui, no nosso lar, na nossa casa, que sentimos a segurança e o conforto que não experimentamos em qualquer outro lugar. E o nosso lar é tudo: é a nossa mulher, o nosso marido, os nossos pais, a nossa namorada ou namorado, os nossos  filhos e netos, o nosso cão, gato ou periquito... ou nós próprios, apenas.   

 

E, quando tudo se proporciona, se na nossa casa podemos juntar alguns amigos, à volta de um livro ou à volta de coisa nenhuma, em almoços épicos, porque profundos e intermináveis, então, aí, chegamos ao verdadeiro Paraíso.

Isto não é um recado. É um desejo. Só não percebe quem não quiser.

 

 

João Luís Nabo


In "O Montemorense", Outubro 2024



[1] Victor Frankenstein é a personagem-título e protagonista do romance de 1818, de Mary Shelley, Frankenstein ou O Prometeu Moderno

[2] Um dos mais queridos lemas do ditador António de Oliveira Salazar (1889-1970).

[3] Alusão ao poema Cântico Negro, de José Régio.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Dois apontamentos na rentrée

 




As minhas férias

 

            As minhas férias foram absolutamente normais. Como as férias da maioria dos portugueses. Com um ou outro constrangimento, mas nada de maior importância.

A minha cidade fica sempre diferente nesta época do ano. Isto porque deixamos de encontrar com tanta frequência as mesmas pessoas, usamos roupas claras e leves, interrompendo por umas semanas o nosso visual de alentejanos que pouco se importam com a moda e, muito importante também, acabamos sempre por dar de caras com gentes de outras paragens (cada vez em maior quantidade, é verdade) que passam por aqui em turismo ou que assentaram residência temporária ou definitiva na nossa cidade ou no nosso concelho, por questões de trabalho.

        Pois foram normais as minhas feriazinhas. Com passeios pela cidade, descarada ausência no ginásio, encontros com amigos, um ou outro petisco na Sede da Columbófila e, também lá, o meu Martini das onze e meia, dia sim, dia não, para além de umas sestas, umas leituras, umas escritas, enfim… o normal. Contudo, “para respirares outros ares que não só os da Torre do Relógio”, como diz o meu Grilo Falante, até estive uns dias na praia na companhia de gente boa e paciente (a minha mulher e a minha filha). Na praia. Leram bem. Eu faço tudo por elas. Ah, pois é! E como foram esses dias de veraneio, sem planos especiais e com muitas horas na mesma posição do Menino Jesus (nas palhinhas deitado, nas palhinhas estendido)?

            Se não tivessem sido os gritinhos irritantes das velhinhas, quando uma onda lhes subia pela pernoca; se não existissem os homens das bolas de Berlim, constantemente com aquele grito “Boliiiiiiiinhaaaaas!!!!”, mesmo junto ao nosso ouvido bom, alguns deles com uma campainha que retinia ao som dos seus passos pelo areal; se os Salvadores e os Santiagos, os Martins e os Afonsos tivessem ficado em casa com as mamãs, que ainda gritam mais do que eles; se os telemóveis tivessem sido proibidos à entrada da praia; se os cães e os donos dos cães tivessem ficado numa praia só para eles, a dez quilómetros da minha; se os malucos da salsa, da rumba e sei lá mais do quê tivessem ido dançar para a Floresta Amazónica e tivessem levado com eles aquela coluna de som que, de certeza, se ouvia em Pequim; se os guarda-sóis dos meus vizinhos, mal enterrados na areia (os guarda-sóis, não os vizinhos), não me tivessem acertado sete ou oito vezes em plena sesta, depois de um almocinho de dieta; se a água do mar pudesse ser aquecida rodando um botão, assim como num esquentador; se os jovens adolescentes não se armassem em parvos para as namoradas, fazendo surf e bobyboard e sei lá que mais, ao som dos gritos das suas hormonas saltitantes; se os Salvadores e os Santiagos, os Martins e os Afonsos, com pouco mais de três extraordinários e sonoros aninhos, dormissem o dia todo, a toque de ritalina e outras cenas que os pais lhes dão antes de irem para a escola, e não fizessem corridas nem jogos de raquetes a toda a hora, saltando por cima de mim e das minhas companheiras de férias como se estivessem a correr os 100 metros barreiras… Se eu tivesse ficado na minha sala, fresca e silenciosa e com uma televisão cheia de filmes e séries para desfrutar…

