quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Chover no molhado e outra questão de igual importância

 


                                                             
   (foto: Agência Lusa)


                                                         Chover no molhado
                                                                                              

Escrever sobre as cheias que têm mantido o país em polvorosa é mesmo chover no molhado, peço desculpa pela metáfora (e redundância) tão mal escolhida, tendo em conta as circunstâncias. No entanto, só de ver os tipos do Governo Costa, tapadinhos por um guarda-chuva, a correrem de um lado para o outro quem nem uns totós, deu-me pena, vontade de rir, ao mesmo tempo, e obrigou-me a escrever estas poucas linhas, porque de umas linhas mal alinhavadas é que eles não se livram.

Portugal continua igual a si próprio. Até me parece mentira que nós, em tempos (muito) idos, tenhamos dado mundos ao Mundo, com vícios e virtudes, usando a espada e a bíblia da melhor forma de que éramos capazes. Como foi possível criar um império daquelas dimensões, contrariando ventos e marés, quando hoje, em pleno início deste novo e grandioso milénio (que só nos tem trazido problemas), não conseguimos resolver o grave problema das inundações em Lisboa, no nosso queridíssimo Alentejo e noutros pontos do nosso belo e turístico país?

Passámos meses, longos meses, anos, longos anos, sem praticamente cair uma gota de água do céu, valha-nos Cristo e Nossa Senhora, para, quando a temos a cair em força nas nossas cabeças, não sabermos o que fazer com ela. É por estas e por outras que ficamos conscientes de que o país está podre e incapaz de enfrentar desafios sérios como o das alterações climáticas, associado à má gestão urbanística, à falta de limpeza das sarjetas e escoadouros, uma coisa tão simples e, ao mesmo tempo, tão difícil de concretizar. Depois, e é isso que me deixa estupefacto, é vê-los mandar desentupir os esgotos, como se não houvesse amanhã. E é ver centenas de bombeiros, sem dormir, exaustos, a procurar por todos os meios acudir aos aflitos.

As crises deste género têm a ver com essas questões tão em voga e tão verdadeiras das alterações das condições do clima. Já todos reparámos que, em vez das quatro estações do ano, ficámos só com duas e que, qualquer dia, quando tudo for de pantanas, ficamos sem nenhuma, que era o que nós merecíamos, por sermos descuidados e imprudentes. Estas crises também são provocadas pela incúria dos homens, e sobretudo dos homens e mulheres que se sentam, e bem sentadinhos, nos lugares de poder. Quando vejo o Costa, o Moedas, a Vieira da Silva, o Marcelo e outros fofinhos que tais a darem abracinhos nos que viram toda a sua vida ser levada por uma enxurrada de água e lama, dá-me vontade de fazer uma coisa que não vou aqui escrever, até porque é contra as normas da decência e da moral.

Os donos dos cafés, dos supermercados, das lojas, das casas, das garagens, dos armazéns, dos campos, não querem um ombro amigo para chorarem as suas mágoas bem reais e que passam pela sua própria sobrevivência. Os que perderam carros, mobílias, animais, hortas, pessoas de família não querem palavras amiguinhas vindas do coração (até porque os políticos não têm coração), nem selfies, nem televisões a quererem filmar a dor, a raiva e a revolta. O que todos eles querem, e nós também, é que os políticos se deixem de caridade bacoca, de consolos que não sabem a coisa nenhuma, e reajam, finalmente, como políticos verdadeiramente sérios, que querem, de facto, resolver as questões que, ao longo dos tempos têm, repetidamente, prejudicado, e de que maneira, cidadãos de trabalho, pagadores de impostos e eleitores livres. Quando colocamos conscientemente o nosso voto na urna, não será para alargarmos o nosso círculo de amizades e irmos, mais dia menos dia, beber um copo com os nossos candidatos preferidos. O voto é para que eles cuidem de nós, nos protejam e não dediquem o seu tempo a assobiar para o lado em processos gravíssimos de roubo, peculato, abuso de poder, transferências financeiras indevidas que, no nosso país já dariam para uma série da Netflix com mais de 30 temporadas.

Portugal está a ser mal tratado por quem o governa? Ainda têm dúvidas? Portugal, que foi rei e senhor de metade do planeta, sendo (muito) discutível a forma como o conseguiu, não devia estar a afundar-se, só porque os políticos estão mais preocupados em salvar alguns bancos e alguns banqueiros, apresentando uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma a quem, de facto, merece apoio e solidariedade nos momentos mais complicados das suas vidas.

 

 Sim, Cristiano, gostava de tomar um café contigo

 O outro assunto que, para mim, está esgotado, é o do Cristiano. A comunicação social faz e desfaz pessoas, cria e destrói, glorifica e demoniza quem está sob a luz ofuscante dos seus holofotes. Achei absolutamente inacreditável que, enquanto decorria o Mundial do Qatar, os jornais e as televisões tentassem, por todos os meios, expor o Cristiano, como se não soubessem que tudo o que se dissesse ou pensasse sobre ele acabaria por condicionar a equipa da qual ele era capitão. A nossa equipa. A equipa das quinas. A equipa dos “heróis do mar”. Provavelmente, também ele deveria ter escolhido outra oportunidade para a malfadada entrevista a uma cadeia de televisão britânica. Aceito.

Quem não percebesse bem o que se estava a passar depois dessa entrevista, pensaria que a comunicação social portuguesa e mundial queria mesmo era que o Cristiano se tramasse e tramasse a selecção. O Campeão manteve-se sereno, calmo, ignorando as ogivas que lhe mandavam, até que foi o próprio seleccionador que lhe deu o tiro de misericórdia: Cristiano para o banco, porque tu, o que mereces, é estar no banco.

No íntimo do melhor do mundo, esta decisão acabou por ser arrasadora, levando a autoestima de Cristiano a descer ao nível dos infernos. Coloquei-me no lugar dele e descobri que não conseguiria ter a classe que ele teve: se o Santos insistisse em manter-me no banco, eu teria ido até ao centro do relvado, despido a camisola das quinas e regressado a casa, nesse mesmo dia, para os braços da minha Georgina.

Esse tal seleccionador não merece continuar.

 

Quanto ao Cristiano, um dia que ele passe pela nossa santa terrinha, não me importava nada de tomar um café com ele, antes de termos uma conversa séria sobre lealdade e confiança. Mas isto sou eu a dizer. Eu… que nada percebo de futebol.

 

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Duas reflexões

 


Novas ditaduras

O mundo começou, recentemente, a dar provas de uma polarização sem precedentes na política e nos partidos que a fazem. Os Estados Unidos da América e o Brasil são disso exemplo quando, nas urnas, a esquerda e a direita, nos seus conceitos mais tradicionais, lutam seriamente pelo poder, ganhando uma delas sempre à tangente.

