“Querido, a nossa sala precisa de um tapete novo”. Foi assim que a minha fofa me acordou numa destas manhã de domingo, esperando eu dormir mais um pouco…. “Concordas?” “Que remédio”, pensei meio ensonado, sentindo-me mais vulnerável que a Maria Antonieta com a guilhotina a traçar-lhe a goela. Arrisquei planear um golpe genial: “Um tapete deve custar para aí uns trinta euros… Talvez até possa fazer um pequeno assalto ao mealheiro dos gaiatos e fica a coisa a custo zero.”
Puro engano. Nem trinta euros, nem custo zero.
Três dias depois, chegava eu do emprego, vi à porta de casa um camião com um enorme toldo a tapar a carga. Lá de dentro saiu um homem com um tapete ao ombro. Entrou pelo meu portão e foi tocar à minha campainha. A porta abriu-se e ele lá entrou para fazer a entrega. Quando lhe ia a dar os trinta euros (os meus filhos nem sonhavam onde eu os tinha ido buscar) a minha mulher pediu-me que me desviasse: atrás de mim estavam mais quatro homens prontos a entrar com dois sofás, dois jogos de cortinados, uma estante para os filmes e para os CDs, um armário, daqueles onde se põe a louça que nunca se usa, e mais dois tapetes: um persa, outro arraiolos.
Fiquei mudo de espanto e, querendo saber o que se passava, fiz sinal à minha mulher. Ela fingiu que não estava a perceber nada, assim tipo Amália Rodrigues (“Obrigada, obrigada, gosto muito da Maluda!”), sorriu com a diplomacia que a caracteriza e disse aos homens para procederem à colocação de tudo, no sítio certo. Em menos de dez minutos, o meu velho sofá das sestas de domingo tinha dado lugar a duas ergonómicas american size armchairs, a minha estimada mesa de pinho fora substituída por uma placa extensível que mais parecia um violino desenhado pelo Picasso no seu período rosa, as louças que nunca usamos passaram a ocupar o novo habitáculo, de design espacial, os cortinados cor-de-rosa choque foram profissionalmente pendurados em su sítio (e os outros foram a caminho do lixo) e o caixote da Laika – uma cadelinha amorosa - foi à vida e deu lugar a uma mini-cama própria para cão, com dois andares, ar condicionado e lençóis de cetim…. Descartáveis e biodegradáveis – como manda a lei da nova civilização.
Antes de saírem, um dos homens perguntou se não havia nada que se bebesse, porque estavam fartos de fazer força. Depois de terem bebido sete (sete!!!) das minhas cervejas de lata estupidamente geladas, reservadas para os amigos (que gostem de cerveja, claro) apresentou-ME uma factura que, pelo seu aspecto bastante “numérico”, me fez dar uma corrida à casa de banho (e mais tarde ao banco, como era de prever…).
Depois de passado o cheque (mas não o choque) perguntei à minha cara-metade: “Não querias só um tapete?” E ela respondeu-me, segura e inabalável, tipo Thatcher na guerra contra as Malvinas: “E achas que um tapete desta cor ficava bem na nossa sala cheia de trastes velhos?”
Esta história verdadeira contei-a a um amigo, há meia dúzia de anos, depois de ele me ter dito com ar feliz e ingénuo: “Olha, vou casar com a Isabel!” Não sei se ele retirou daqui algum ensinamento. Disseram-me há dias que tinha sido visto no Tibete, onde vivia num convento como monge budista.