…Então, as minhas férias teriam sido o Paraíso, meus filhos[1]

 

Os novos montemorenses

 

Há um novo grupo, já com alguma dimensão (embora eu não possua dados concretos sobre isso), que veio para Montemor, como poderia ter desaguado noutra terra deste Alentejo. Os migrantes com quem nos cruzamos diariamente vieram à procura de paz e de trabalho. Não sei se a Autarquia já o fez e, se assim é, deixo aqui o meu aplauso, mas seria urgente a criação de um Gabinete de Apoio ao Migrante, constituído por uma equipa multidisciplinar que preste auxílio a quem chega a Montemor praticamente com a roupa que tem no corpo: ajuda com a língua, a documentação, a matrícula dos filhos nas escolas, a procura de casa e de trabalho digno. Somos, cada vez mais, uma cidade cosmopolita, com cidadãos de variados países do mundo que precisam de se sentir incluídos e felizes. Já basta a distância que os separa da família e dos amigos, das vivências culturais dos seus países de origem. Já basta o terem sido perseguidos e maltratados pelos seus próprios governos. Já basta terem fugido à guerra e à fome. Já basta tudo isso.

Nos anos sessenta e setenta, para escaparem à miséria, ao salazarismo que parecia eterno e à guerra no Ultramar, milhares de portugueses rumaram, sabe Deus em que condições, em direcção à França, à Alemanha, à Suíça, aos Estados Unidos… Refizeram as suas vidas, com muito trabalho e, quantas vezes, a viverem em condições desumanas, e deram um futuro aos filhos e netos. Ainda hoje continuamos a emigrar, noutras condições, é certo, mas sentimos sempre aquele desejo de vermos os portugueses como nós a serem respeitados nas suas capacidades e na sua dignidade como qualquer outro cidadão do mundo.

Montemor, tal como o nosso Alentejo, sabe receber as gentes que vêm de fora. E se somos calorosos, genuínos e magnânimos em momentos de festa, que o sejamos também nestes momentos de aflição. Nunca saberemos se, um dia, não somos nós a procurar uma vida melhor a milhares de quilómetros da nossa terra.

 



[1] Homenagem ao poeta britânico Rudyard Kipling (1865-1936) e ao seu poema “If”.


João Luís Nabo

In "O Montemorense" , Setembro de 2024

quinta-feira, 11 de julho de 2024

Três vivas!

 


Viva Portugal dos Pequenitos! Viva!

 

Ora, como dizia um célebre Professor na RTP, aos Domingos à tarde, nos anos 60, se bem me  lembro… há muito, muito tempo que Portugal não tinha tanta lama e tanta gente estranha a marinhar neste lago de gansos moribundos que nada acrescentam a um país a necessitar urgentemente de ver uma luz ao fundo do túnel. Se Vitorino Nemésio vivesse hoje, nenhum dos políticos ou dos pseudo-políticos que por aí andam a dar-nos música se safaria de uma observação sagaz, pertinente, certeira, corrosiva e inteligente. Como nenhum de nós, nem eu nem os meus 8 leitores, é o velho e saudoso Professor açoriano, contentamo-nos em, seguindo o seu provável raciocínio em relação a estas matérias, declarar morta e enterrada a confiança que devíamos depositar no sistema de justiça, a honestidade e transparência da maioria dos políticos, a esperança de sermos felizes neste país de ratazanas que querem é palco, mentir uns aos outros e aos portugueses que os elegeram e apresentar para governar este quintal ministros que não passam de figurinhas de presépio, e de líderes que, perante qualquer contrariedade, ameaçam de forma, quer velada, quer directa, com a sua demissão.

E Marcelo? Ah!!!! E Marcelo que tem sempre tanto para dizer, que fala quando lhe fazem perguntas e, quando não lhas fazem, fá-las ele para, a seguir, responder com um sorriso perdido mas feliz.