Lula da Silva e Bolsonaro, recentemente, e Biden e Trump, em 2021, perceberam e mostraram como as respectivas nações de encontram divididas, com dois grandes grupos perigosamente separados e com uma força eleitoral muito equivalente. Sempre abominei ditaduras venham elas dos partidos e regimes admirados pelo Chega, surjam elas dos partidos e regimes idolatrados pelo PCP. Uma ditadura de esquerda, como as que dominam na Coreia do Norte ou na China, é tão perigosa como a ditadura Russa ou como a hegemonia bélica e territorial, e a política de ingerência noutros países, dos Estados Unidos da América.

Estes resultados e aquilo que todos nós vamos testemunhando levam-nos a concluir que as políticas de esquerda nem sempre são as mais liberais e que as de direita nem sempre são as mais conservadoras, mas, e é o que se revela mais importante, nenhum tipo de ditadura serve os princípios de um mundo livre e democrático. É então que se coloca a questão: se assim é, qual o motivo de resultados tão iguais nas eleições mais recentes? Por que terá vencido a candidata pelos Irmãos de Itália, um partido conotado com a extrema-direita italiana?

A História recente, bem recente, provou-nos quais eram as consequências para os cidadãos quando governados (leia-se oprimidos) por ditaduras: Hitler, na Alemanha, Mussolini, na Itália, Franco, em Espanha, Salazar, em Portugal, Estaline, na União Soviética. Regimes totalitários que não admitiam a diversidade, a pluralidade de ideias, de religião, de pensamento, tendo como remédio para tais “desvios” a censura, os campos de concentração, as prisões, as torturas, as deportações, os fuzilamentos. A História ainda mais recente mostra-nos o que acontece no Iraque, no Irão e noutros países onde a religião se confunde com o Estado e onde a ausência do voto livre se traduz num futuro de repressão, de miséria e de obscurantismo, sobretudo para as mulheres.

As novas gerações e o desconhecimento cada vez maior que têm da História, do nosso passado enquanto portugueses e europeus, pode ser um dos motivos pelos quais se começa a vivenciar este “ela-por-ela” entre regimes que podem assegurar alguma segurança aos seus cidadãos e outros que são, pelo discurso dos seus líderes, agarrados a um populismo nunca visto, uma clara porta aberta a um futuro incerto e meio obscuro. Por cá, os partidos do chamado Centro estão cada vez mais encostados à esquerda ou à direita, porque começam a perceber que é aí que vão recolher os votos de que precisam para “tomar” o poder. O Partido Socialista terminou há pouco uma relação com os partidos de esquerda, e o PSD anda, vai que não vai, a querer respirar os ares do Chega.

Os portugueses ainda podem, por enquanto, pensar por si. Os picos de crise económica, como a que está neste momento a acontecer, e que levam a graves crises sociais, são o rastilho para que, à imagem de outros tempos e de outras nações, surja um salvador da pátria, com olhos mansos e voz firme.

Cá por mim, vejo com olhos turvos os caminhos que se avizinham.

 

 

Uma nova escola

 A inclusão de inúmeros alunos de origem brasileira nas turmas das escolas portuguesas tem obrigado os professores a um golpe de rins como há muito não se via. Provenientes de um sistema de ensino completamente diferente do sistema português, estes jovens têm agora de se adaptar aos novos programas, à nova forma de testes e exames, à exigência que os profissionais aplicam à gestão das suas salas de aula e, até, à forma de falar dos professores portugueses que, como sabemos, nem sempre é completamente entendível pelos alunos brasileiros, quer pelo sotaque europeu, quer pela utilização de palavras e expressões do português de Portugal que nada têm a ver com o português do Brasil.

Ainda que unidos pela língua, falta-lhes, e a nós também, o conhecimento mais profundo de ambas as culturas e vivências, das experiências do presente e do passado, para que nos seja permitido a todos, alunos  e professores, criar uma plataforma de entendimento, de modo a que o sucesso escolar seja possível. Se há professores legitimamente preocupados com as avaliações dos seus alunos, tanto portugueses como brasileiros, outros pensam que essa questão, mais académica, deverá ficar secundarizada pela importância fundamental a dar, antes de mais, à inclusão desses jovens (e de outros de outras nacionalidades), não só nas nossas turmas mas também na nossa vida, na vida da nossa cidade e das nossas associações e grupos de trabalho ou de lazer. E sem esquecer que a nossa atenção deve igualmente estar virada para a adaptação dos alunos portugueses a estas novas relações, porque também eles estão a viver uma nova experiência, que sendo, à partida, enriquecedora e importante para o seu crescimento como seres sociais, tolerantes e inclusivos, pode não ser fácil de gerir e cimentar.

Porque as escolas se vão tornando a cada dia que passa, cada vez mais “internacionais”, é vital a alteração de todo um sistema com largas dezenas de anos, de modo a acolher um número cada vez mais crescente de alunos estrangeiros espalhados por todo o país e criar as condições adequadas para que os alunos portugueses possam e saibam receber e apoiar quem chega à sua escola, tendo deixado atrás de si uma história de vida, um lar, uma escola, amigos e familiares.

Até há uns meses a esta parte, tudo tem sido muito fácil. Vamos começar agora a ser postos à prova.

 João Luís Nabo

In "O Montemorense", Novembro 2022

sexta-feira, 14 de outubro de 2022

Duas coisinhas, apenas

 

 Rui Horta – de Montemor para o Mundo

Depois de ter trabalhado nos mais prestigiados palcos do mundo, Rui Horta chega à cidade de Montemor-o-Novo e instala num esquecido convento dominicano, quase em ruínas, o hoje incontornável Espaço do Tempo. Vinte e dois anos depois, o edifício está, finalmente, prestes a entrar em profundas obras de restauro e Rui Horta despede-se publicamente do cargo de director artístico, no Cine-teatro Curvo Semedo, com a sua derradeira criação.

A escolha do Convento da Saudação para berço da sua instituição levou a que aquele elemento dominante do nosso património arquitectónico se transformasse num ícone de criação e liberdade, objectivos exactamente opostos aos promovidos quando da sua construção, no início do século XVI, para albergar um grupo de conformadas freiras dominicanas.  Deliciosas ironias da História.

