I
Uma mão cheia de
nada…[1]
Chegámos a 2024,
depois de dezenas de escândalos, de crises, de casos e de outras cenas que nos
dão vontade de começar a acreditar no diabo e nos seus seguidores. Fico
ligeiramente aborrecido quando os assuntos que nos atraem e distraem levam os
meus doze leitores (treze, pois há um novo leitor atento e crítico às minhas
publicações, aos meus livros e a outras parvoíces que vou produzindo) a
pressionar-me com perguntas sobre política e… capacidade de sobrevivência. De
política entendo muito pouco. De capacidade de sobrevivência, enfim, não tenho
grande razão de queixa, porque tenho a sorte de me rodear de pessoas absolutamente
diferentes umas das outras que me ensinam, sejam (muito) mais novas do que eu,
sejam mais velhas e experientes, a perceber que não somos a última bolacha do
pacote, que não somos os maiores em coisa nenhuma, que não somos os salvadores
de ninguém, nem exemplo para a maioria. É essa a regra para a nossa
sobrevivência. Com a cada vez maior ascensão das redes sociais, onde nos
mascaramos para poder cobardemente dizer o que nos apetece sem pagarmos judicial
e moralmente por isso, tornámo-nos poderosos, tristemente poderosos, e capazes
de destruir o nome, a honra, a vida, a biografia de quem quer, apenas e só,
viver tranquilamente e deixar que os outros vivam com igual placidez. Sinto, eu
e os meus treze leitores, que há uma necessidade urgente de olharmos mais para
os nossos vizinhos, de sentarmos à nossa mesa quem gostamos e de assegurarmos que
estaremos sempre ao lado dos amigos que, num dia, acordam com menos esperança ou
que precisam, mais do que uma palavra de consolo, uma voz forte que lhes
garanta a segurança perdida em momentos de desventura.
Não precisamos de
ser políticos, nem super-homens, nem figuras públicas, nem religiosos, que
batem no peito de quarto em quarto de hora e franzem o sobrolho quando os
outros não o fazem. Precisamos de nos apresentar como seres humanos que não
hesitam um só momento quando a sua presença, a sua voz, a sua opinião, o seu
voto se torna necessário e imprescindível para defender um familiar, um amigo,
uma nação. A qualquer custo. Porque a
amizade, o sentido de família e o patriotismo é isso mesmo, sem saudosismos e
muito menos desejos obscuros de regressar a um passado tristemente célebre, no
qual o autor deste texto seria, com toda a certeza deste mundo, perseguido,
preso, torturado e, muito provavelmente, morto.
II
Outra cheia de
esperança… [2]
A nossa profissão, a minha e a de
muitos colegas meus que me acompanham, quer recentemente, quer desde há muitos
anos, nas nossas escolas de Montemor, tem muito de nós plasmado nas turmas que
ensinamos, nas salas onde trabalhamos. Sem que tivéssemos dado por isso, começamos,
aos poucos, a testemunhar os resultados das sementes que lançámos ao longo de
quarenta anos, sem, muitas vezes, sabermos se todas germinaram. Mas as
sementeiras são assim mesmo. Os terrenos nem todos são férteis, os agricultores,
por vezes, perdem a mão, as sementes nem todas estão suficientemente amadurecidas
para germinarem após as primeiras chuvas, outras, ainda, perderam-se por terem caído
sobre uma rocha implacável, dura e estéril.
Os tempos que se aproximam não se
adivinham fáceis, com lobos em pele de cordeiro prontos a fincar os dentes no
cachaço de quem, distraída e estupidamente, os aplaude de forma cega e
subserviente, sem pensar nas consequências ou nos resultados dos seus aplausos.
Os alvos dos elogios e das lambebotices, lançados das bancadas da ignorância, incham,
crescem, mentem, exploram os que não pensam por si e acabam por aproveitar-se
dessas sementes que, impedidas pelos rochedos da vida, não conseguiram germinar
e dar origem a uma nova planta, completa e viçosa, com futuro e com sementes
para, porque donas do seu destino, mais tarde lançar à terra. Os que germinaram
têm a obrigação, o dever, a sagrada função de ler, estudar, conhecer o passado
deste país, analisar o esforço dos que fizeram esta nação, dos que nos
permitiram, à custa de sofrimento, luta, suor e lágrimas, ser um povo livre e
que, se não fossem os sucessivos Governos desgovernados, poderia ser feliz e
próspero.
Os tempos que se aproximam vão ser
de aproveitamento, de populismo, de promessas cegas e entusiasmadas, sabendo
nós que tudo não passará de uma técnica obscura e táctica para conquistar a
confiança de quem já não crê nas promessas de um candidato vindo de um Governo Costista
desacreditado e inglório. Os fracos, as sementes que não germinaram e que
conseguiram entrar nos meandros da partidarite e da governação, mudam de cor,
de camisola, de pensamento, de teorias e agarram-se a quem lhes vai garantir um
cargo, uma posição, um tacho certo, pelo menos durante quatro anos.
Como cidadão português, continuo a
amar o meu país, independentemente dos incompetentes que o têm governado. E
acredito que a maioria das sementes que todos nós lançámos, durante tantos anos
de investimento nos jovens e no ensino, terão caído em terra fértil, adubada,
lavrada e que nos irão dar, em breve, um país decente e livre.