O Professor
Marcelo anda muito chochinho. Se eu reparei, que sou um distraído de
primeira água, toda a gente, decerto, reparou: um permanente sorriso triste, quase
tipo Mona Lisa, uma enorme contenção nas palavras, quase tipo Cavaco Silva, nos
seus tempos áureos de Presidente da República, uns tabuzinhos à mistura, menos selfies
com o povinho, poucos abracinhos ternurentos às velhinhas e crianças, não
beijou a barriga de nenhuma grávida, enfim, atitudes sintomáticas de alguma
dorzinha que é, com certeza, de alma, porque de corpo não se nota nada, ainda
que o seu caminhar seja menos perturbador e um tudo nada mais lento. Não é para
admirar, senão vejamos: foram os terríveis incêndios deste Verão, a guerra na
martirizada Ucrânia (ele gostaria de ter lá ido fazer uma selfie com o
Zelensky, mas não lhe calhou, por enquanto…), o aumento do custo de vida, os
tiros no pé do senhor ministro Pedro, a demissão, após cansaço extremo, da senhora
ministra Marta, as gaffes da senhora directora-geral da Saúde, a
insuficiência de médicos obstetras, o que dificultou a vida de dezenas de
grávidas e dos seus aflitos maridos ou companheiros, a subida escandalosa do
preço dos combustíveis e, agora, para acabar em beleza, a sua pose tímida ao
lado de Bolsonaro, enquanto esta personagem celebrava o Dia da Independência do
Brasil com um vergonhoso comício para as eleições presidenciais de 2 de Outubro…
Enfim, dramas que, neste último caso, as regras do protocolo oficial não conseguiram, nem podiam,
resolver…
No seu regresso a
Portugal, e novamente de frente para a crise que já se anunciou, Marcelo apetece-lhe
falar, dizer muita coisa sobre o Governo de Costa, desancar na cada vez maior
falta de tacto que ele e os seus ministros (uns mais do peito que outros) têm
manifestado para tentar salvar o país (pelo menos, é o que eles dizem por aí).
O Professor Marcelo está tristonho e enfadado, porque sabe que Portugal está um
caos (onde só os ricos e os muito ricos se safam), a caminho de um buraco negro
de onde, mais uma vez, vai ser difícil regressar. Até já sonhou o senhor
Presidente, dizem os dois ou três assessores que lhe vigiam o breve sono, que
Costa não vai aguentar até ao final da legislatura.
Passaram as
férias.
Ansiadas desde o fim das últimas, ainda em pandemia, estas chegaram, estiveram
e… foram embora. Umas férias anormais, desta vez, mas com um sabor que me
deixou triste quando se despediram. Nada de praias, nem de montanhas, nem de
viagens para ilhas paradisíacas. Nada de caminhadas, nem de ginásio, nem de
pescaria na Barragem dos Minutos, nem de piscinas públicas ou privadas. E nada
de máscaras, também. Nada de nada. Apenas se deixou fluir o tempo e se fez o
que nos apeteceu, sem agenda nem relógio. Algum trabalho, voluntário já se vê, umas
belas noitadas de escrita, a pensar nos leitores que já terminaram o Ciclo
Lunar e que se sentem perdidos sem livros para ler, muitas séries na
Netflix e noutros canais (já viram The Handmaid’s Tale?), um ou dois
almoços com amigos, mas amigos com quem vale a pena almoçar (ou jantar, ou
passar o resto da vida), alguns encontros deliciosamente inesperados, convívio mais estreito com o pessoal da casa e seus
deliciosos pares e amigos(as), casamentos, baptizados, aniversários da filharada, funerais, enfim, o
pacote completo para, mesmo de férias, nunca deixarmos de ter os pés bem
assentes no chão, neste chão alentejano que queima e aquece, que nos agarra
como coisa própria sua.
Pode parecer comum
para a maioria, o que, para mim, é extraordinário e cada vez mais constante: saborear
cada momento em que estamos vivos e com quem gostamos de estar. Como dirão, no
seu delicioso linguajar, alguns alunos meus, máxima que eu partilho com mais
intensidade cada dia que passa e me faz aproximar do fim: “Fretes não é a
minha cena!” Entre outras concordâncias que me unem à mulher mais velha cá
de casa, está esta que ela me atira logo de seguida, numa resposta imediata,
sem pausa, nem dramática nem de outro género qualquer: “E a minha também
não!”
O final das férias é,
invariavelmente, assinalado com a Feira da Luz na nossa cidade. E a deste ano,
depois de dois Setembros de jejum, ainda que algumas pessoas não concordem, foi
das mais espectaculares de sempre. Apesar dos momentos de crise que começámos a
viver, o discurso optimista do Presidente da Câmara, na inauguração da festa, e
a sua abertura à intervenção de outros convidados, dá-me margem para acreditar
que é possível fazer de Montemor uma cidade e um concelho, tal como ele
referiu, visíveis em todo o Mundo. E a vários níveis: cultural, económico e
turístico.
Para além da Câmara Municipal, se há mais alguém responsável pela divulgação dos eventos e iniciativas destes dias de rentrée, é a equipa de comunicação da autarquia que, em serviço permanente, espalhou, ao minuto e aos quatro ventos, o que de bom havia no recinto do certame. Atrás do nome Feira da Luz/Expomor ia, obviamente, colado o nome daquela cidade onde tudo é possível acontecer. Até, vejam só, uma utilíssima mudança nas mentalidades.
Quando acabei de
colocar o ponto final no texto, veio a notícia da morte de uma mulher que parecia
eterna e que vai ficar para sempre na nossa memória.
The Queen is dead. Long live the King!
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Setembro de 2022