Do alto do monte maior para o Mundo, Rui Horta e o Espaço do Tempo acabaram por confundir-se um com o outro ao longo destes vinte e dois anos de existência. No velho convento, casa aberta para criadores e artistas de todo o globo, nasceram obras absolutamente únicas que acabariam por percorrer os grandes palcos do planeta.  Passou, pois, a haver, a partir de determinado momento, dois tempos diferentes: Antes do EdT e Depois do EdT. Durante esta segunda era, que se prolonga até hoje, as instituições da cidade e do concelho foram amigável e carinhosamente confrontadas com os seus limites, através de novos desafios estéticos, técnicos e performativos, que as obrigaram a sair das suas zonas de conforto e a acreditar que, em palco, sob a luz da ribalta, todas podiam ser mais, muito mais, do que a soma dos seus elementos. Assim, também os artistas amadores desta cidade e do concelho – grupos corais e de dança, bandas filarmónicas, escolas, grupos de teatro e associações da mais diversa índole – tiveram lugar nos planos do coreógrafo ao longo destas duas décadas. Lúmen, a sua grande festa de despedida, foi, sem dúvida, disso a melhor prova ao envolver perto de meia centena de actores, bailarinos, cantores, técnicos e produtores que demonstraram, em três sessões praticamente esgotadas. no monumental cine-teatro da cidade, que não há limites para a criatividade.

A partir de agora, novos tempos se aproximam. Rui Horta deixará a direcção artística do Espaço do Tempo, mas a herança do Homem, do Coreógrafo, do Bailarino, do Artista e do Humanista, irá perdurar e, sob a nova direcção artística de Pedro Barreiro, a instituição continuará, temos a certeza, a abrir portas ao Mundo, à cidade e ao concelho, às suas forças vivas e aos seus habitantes.

 



Marcelito, já te tenho dito…

Se em Montemor o cenário do nosso quotidiano é, aparentemente calmo, com uma ou outra excepção divulgada nas redes sociais, mas que aqui não terá tempo de antena, já no país as coisas estão  ao rubro e logo com o nosso querido Marcelo no centro das atenções. E isto, porquê? Porque o senhor não se cala nunca. E quem temos visto e ouvido nos últimos tempos não é o Prof. Marcelo, Presidente da República, mas o Prof. Marcelo, comentador da TVI. Amante de multidões, venerador de jornalistas, esqueceu-se há algum tempo, e de forma completa, de que mudou de funções há pouco mais de seis anos.

Depois, há outra coisa que começa a irritar os portugueses. Como se  costuma dizer que quem foi professor nunca o deixou de ser, Marcelo, cada vez que vê uns microfones apontados ao nariz, assume que é seu dever dar aulas de moral aos portugueses, ao primeiro-ministro, aos ministros, ao clero… E, depois, para ele as coisas estão quase sempre bem. Portugal é o maior, os portugueses são espectaculares, mostram-se solidários uns com os outros, hospitaleiros para quem escolhe o nosso país para viver, quando a verdade nem se aproxima desse país de sonho, habitado por fadas e gnomos: estamos novamente a caminho de qualquer coisa próxima da bancarrota, os preços não param de aumentar com a subida dos preços dos combustíveis, há um ditador por aí, algures, a matar ucranianos e a mandar em nós todos, alguns compatriotas nossos assassinam as mulheres e violam os filhos, muitos dos imigrantes, que chegam às dezenas diariamente a Portugal, são despejados em barracas perto das zonas de trabalho e ali sobrevivem na maior das misérias, longe da família, vítimas de exploração e de chantagem, os escândalos com membros do Governo e com elementos da Igreja não param de crescer… E fico-me por aqui.

            Por isso, caro Professor Marcelo, Portugal, nos tempos que correm, até nem está nada de especial, por muito que o senhor não queira ver. E há assuntos em que não se devia meter. Lembra-se de um senhor chamado Cavaco Silva? Recorda-se de ele ter pedido desculpas aos portugueses por alguma barbaridade que tenha dito? Pois… Cautelas e caldos de galinha nunca foram demais. Fez os seus dois mandatos caladinho que nem um rato e hoje, assim que fala ou escreve um livrinho, toda a gente abre os ouvidos, num misto de curiosidade e receio do que ele vá dizer… Eu, pessoalmente, gosto mais de si, Professor Marcelo, e é por isso que começo a sentir, se me permite, alguma vergonha alheia quando o ouço nas televisões.

A sua presença na minha (nossa) vida é tal, que já cá disse em casa que, qualquer dia, quando regressarmos do trabalho ou dos ensaios do coro, ainda o vamos encontrar a brincar com  Balú e a Ginja, à nossa espera para o jantar. Provavelmente, até já pôs a mesa e aqueceu o resto da sopa e o bacalhau à Brás que sobrou do almoço, que isto, como a coisa está a ficar, não se pode desperdiçar nem um raminho de salsa.  

João Luís Nabo

In "O Montemorense", Outubro de 2022

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Horta, Rui: montemorense honorário

 



Há 22 anos, um cavaleiro chegou a esta cidade, vindo de terras longínquas por ele conquistadas. Cidades distantes e enormes: Frankfurt, Zurique, Londres, Montréal, Copenhaga, Tóquio, Berlim, Gent, Nova lorque, Toronto, Moscovo, Lyon, Paris, Munique, Düsseldorf, Genève, Malmö, Gotenburgo, Avignon, Lisboa…

Depois destas e de outras que não cabe aqui enumerar, o cavaleiro ordenou que se tomasse uma pequena cidade ao Sul do Tejo, chamada Montemor-o-Novo. “Montemor-o-Novo, mestre?”, perguntou-lhe um dos cavaleiros. “Montemor-o-Novo será”, respondeu o mestre.

Não trazia cavalo, nem espada, nem armadura, nem se lhe ouviram quaisquer gritos de guerra. O Rui trazia na bagagem a vontade e a paixão e uma colecção infindável de prémios atribuídos pelas mais altas instâncias culturais de muitos países da Europa. Então, quando chegou, subiu discretamente ao monte mais alto, olhou a povoação em volta e disse: “É aqui.” Tomou o castelo sem hesitar e aquartelou-se com as suas tropas fiéis no velho Convento de Nossa Senhora da Saudação e ali, naquele espaço quase esquecido, mas sempre místico, preparou-se para, quero acreditar, a maior conquista da sua vida.

Assim, depois de uns dias de merecido repouso, enviou ao arrabalde o seu pequeno exército que, sob o seu comando, deu início à invasão mais pacífica da História da Humanidade. As instituições, as associações, os grupos, as escolas, as colectividades, as pessoas foram os seus únicos alvos. Posso testemunhar, e vocês também, que todos os edifícios ficaram intactos. E, ao contrário de outros conquistados, que se recusam, por direito, a sê-lo, aqui, nesta terra tranquila, de gente de trabalho, de músicos e poetas, todos se deixaram voluntariamente dominar.

