quarta-feira, 14 de maio de 2008



Já que estamos em maré de desgraças, deixem-me continuar o meu desabafo: acreditem que foi por causa do xicoespertismo de alguns portugueses (da maioria) que mergulhámos neste pântano de onde teimamos em não sair. Aproveitadas as liberdades do 25, aprendemos a não nos preocuparmos com a vida, e até há bem pouco tempo esperámos que tudo tivesse solução, de boquinha aberta, à babuje, a ver se caía mais algum dinheirito enviado de Bruxelas. Ainda não perdemos esse vício. Enquanto cai e não cai, marcam-se no calendário os fins-de-semana mais prolongados, planeiam-se férias, reservam-se hotéis ou apartamentos, porque sabe-se que tudo ficará esgotado ainda em Junho, já que a ciguêra com as ondas do oceano é mais do que a manifestada pelos nossos antepassados no tempo das caravelas. É uma coisa genética, como diria a minha fofa.
Por falar nela, fica aqui dito que a minha fofa anda muito aborrecida com isto tudo. Tão aborrecida que há uma semana que não compra um trapinho novo para vestir. Diz que não tem vontade. Que a conjuntura não lhe é favorável. Como eu a entendo. Disse-me num destes dias, marchando da cozinha até à sala, empunhando com brio militar uma concha de sopa vermelha: “Querido! Vamos fazer outra revolução. Convidamos a prima e a amiga lá de baixo e avançamos.” Abri o olho direito, depois o esquerdo, utilizei o comando para baixar o som da televisão, ergui a cabeça da almofada e disse-lhe do fundo do meu sofá: “O quê? Aparelhar as tropas em Santarém e vir por aí abaixo até ao Terreiro do Paço? Credo! Que trabalheira! E, para mais, já nem sequer há Salgueiros Maias. E, depois, onde é que trancávamos o pessoal do Governo para não ser linchado? O Quartel do Carmo passou a Museu e já não há chaimites.”
Ela, que tinha estado imóvel, muito direita, com a concha em posição de apresentar arma, baixou aquele utensílio com uma lentidão que meteu dó e voltou para a cozinha a arrastar os olhos pelo chão. Eis um capitão de Abril mandado para a reserva ainda antes de fazer a recruta.
Não sei como, mas acho que, desta vez, ganhei eu. Provavelmente, perdeu o país.

2 comentários:

Anónimo disse...

Amigo!
alto texto e...ainda me ri com a concha da sopa vermelha :)!!!
mas o meu "comentário" seguiu para si, via mail/ fw, com um texto do famoso Baptista Bastos. acho que o escrito, comenta (infelizmente) muitíssimo bem o seu post de hoje...
abreijos,
vovó Maria

samuel disse...

Não, infelizmente já não há Salgueiros Maias... e com Incas ou Aztecas parece que não é a mesma coisa.
Valha-nos entretanto a sopa vermelha, desde que não se abuse.

Distraídos crónicos...


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