Pois são. Emitem sons irritantes e sem significado, que me confundem de sobremaneira. Miam, grunhem, berram, guincham, como se tivessem de pagar impostos todos os dias. Por exemplo, como traduzir Brrr! Lááááá! Hiiiiiiiii! Ôhhhhhh! Máaaaa! Páaaaa! Túuuu! Môooooo! Impossível, não é? Cada uma das expressões (?) é mais enigmática que a anterior. Ninguém devia conseguir entendê-los.
Se têm calor, choram, se têm frio, choram, se têm sono, choram, se têm fome, choram, se estão felizes chilreiam vocábulos incompreensíveis, que só a mãe e as avós entendem. E respondem-lhes, convencidas de que estão a travar uma conversa decente e equilibrada. Tenho pessoas na família (e vocês também, caros leitores) que conseguem falar durante mais de 30 segundos com um bebé de 15 dias!! Estonteante, não acham? Já observaram um adulto a falar com um bebé de 15 dias? Fica com ar mais idiota que o do próprio bebé, que só quer sopas e descanso: “Olá! Tá bom, mê quido? Góta da tia, góta? Góta da mamã e da vovó? Góta, góta! Quem é o lindo da mamã, quem é? Qué vi ó colinho da tia gôda, qué?”
Digam-me lá se não é triste? É. Triste. Penoso. Obtuso. O que pensará o bebé sobre a tia “gôda”? Que, para além de ter uma verruga enorme por cima do buço, é “gôda” e… estúpida, claro. Desculpem, mas nunca fui capaz de papéis assim.
Meio preocupado com esta minha recusa natural, tento perceber por que não dizem eles palavras ar-ti-cu-la-das. Então, se os psicólogos (vou ser vítima de violência doméstica) dizem que o bebé faz uso da sua capacidade auditiva quando está no útero materno, se sabe que o mundo existe, por que é que não há-de aprender a falar? Se fica nervoso quando a mãe stressa, se fica deprimido quando o pai se exalta, se fica calmo quando a mãe põe um CD do Tony Carreira, por que é que não toma atenção aos actos de fala e não sai lá de dentro com conversa de gente?
Ah, e há outro pormenor que também me aborrece um bocadinho e que me leva a recusar disfarçadamente o convívio com bebés. Os bebés cheiram mal. Sim. De três em três horas, cheiram mal. O que me parece ser bastante desagradável. Detesto pessoas a cheirarem mal ao pé de mim e os bebés não são excepção.
E, depois, há ainda outra questão relacionada com os bebés que me deixa inquieto: por que é que, ainda na maternidade, toda a gente desata a tirar parecenças, observando o recém-nascido como se fosse um animalzinho no zoo? Quando os meus filhos nasceram, as avós e a Condessa de Arraiolos, que é muito cá de casa, transformaram os pobres recém-chegados nuns autênticos monstros de Frankenstein, tal foi a manta de retalhos em que os transformaram: “Têm as orelhas da avó, e o nariz do avô, e as mãos de pianista da trisavó que Deus tem, e as sobrancelhas da prima do Brasil e os olhos são tal e qual os da tia Lucinda do Barreiro… E as bochechas são as do primo Ludgero.” (Quem é esse primo Ludgero?, perguntei à minha fofa, também ela sem saber quem era a tia do Barreiro). Fiquei alarmado: nem uma parecença comigo ou com a mãe. Estive quase para telefonar para a maternidade. Aqueles seriam mesmo os nossos filhos?
Perguntam os meus nove leitores (dez, com a Condessa de Arraiolos): será que ele não gosta dos filhos, dos sobrinhos ou dos primos e primas? Mas que malvado! Como é possível ter um ar tão simpático e inteligente (sobretudo, inteligente) e não gostar das pessoas do seu próprio sangue? Sonso é o que ele é!
Claro que gosto. Esses meus familiares vão crescendo, felizmente. Hoje, alguns deles já adultos, já falam como gente, já me ensinam a fazer crepes aos Sábados, ao fim da tarde, já passamos férias juntos, já se sentam à mesa comigo, já discutimos religião, política, cinema checo e bailado contemporâneo e já emborcamos, de vez em quando, umas belas imperiais.
E têm outra característica que os favorece: já não guincham constantemente, nem cheiram mal de três em três horas. Então, por que é que não havia de gostar deles?
* Há uma vovó que não vai concordar comigo. Um dia, estarei eu de acordo com ela. ;)