Não resisto em inspirar as próximas linhas num pequeno texto que escrevi, há pouco tempo, para o Rui, sobre o Rui. Consumada a tomada da cidade, mergulhando no ser e no saber deste povo tão extraordinário que é o nosso, Rui Horta e o Espaço do Tempo começaram a confundir-se um com o outro ao longo dos seus 22 anos de existência. Passou a haver, a partir de determinado momento, dois tempos diferentes: Antes do EdT e Depois do EdT. Nesta segunda era, que se prolonga até hoje, as instituições da cidade e do concelho foram amigável e carinhosamente confrontadas com os seus limites através de novos desafios estéticos, técnicos e performativos, que as obrigaram a sair das suas zonas de conforto e a acreditar que, em palco, sob a luz da ribalta, todas podiam ser mais, muito mais, do que a soma dos seus elementos.

A escolha do Convento da Saudação, na nossa cidade, para berço desta instituição, levou a que aquele elemento dominante do nosso património arquitectónico se transformasse num ícone de criação e de liberdade, objectivos exactamente opostos aos promovidos quando da sua construção, no início do século XVI, para albergar um grupo de religiosas dominicanas.  Deliciosas ironias da História.

A partir de agora, novos tempos se aproximam. O Rui deixará a direcção artística do Espaço do Tempo, mas acreditamos que a herança do Homem, do Coreógrafo, do Bailarino, do Artista e do Humanista, irá perdurar e que, sob a nova direcção artística do Pedro, a instituição continuará a abrir portas ao Mundo, à cidade e ao concelho, às suas forças vivas e aos seus habitantes.

            A montra de galardões que o Rui conquistou durante a sua vida ainda não está completa. Falta-lhe aquele prémio que vai receber de todos nós, esta noite. Assumo perante todo este público que não fui instruído ou mandatado por quem quer que seja, mas tenho a certeza absoluta de que posso, sem qualquer receio, e em nome de todos, condecorar o Rui Horta com o mais precioso galardão que nós, montemorenses, lhe podemos atribuir. Assim, em nome de todos e da amizade e do carinho que sentimos por ti, e em recompensa pelas “obras valorosas” que nos ensinaste a amar, e pela revolução cultural que operaste na nossa cidade, e porque Montemor também é a terra da Pia e dos teus filhos, por tudo isto, concedemos-te orgulhosamente o mais alto grau que o nosso coração permite: O GRAU DE MONTEMORENSE HONORÁRIO PARA TODO O SEMPRE!

            Obrigado, Rui!                                                                      

   LÚMEN - Cine-teatro Curvo Semedo, 23 de Setembro de 2022

                                                                                     João Luís Nabo

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

A rentrée

 


O Professor Marcelo anda muito chochinho. Se eu reparei, que sou um distraído de primeira água, toda a gente, decerto, reparou: um permanente sorriso triste, quase tipo Mona Lisa, uma enorme contenção nas palavras, quase tipo Cavaco Silva, nos seus tempos áureos de Presidente da República, uns tabuzinhos à mistura, menos selfies com o povinho, poucos abracinhos ternurentos às velhinhas e crianças, não beijou a barriga de nenhuma grávida, enfim, atitudes sintomáticas de alguma dorzinha que é, com certeza, de alma, porque de corpo não se nota nada, ainda que o seu caminhar seja menos perturbador e um tudo nada mais lento. Não é para admirar, senão vejamos: foram os terríveis incêndios deste Verão, a guerra na martirizada Ucrânia (ele gostaria de ter lá ido fazer uma selfie com o Zelensky, mas não lhe calhou, por enquanto…), o aumento do custo de vida, os tiros no pé do senhor ministro Pedro, a demissão, após cansaço extremo, da senhora ministra Marta, as gaffes da senhora directora-geral da Saúde, a insuficiência de médicos obstetras, o que dificultou a vida de dezenas de grávidas e dos seus aflitos maridos ou companheiros, a subida escandalosa do preço dos combustíveis e, agora, para acabar em beleza, a sua pose tímida ao lado de Bolsonaro, enquanto esta personagem celebrava o Dia da Independência do Brasil com um vergonhoso comício para as eleições presidenciais de 2 de Outubro… Enfim, dramas que, neste último caso, as regras do protocolo oficial não conseguiram, nem podiam, resolver…

No seu regresso a Portugal, e novamente de frente para a crise que já se anunciou, Marcelo apetece-lhe falar, dizer muita coisa sobre o Governo de Costa, desancar na cada vez maior falta de tacto que ele e os seus ministros (uns mais do peito que outros) têm manifestado para tentar salvar o país (pelo menos, é o que eles dizem por aí). O Professor Marcelo está tristonho e enfadado, porque sabe que Portugal está um caos (onde só os ricos e os muito ricos se safam), a caminho de um buraco negro de onde, mais uma vez, vai ser difícil regressar. Até já sonhou o senhor Presidente, dizem os dois ou três assessores que lhe vigiam o breve sono, que Costa não vai aguentar até ao final da legislatura.

 

Passaram as férias. Ansiadas desde o fim das últimas, ainda em pandemia, estas chegaram, estiveram e… foram embora. Umas férias anormais, desta vez, mas com um sabor que me deixou triste quando se despediram. Nada de praias, nem de montanhas, nem de viagens para ilhas paradisíacas. Nada de caminhadas, nem de ginásio, nem de pescaria na Barragem dos Minutos, nem de piscinas públicas ou privadas. E nada de máscaras, também. Nada de nada. Apenas se deixou fluir o tempo e se fez o que nos apeteceu, sem agenda nem relógio. Algum trabalho, voluntário já se vê, umas belas noitadas de escrita, a pensar nos leitores que já terminaram o Ciclo Lunar e que se sentem perdidos sem livros para ler, muitas séries na Netflix e noutros canais (já viram The Handmaid’s Tale?), um ou dois almoços com amigos, mas amigos com quem vale a pena almoçar (ou jantar, ou passar o resto da vida), alguns encontros deliciosamente inesperados, convívio mais estreito com o pessoal da casa e seus deliciosos pares e amigos(as), casamentos, baptizados, aniversários da filharada, funerais, enfim, o pacote completo para, mesmo de férias, nunca deixarmos de ter os pés bem assentes no chão, neste chão alentejano que queima e aquece, que nos agarra como coisa própria sua.  

Pode parecer comum para a maioria, o que, para mim, é extraordinário e cada vez mais constante: saborear cada momento em que estamos vivos e com quem gostamos de estar. Como dirão, no seu delicioso linguajar, alguns alunos meus, máxima que eu partilho com mais intensidade cada dia que passa e me faz aproximar do fim: “Fretes não é a minha cena!” Entre outras concordâncias que me unem à mulher mais velha cá de casa, está esta que ela me atira logo de seguida, numa resposta imediata, sem pausa, nem dramática nem de outro género qualquer: “E a minha também não!”

