Sei que foi mera coincidência. Mas achei alguma piada à coincidência. Dias depois da publicação da minha crónica de Janeiro na minha página do Facebook, a Câmara Municipal publicava na sua página o projecto de requalificação do Jardim Público e da zona envolvente, com uma imagem da maqueta vencedora mais os orçamentos e tudo. Pareceu-me uma maneira de avisar os munícipes de que os responsáveis não estão esquecidos do grave problema e de que nem sempre é tarefa fácil definir e, depois, decidir o que fazer naquele espaço tão emblemático da nossa cidade.
A discussão não está, contudo, encerrada. Teremos sempre três grupos de opinião, já preconizados por Monsieur de La Palisse: os que concordam com o projecto aprovado, em que se apresenta um jardim sem muros, inserido no Largo (com inicial maiúscula, como em Manuel da Fonseca), numa resolução moderna para a questão; os que gostariam de voltar a ver o muro do jardim como estava antes, porque no nosso passado arquitectónico e na traça original dos edifícios e dos espaços públicos não se deve mexer; e os que tanto se lhes dá como se lhes deu e que, por isso, acabam nesta linha, ou na seguinte, os seus trinta segundos de fama, porque dos indecisos não reza a História.
Assim, terão razão os que querem o Jardim aberto ao Largo e, consequentemente, a todas as artérias que nele confluem. Um espaço aberto, com acessos práticos aos munícipes de todas as idades, transformando em verdadeiramente público o que nunca deveria ter estado claustrofobicamente “fechado” durante décadas e, nota importante, exibindo de futuro, e por inteiro, o Coreto, uma obra de arte de rara beleza de que muito nos orgulhamos e que muito pouco usamos. Uma solução, afinal, que resolve, definitivamente, um problema grave que é o de haver sempre a possibilidade de, mais ano menos ano, mais chuvada menos chuvada, termos mais um pedaço de muro a cair de velhice sabe-se lá para cima do quê ou de quem. Outras cidades alentejanas têm apostado em projectos do mesmo género e os espaços abrem-se, como por magia, com menos barreiras, com mais luz, melhor visibilidade, menos perigo e mais conforto para os seus utilizadores.
E os que gostariam que o muro fosse reconstruído de modo a ficar igual ao que estava antes? Também podem igualmente exibir os seus argumentos. Comecem, então, por focar, e com toda a razão, o enquadramento do velho Jardim no Largo, tendo em conta a traça dos muros que circundam igualmente o Jardim dos Cavalinhos e a centenária Sociedade Carlista. O eliminar da cerca do espaço ao lado pode, portanto, suscitar dúvidas e hesitações que poderão estar mais ligadas ao sentido estético e ao respeito pela possível perda de identidade daquela zona. É-lhes legítimo justificar a sua posição, lembrando a necessidade de manter a imagem que desde sempre tem caracterizado a Praça da República (que todos conhecem como Largo do Almansor) e que, com a nova obra concluída, irá, eventualmente, transformar-se numa espécie de campo de batalha entre o Clássico e o Moderno, entre a História e o Futuro, entre a ideia de Progresso, reflectida na maqueta, e o pensamento dos que poderão ser comparados aos Velhos do Restelo da nossa mais famosa obra literária.
Independentemente das opiniões, há uma verdade inabalável e indesmentível: quase dois anos passados sobre a data da derrocada, os montemorenses não querem esperar muito mais.
Agora, só nos resta saber se a publicação do projecto no Facebook, por parte do Município, foi para nos consolar e dar esperança em relação a uma intervenção a ser iniciada muito em breve, se foi para nos distrair ou entreter, enquanto se resolvem eventuais questões burocráticas/financeiras de última hora que irão atirar a remoção da trágica ferida para as calendas gregas. Aí, acho que vamos ter o caldo entornado.
João Luís Nabo, in "O Montemorense", Fevereiro de 2018