Foi a pergunta que subsistiu ontem, ao longo das mais de duas horas, durante as quais foram deslizando as Lágrimas de Saladino no palco do Cine-teatro Curvo Semedo. Se no início foi a Ordem, simbolizada pela Banda da Sociedade Carlista a interpretar temas fortes, de harmonias agradáveis ao ouvido do comum mortal, então esta alegoria sobre a incapacidade de comunicação neste nosso mundo de hoje, protagonizada pelos bailarinos e músicos de Rui Horta, acabaria por contaminar a própria Banda, que não resistiu e foi perversamente atraída para o abismo da incomunicabilidade.
Se o objectivo do coreógrafo, nesta sua segunda criação como artista associado do Centro Cultural de Belém, foi “questionar e desorientar o espectador”, julgo que o conseguiu. Continuei a sentir, no período pós-espectáculo, a violência musical, vocal, gestual, coreográfica, comportamental de todos os intervenientes que irão, em breve, levar estas propostas de sensações incómodas um pouco por toda a Europa. Montemor teve o privilégio de ser a segunda cidade do Mundo, a seguir a Lisboa (CCB), a assistir a esta produção, metáfora inquestionável dos tempos modernos, uma “Babel de desencontros e de confusão de linguagens”.
Houve, contudo, no final, a mensagem de uma (ténue) esperança no regresso a uma certa harmonia. Talvez diferente, mas, ainda assim, reveladora. Porque a guerra santa, nas palavras de Saladino, acabava ali.
(Fotos: A. A. Mota - CMMN)
3 comentários:
foi (é) Sublime!
beijocasssss
vovó Maria
Assisti ao espectáculo na sua estreia, debaixo de fortes emoções que nada tinham a ver com ele (momentos difíceis da minha vida pessoal) e embora estivesse mais ou menos à espera de que a desordem e a incomunicabilidade iriam estar presentes, que iriam ser, aliás, os elementos estruturantes na concepção da obra, eu saí de lá exactamente assim, como dizes “desorientada” sem saber muito bem se toda a violência que senti e que me agrediu vinha da genialidade do coreógrafo, dos bailarinos, dos músicos – porque a concepção e a execução são indissociáveis – se do momento difícil que estava a viver e que me tinha posto de mal com a vida.
Não revi o espectáculo em Montemor. Ouvi, sobre ele, alguns comentários como é lógico, mas agora, depois de ler o teu texto e de rever sensações e emoções, parece-me de toda a justiça dizer aqui que se o espectáculo consegue provocar tudo isto no espectador, se consegue que qualquer análise ultrapasse o campo meramente estético, então estamos perante uma obra de arte. O Rui Horta conseguiu que houvesse comunicação no tal “abismo da incomunicabilidade” a que te referes.
Do caos, todos esperamos que nasça a ordem.
Tenho dito!
Antónia Maria Salgueiro
E vai nascer! Abraço!
Enviar um comentário