 

O final das férias é, invariavelmente, assinalado com a Feira da Luz na nossa cidade. E a deste ano, depois de dois Setembros de jejum, ainda que algumas pessoas não concordem, foi das mais espectaculares de sempre. Apesar dos momentos de crise que começámos a viver, o discurso optimista do Presidente da Câmara, na inauguração da festa, e a sua abertura à intervenção de outros convidados, dá-me margem para acreditar que é possível fazer de Montemor uma cidade e um concelho, tal como ele referiu, visíveis em todo o Mundo. E a vários níveis: cultural, económico e turístico.

Para além da Câmara Municipal, se há mais alguém responsável pela divulgação dos eventos e iniciativas destes dias de rentrée, é a equipa de comunicação da autarquia que, em serviço permanente, espalhou, ao minuto e aos quatro ventos, o que de bom havia no recinto do certame. Atrás do nome Feira da Luz/Expomor ia, obviamente, colado o nome daquela cidade onde tudo é possível acontecer. Até, vejam só, uma utilíssima mudança nas mentalidades. 

        Quando acabei de colocar o ponto final no texto, veio a notícia da morte de uma mulher que parecia eterna e que vai ficar para sempre na nossa memória.

            The Queen is dead. Long live the King!

João Luís Nabo

In "O Montemorense", Setembro de 2022

 

 

 

           

 

 

sexta-feira, 15 de julho de 2022

Antes de férias

 




Antes de férias

I

 Os fogos que se fazem sentir na nossa terra e que assolam violentamente o país tiram-nos o sono e dão-nos matéria para pensar por que motivo todos os anos a tragédia se repete, sem apelo nem agravo, para depois, no rescaldo, escutarmos os políticos a propagarem soluções que, afinal, não foram aplicadas em seu devido tempo. Esses políticos devem pensar que somos todos uns totós.

Cada Verão com incêndios é um desrespeito total pelos bombeiros deste país, pelas suas famílias, é um brincar com os bens de cada cidadão que, de um momento para o outro, se vê privado de tudo o que conquistou com o seu suor e com o seu trabalho, isto quando não perde para sempre familiares e amigos.

Todos nós temos amigos, familiares e conhecidos por esse Portugal fora e é por isso que nos agarramos à televisão quase obsessivamente para estarmos a par do evoluir dos acontecimentos. Entretanto, vamos sabendo que apanharam um ou outro incendiário que, apesar de terem destruído vidas e bens, continuam a ser tratados por… alegados incendiários.

Este é um país de palhaços e de branda justiça. Não se entendem as penas levíssimas que se aplicam a esses criminosos, sem, muitas vezes, se proceder a uma investigação completa, de modo a saber-se quem são os verdadeiramente responsáveis que mandam esses inconscientes, sedentos de dinheiro, proceder à criminosa ignição a troco de meia-dúzia de tostões. É de pasmar, e isso é que nos tira do sério, quando o incendiário, já condenado, é libertado pouco tempo depois, para voltar, no ano seguinte, a cometer o mesmo crime. É o país que temos. São estes os tribunais que regulamentam a nossa vida e são estes os políticos que elegemos, e que, diga-se a verdade, já não sabem como lidar com tantas crises ao mesmo tempo.

Quem deve estar completamente passado com tudo isto é Marcelo. Mas Marcelo tem de manter a postura de Estado e não poderá jamais mandar Costa à fava, ainda que o acto fosse precedido de uma vénia e de uma… selfie.

  

II

 A partida precoce de colegas, vizinhos e amigos atinge-nos sempre como um murro no estômago. E aí pensamos que não vale a pena tantas brigas, tantas rivalidades, tantas invejas e malquerenças por tudo e por nada. Mas é só aí. Passados uns dias, o nosso modo de vida volta ao normal, a nossa alma bondosa fica novamente sem tino e damos por nós a querer atropelar velhinhas nas passadeiras só porque elas andam muito de-va-ga-ri-nho…

A partida de gente boa deixa-nos um vazio no coração, pensava eu até agora. Na despedida de uma amiga, um jovem padre, que eu muito admiro, numa breve homilia, simples mas eficaz, como eu nunca tinha ouvido a padre nenhum antes (e eu tenho ouvido muitos padres, acreditem), falou do coração de quem fica e não referiu esse espaço como um lugar esvaziado pelo desgosto. Falou dele como o espaço onde guardaremos as memórias dos momentos que passámos com quem partiu. Não, o coração ficará sempre preenchido por tudo o que, na vida, já não se torna possível fazer. E tem razão o jovem padre. E tinha razão a Carla, que amava cada momento e cada pessoa como se fossem únicos.

É a partida dessas pessoas boas que nos dá vontade de voltar atrás e de dizermos mais vezes o quanto gostávamos delas. Mas, agora, já é tarde para isso. Usemos, pois, o coração. Mas não será tarde para os outros que continuam connosco. Dizermos que gostamos uns dos outros, e dar-lhes sempre o melhor de nós, devia ser uma regra a cumprir antes que seja tarde demais


III

Recomeçámos o ginásio porque vêm aí os dias de praia e a nossa vaidadezinha de pormos as nossas banhas com menos volume é mais forte do que a vontade de beber uma mini. Ou duas. E lá vão elas e eles suar que nem uns malucos, como se o calor que nos ataca diariamente não fosse suficiente para nos espremer até à última gota. Enfim, lá ficamos mais equilibrados em termos estéticos, a nossa saúde melhora consideravelmente e, na praia ou na piscina do hotel, não há ninguém que não nos siga com o olhar, cheio de inveja dos nossos abdominais, dos bíceps bem definidos e dos gémeos bronzeados e brilhantes. Quem não teve tempo de ir gastar as suas energias e as suas calorias-extra no ginásio mais próximo, pode sempre fazer como eu. Quando atravesso o areal, antes do belo mergulho, inspiro e aguento a respiração até estar completamente tapado de água. Aí, os meus abdominais definidos transformam-se num flácido one-pack, que terei de voltar a disfarçar quando regressar à toalha onde a Fofa me espera cheia de orgulho no meu físico e na minha estratégia para enganar velhinhas reformadas.

IV

As férias grandes vêm aí, já toda a gente percebeu. A malta nova já não combina pescarias no Pego do Poço, nem concursos de natação na Pintada. As distracções são outras, até porque o Pego do Poço e a Pintada, e outros lugares (agora diz-se spots) do nosso rio já praticamente não existem como nós os conhecemos.