Não. Portugal não merece os filhos que tem. Nem a Pátria é ditosa. Nem ditosos são os filhos que ela pariu.

 

 

Viva o Euro (ou lá o que é)!

 

Tanta fé, tanta fé, tanta vela na Senhora da Visitação, tantas promessas à Senhora da Carvalha, tantas orações a Zeus Cristiano e, afinal, nada deu certo. Mas vivam os que fizeram desta participação de Portugal uma grande festa antes do desastre final e da morte da Esperança, a tal tia que foi a última a morrer… Mas já se sabia qual a grande consequência de tudo isto: atacaram o Ronaldo por causa da idade e má-na-sê-quê, anunciando as grandes e doutoradas vozes do meio que ele e o Pepe já deram o que tinham a dar.

Não sei se é assim. O futebol não é a minha praia. Mas se Portugal se aguentou até aos quartos de final, foi porque teve valor e teve jogadores à altura. Achei muito curioso destruírem o Diogo Costa no jogo contra a França, depois de o terem transformado em semi-deus e herói lusitano, digno da epopeia camoniana, no desafio contra a Eslovénia. Na verdade, a criatura humana é de atitudes absolutamente interesseiras, contraditórias e… estúpidas.  

Para terminar este pedaço de “análise futebolística” (se não pusesse a expressão entre aspas, já estava a receber telefonemas de amigos menos tolerantes e que acham que metem muita graça com as suas críticas à minha falta de conhecimentos nesta área), gostava de perguntar por que se aplaudem equipas que não conseguiram cumprir o seu objectivo, que era, naturalmente, saírem vencedoras na Final? São aplausos de consolação. Aceito.

O que não aceito é milhões e milhões de portugueses mostrarem a sua solidariedade e o seu amor incondicional a jogadores que nunca os conheceram ou conhecerão e que assobiam para o lado quando as crises do país se esbatem sobre as suas cabeças, sem que os Governos sucessivos do Pê Esse e do Pê Esse Dê lhes resolvam os graves problemas de salários, habitação, emprego, educação, saúde e outras cenas que todos conhecem e que só agora, passada a euforia do Euro, lhes recomeçam a bater forte. Porque não podemos esquecer que há outro Euro muito mais importante que o do futebol: o Euro que nos põe o pão na mesa e a que nem todos os portugueses têm devido acesso.

Faleceu a Dra. Joana Marques Vidal, a primeira procuradora-geral a mandar prender um ex-primeiro-ministro. Que a Dra. Lucília Gago se mantenha firme para que possa mandar prender quem deve. O problema é que este pessoal de colarinho branco é todo desviado para Évora, e a prisão da nossa capital de distrito, tal como o Euro com que nos governamos, não estica.

 


Viva o Curvo Semedo! Viva!

 

Fui ao espectáculo da Escola de Ballet do Município. Foi uma bela festa, com as pequeninas a darem o seu melhor e com as crescidas a criarem grandes momentos estéticos de dança e expressão corporal. Admirável, direi mesmo. Indissociável desta bela obra com 45 anos de vida está a Professora Amélia Mendonza, a quem ofereço, de pé, o meu prolongado aplauso.

Mas nem só de palco vivem os grandes teatros, como é o Cineteatro Curvo Semedo. A ausência de obras atempadas faz com que, por exemplo, em noites de concerto, as poltronas da plateia deixem os espectadores escorregar até ao colo dos primeiros violinos, permite que as casas de banhos dos Senhores e das Senhoras estejam completamente degradadas e sem quaisquer condições de higiene para serem utilizadas devidamente, admite nos corredores do teatro sofás que já viram dias (muito) melhores e os quais ninguém quer usar para descanso.

Sei que está prevista uma obra de remodelação para todo o edifício. Sei também que há, desde o Governo de Durão Barroso (2002), um projecto para as alterações ansiadas. Sei que continuou depois a haver mais umas promessas e tal, mas também sei que nada aconteceu. Se a situação está prestes a ser resolvida, isso devolve-me uma certa esperança de começar a ver uma luz ao fundo do túnel.

Só espero que não seja o comboio.


João Luís Nabo


In "O Montemorense", Julho de 2024

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