Saídas à noite, temporadas nas piscinas da terra (ou nas piscinas dos amigos), passeios até ao Algarve ou ao Norte, onde, à partida, estaria mais fresco, são formas de passar estes longos dias que se aproximam. E, claro, sempre ligados às redes sociais, porque é fundamental irmos publicando minuto a minuto o que fazemos, o que comemos, com quem saímos, onde estamos e onde vamos estar. Nem que seja para fazermos inveja a alguém em particular.

Já agora, e à laia de despedida, pois só vamos regressar em Setembro, se estivermos ainda por cá, distraiam-se e… leiam uns livros. Bons autores, boas histórias, universos únicos, inventados para nos reencontrarmos connosco e com o Outro, para podermos ser, nem que seja na ficção, amados e felizes.

JOÃO LUÍS NABO

In "O Montemorense", Julho de 2022

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Balanços

 

       


 

        Já se escreveu muita asneira sobre a pandemia, sobre os cuidados a ter, sobre as cadeias de transmissão, os contágios, as vacinas, as urgências em ruptura, médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares em exaustão profunda. Tenho a sensação de que poderá tudo começar outra vez, com o levantamento das medidas. Talvez não. Teremos, segundo alguns analistas, de aprender a viver com o vírus e andar com a vida para a frente.  Quero acreditar que assim é. Porque também estou farto de tantos medos e de tantos afastamentos. Quem me tira um abraço, um xôxo repenicado, uma almoçarada descontraída, um concerto vivido ao extremo, uma aula sem máscaras e sem gel… tira-me tudo. Ainda assim, o horizonte não se me afigura muito seguro.

 

            Estamos a encerrar o ano lectivo, mais um ano lectivo, fazendo o balanço dos pontos altos e dos pontos baixos desta maratona de nove meses. Querem saber o que eu acho mesmo? Acho que uma parte dos alunos anda demasiado envolvida em projectos de vária ordem e mal tem tempo e concentração para se dedicar aos estudos das matérias, essenciais para um prosseguimento académico seguro e sem sobressaltos. Claro que as actividades extra-curriculares são importantíssimas no desenvolvimento dos jovens e das suas capacidades intelectuais, sociais e humanas!  No entanto, há que restabelecer um certo equilíbrio para que as actividades fora da sala de aula sejam complemento das matérias e das vivências intramuros. Se não houver essa aquisição de conhecimento, as actividades fora da escola não poderão complementar seja o que for.

 

            A guerra na Ucrânia passou de muito dramática a dramática, de dramática a coisa comum, que irá decorrer até ao fim do ano (dizem). A frieza com que, aos poucos, começámos a encarar os números de mortos, feridos, estropiados, desalojados, o olhar acrítico que dirigimos às imagens e às notícias que continuam a chegar-nos todos os dias a casa assusta-me tanto como a própria guerra. Indigna-me mais do que a impotência manifesta da União Europeia perante este verdadeiro genocídio.

 

Temos um Presidente da República fala-barato. Não é novidade e até achamos alguma piada quando ele, sempre muito desbocado, conta coisas ao país que António Costa não quer que se saibam. Mas ele é assim: professor, comunicador, pedagogo e… fala-barato. Muitos ministros deverão, com certeza, dirigir-se a ele para tomarem conhecimento de assuntos dos seus próprios ministérios…

Cá em casa, e perante estes meus desabafos, a Fofa respondeu-me que o objectivo do Professor Marcelo é compensar o prolongado tempo de silêncio em que vivia mergulhado o Professor Aníbal, que nunca comentava nada, que nunca sabia de nada, que nunca dizia nada. “Agora que devia estar calado”, acrescentou ela enquanto fazia uma festinha ao Balú, “é que aparece, vindo de outro mundo, a espalhar veneno sem dó nem piedade!

 

No momento de produção deste pequeno conjunto de textos, uma das notícias que enche os telejornais é a falta de médicos obstetras nos hospitais da Região de Lisboa. Se me dissessem que esta situação se passava no interior do país, aceitava melhor, ainda que contrariado. Agora, em Lisboa? Na capital do Reino? O que anda o Ministério da Saúde a fazer? E o resto do Governo? Ainda não perceberam que morreu um bebé recém-nascido, vítima desta situação inaceitável e absolutamente terceiro-mundista?

 

 

No passado dia 30 de Maio encerrou as suas portas uma das mais icónicas Casas da cidade. Tão icónica, que o Largo da República, onde se situa, passou a ser conhecido em toda a parte por Largo do Almansor – do Café Almansor. Fui cliente desde a minha tenra adolescência e foi lá, à volta de petiscos extraordinários, que reforcei laços de amizade e criei outros que duraram a vida inteira.

Pois no dia 30 fui ao Café Almansor pela última vez, despedir-me do Evaristo e do Zé Maria e das suas companheiras de uma vida. Deixei ficar dois exemplares do “Sertório”, história em que ambos têm uma breve participação, logo no segundo capítulo: “Pois o Zé Maria e o Evaristo, actuais proprietários do histórico Café, porque não tinham ninguém para servir, e porque as grandes novidades vinham do exterior, estavam à porta, quase em bicos dos pés, tentando descortinar os pormenores do terrível acontecimento, ocorrido mesmo à frente, no alto da escadaria, à porta da Sociedade Filarmónica. Os carros estacionados no parque diante do estabelecimento não se viam, de tal modo estavam cobertos de gente.”[1]

 Bom descanso para todos. A gente vai-se encontrando por aí.

 

Está calor. Sempre esteve calor no Alentejo nesta época do ano. Não havia era telemóveis para registar as temperaturas anunciadas pelos termómetros dos carros do pessoal e nem Facebook e Instagram e Twitter e má-na-sê-quê para fazer a respectiva publicaçãozinha.  Mas não são só as temperaturas altas. São também as baixas. Esperem por Dezembro e logo vêem… Mas o que mais me atormenta não é bem isto. Percebo que as pessoas queiram narrar ao minuto toda a sua vida, sobretudo quando fazem viagens exóticas, que é para irritarem os amigos. Compreendo, com uma enorme margem de tolerância, que ponham nas redes sociais os almoços, os jantares, as homenagens às mulheres, às noivas, aos noivos, às ex-, aos ex-, os concertos, as primeiras comunhões, os casamentos, as vendas dos trapinhos, as idas à pesca e à caça… Há influencers de fim-de-semana que publicam o que queremos e até o que não queremos ver. Qualquer dia, ainda assistimos ao filme da sua lua-de-mel e depois queixam-se de que foram vítimas de phishing ou lá como é que diz.

Mas ainda não é isto que me atormenta. O que me causa grande embechação, o que me tira o soninho e a vontade de existir é quando os autores das publicações põe um Gosto na própria publicação. E às vezes até numa foto tirada depois de almoço. Isto é que me tira do sério. De resto… nada a dizer.

 

 João Luís Nabo

In "O Montemorense", Junho de 2022



[1] In “Sertório, uma história de Vila Nova”, Edições Colibri, Lisboa 2021

domingo, 8 de maio de 2022

3 coisas importantes e 1 relativamente

 

(Foto: Vidas ao Minuto)

I         

            Sentados confortavelmente nos nossos sofás, continuamos a assistir ao massacre do povo ucraniano sem conseguirmos vislumbrar um fim para este conflito, que tem tanto de absurdo como de tenebroso. O ser humano continua a surpreender-nos pela negativa, e quando pensávamos, tranquilamente, que as atrocidades cometidas por Hitler durante os seis anos da Segunda Grande Guerra jamais se iriam repetir nos tempos mais próximos na Europa, eis que um novo senhor da guerra surge das estepes russas e desafia cinicamente e sem hesitações uma Europa actualmente pacífica e em permanente construção.

            Também não poderíamos pensar que o velho e bolorento conceito do “orgulhosamente sós”, ostentado por Salazar quando se referia à ofensiva portuguesa nas colónias de África, quando o resto dos países colonizadores tinham já iniciado a desocupação dos territórios de além-mar, voltasse a estar em duradouro vigor, no momento em que o PCP se recusou a aceitar a presença, ainda que virtual, do presidente Zelensky na Assembleia da República, ou quando, fazendo eco das  palavras de Putin, designam a invasão criminosa da Ucrânia pelos russos como uma “operação militar especial”.  

Pois estão cada vez mais orgulhosamente sós os seguidores de Jerónimo de Sousa, sem perceberem que o mundo é muito diferente do que era há cem anos, e que Marx e Engels seriam provavelmente os primeiros a lutar por uma Ucrânia livre, onde nenhuma criança, nenhuma mulher, nenhum trabalhador ficasse sem lar ou morresse às mãos de tropas invasoras. Não se compreende, por isso, a pacífica posição dos militantes do PCP, que só poderão sê-lo porque não se abstraem das linhas duras que os conduzem e limitam e que não os deixam colocar-se no lugar dos que ficaram com as suas vidas reduzidas a cinzas.

 

II 

Sem querer antecipar os resultados escolares dos alunos das nossas escolas, que estão prestes a terminar o ano lectivo, acho fundamental e urgente a realização de um estudo que nos mostre as consequências desastrosas que a pandemia teve sobre os seus estudos feitos em casa, sobre o valor real das aulas online, sobre a seriedade com que os testes de avaliação foram realizados (todos sabemos) com o mais variado tipo de auxílios. Creio que essa análise poderia dar origem a uma discussão oportuna sobre os benefícios (muito poucos) e os malefícios (muitíssimos) desse regime a que fomos todos obrigados a obedecer, tendo sido, na minha perspectiva, desastroso, quer para os professores, quer para os alunos.

Quando regressámos à escola, em Setembro de 2021, notámos quase de imediato a falta de conhecimentos de grande parte dos alunos em relação às matérias dos anos anteriores. Não ficámos surpreendidos (até porque pouca coisa nos surpreende já) porque também nós demos aulas online durante o(s) período(s) de pandemia, e sabemos como tudo decorreu.  O que é preocupante é saber de antemão que uma casa sem alicerces fortes e bem sustentados raramente se aguenta muito tempo de pé. O meu saudoso sogro, Valério Casadinho, dizia-me muitas vezes para me arreliar, já nos idos anos 90 do século passado: “Agora, como está o ensino, o melhor é parar antes de atravessar de carro uma ponte qualquer. Pára o carro, sai e bate duas ou três vezes com um dos pés no início do tabuleiro. Se a ponte se aguentar… passe. É que os engenheiros de hoje não são os mesmos de outros tempos.” E é nisto mesmo em que dou comigo a pensar. Nas futuras pontes e nas suas estruturas desenhadas e concebidas por engenheiros que tiveram aulas online por causa de uma estranha pandemia que quase deu connosco em loucos.

 

III 

            Parece que Portugal tem uma fama que vai longe, muito longe. Depois de Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, ter passado o primeiro cheque a Portugal no valor de mais de dois mil milhões de euros, no âmbito da tal Bazuca Europeia, parece que já há uns espertalhões preparadíssimos para se amanharem com uma parte da verba.

Quando António Costa levantou a primeira parte da esmola (seremos sempre um país dependente!!), alguns lobos escondidos começaram a salivar, prontos para o ataque. Senti vergonha quando o jornalista adiantou que parte do dinheiro iria ser alvo de fraude, havendo até possibilidade de serem atribuídos subsídios a duplicar às mesmas entidades. Parece que já está a ser formada uma comissão de fiscalização para detectar todos os tipos de roubalheira que alguns cristãos de carácter discutível decidam, por bem, levar a efeito.

Este país de santos e heróis deixa assim passar uma imagem absolutamente vergonhosa, espaço onde a ladroagem continua a ter algum sucesso. Os mais recentes foram a julgamento, mas a coisa parece que continua empatada com as cenas dos recursos e má-na-sê-quê. É o que há. E nós, que fazemos parte do imenso grupo dos mexilhões, ainda vamos ter uma palavra a dizer sobre o assunto. Mas só depois de o Costa, ele próprio, nos roubar as nossas poupanças para pagar o que roubaram os ladrões-mor deste país de tristes e acomodados.   

 

IV

O parto de um livro assemelha-se ao nascimento de um filho. Há que fazê-lo e há que pari-lo. Com todas as dores, com a família à volta, com os amigos mais próximos, com os leitores, com a editora, a melhor de todas, que dá liberdade ao pai para que o filho nasça quando, onde e como ele quiser. Ciclo Lunar, a minha mais recente caminhada no mundo da ficção, abençoada pelas Edições Colibri, é uma obra especial. Porque é completamente diferente do romance Sertório, lançado no ano passado, e porque também é sobre Vila Nova, a nossa “vila” desenhada na escuridão medieval, com narrativas que não lembrariam ao próprio diabo.

Vamos lançá-lo às feras no dia 18. Há-de haver uma notícia sobre isso nesta edição de “O Montemorense”.  Depois… estou ao dispor para consolar as almas dos leitores mais sensíveis.


João Luís Nabo

In "O Montemorense", Maio de 2022

quarta-feira, 13 de abril de 2022

Três notas breves

 



I         

Portugal já recebeu, no momento em que este texto está a ser produzido, mais de dez mil refugiados que tentam salvar a vida e a vida dos seus, vítimas de uma guerra absolutamente sem sentido, tal como são todas as guerras. Ainda que as imagens de horror nos cheguem diariamente a casa, de forma insistente e contínua, elas não poderão ser banalizadas e esquecidas, nem os rostos dos velhos e das crianças em fuga, nem as mãos crispadas da mulher que olha para as ruínas da sua casa. Não sei, continuo a não saber, como se pode permitir uma situação destas. Regredimos no tempo mais uma vez e demos espaço para que esta tragédia humanitária pudesse acontecer. Um dia, decerto, estaremos a viver em cavernas e a reinventar o fogo e a roda.

            Muitos jovens ucranianos, recém-chegados a Portugal, alguns a Montemor, tentam continuar os seus estudos nos nossos estabelecimentos de ensino, sem saberem uma palavra de português e, mais importante do que isto, sem fazerem ideia de como estão os seus familiares e amigos que ainda se encontram na Ucrânia, e pensando com angústia num futuro abruptamente interrompido pelas bestas da guerra. Todos sabemos que muitos deles, um dia, quando regressarem, não terão as suas casas, nem as suas escolas, nem as igrejas, nem os estádios de futebol, nem os pavilhões desportivos, nem os parques, nem os largos, nem as ruas, nem nada. Só ruína e cinza. E essa perspectiva é, por si só, aterradora.

A barreira da língua, esse monstro que nos assusta a todos, vai, aos poucos, sendo ultrapassada. Professores e alunos, unidos como nunca, procuram por todos os meios possíveis aliviar as dores a esses jovens e às famílias, também sem saberem como tudo irá terminar. As matérias vão sendo leccionadas, com recursos aos tradutores automáticos, mas sem qualquer objectivo concreto de avaliação. Para esses jovens ucranianos, o mais importante, neste momento, são as turmas que os recebem, que os integram, que os incluem, fazendo com que esqueçam, por momentos, o seu país que vai sendo, aos poucos, reduzido a escombros.

Tendo em conta todo o peso da tragédia em que os jovens refugiados se encontram involuntariamente envolvidos, os testes, as avaliações e tudo o resto que faz mover os alunos ao encontro dos seus objectivos são para aqueles, neste momento, pormenores sem importância. E para mim também.

 II 

Vou começar à bruta: acho que o presidente Marcelo devia deixar o primeiro-ministro Costa governar sozinho. Só para ver se ele é capaz. O carácter opinativo do Presidente da República faz com que todos fiquem à espera do seu veredicto ou do seu parecer sobre tudo o que acontece no país, e Costa acaba, eventualmente, por sentir-se condicionado, levando, no entanto, a peito e defendendo com estertor a relação harmoniosa entre Belém e São Bento.

Marcelo mete-se em demasia nos assuntos do executivo. Sabe que Costa estará sempre à espera do seu comentário que, se não servir desta vez por tardio, acabará por fazer jurisprudência e funcionar para a próxima por antecipação. É uma relação interessante: não discutem, não se zangam, não confrontam pontos de vista. Parecem aquelas melhores amigas adolescentes que não fazem nada uma sem a outra, tendo, por vezes, até, namorados em comum… Quanto ao par em apreço, ambos fazem questão de remar sempre para o mesmo lado, esquecidos, talvez, que a lua de mel já acabou há algum tempo.

 III

O Coral de São Domingos vai celebrar 35 anos de existência. O seu primeiro (e tímido) ensaio foi no dia 7 de Janeiro de 1987, numa das salas do Convento de São Domingos, sede do Grupo dos Amigos de Montemor que, em boa hora, acolheu os cantores e os seus projectos. Por lá ficaram dois anos. Depois, o grupo amadureceu, criou asas e voou, regressando pontualmente ao Convento para ensaios e concertos sempre que seja necessário.

É praticamente impossível fazer um balanço das centenas de concertos, das milhares de horas de ensaios, dos programas de televisão, das gravações, das inúmeras digressões pelo país e pela Europa, das ligações a muitas das instituições montemorenses, das inolvidáveis histórias protagonizadas pelas dezenas de amigos que passaram pelo coro e lá deixaram o seu contributo e a sua marca. O Coral de São Domingos, à imagem de outras instituições do nosso concelho, nasceu e ficou, graças ao entusiasmo de várias gerações de cantores e aos apoios de muitas entidades públicas e privadas que confiaram no grupo e nas direcções que o foram gerindo nestas três décadas e meia. Continua, hoje, com o entusiasmo de sempre, a levar música de qualidade a vastos públicos cada vez mais exigentes, e ficou mais do que ciente que não há pandemia nem crise que o derrube. Porque, para além da música que une todos os cantores, há uma mística que, por ser mística, não se explica, que os envolve e os torna uma voz única, que eu não consigo encontrar em mais lado nenhum e que, por muitos motivos, jamais poderei dispensar.

Obrigado a todos.  


João Luís Nabo

In "O Montemorense", Abril de 2022

segunda-feira, 14 de março de 2022

A guerra, o rio e a educação

 


I         

Parte-se para o papel em branco ainda sem temas definidos, mas sempre com uma voz a bater forte cá por dentro: “Não quero falar da guerra, não quero escrever sobre a guerra, nem sobre as crianças que choram ao som das sirenes e dos bombardeamentos. Não quero regressar a 1939-45, nem a outras datas, que estão cada vez mais presentes no nosso quotidiano.”

As perguntas e as críticas que todos nós fazemos e que, orgulhosamente, ostentamos nas redes sociais, transformam-nos nuns “enormíssimos” e “competentes” analistas políticos de fim-de-semana que, e com todo o respeito pelas excepções, não percebem nada do que estão a dizer. Parece que agora somos todos estrategas militares, líderes, membros do Parlamento Europeu ou das Nações Unidas, comandantes de pelotão, soldados milicianos de cocktails molotov em punho. A maioria ataca Putin e defende Zelensky, uma minoria defende o poder russo sobre as antigas repúblicas soviéticas, num saudosismo doentio e perigoso, e outros ainda não conseguiram pronunciar-se de forma aberta sobre a sua posição.

É impossível analisar de forma correcta, ao minuto e em directo, os acontecimentos terríveis que já fizeram milhares de mortos e milhões de refugiados, estando o povo russo e o povo ucraniano a serem ambos vítimas de um ditador eleito (onde é que eu já li uma coisa parecida?). Os mortos, os feridos, as famílias separadas, os bens destruídos, tudo será contabilizado mais tarde. Porque a História que hoje vivemos só então será analisada, quando os especialistas estiverem de posse da maior parte dos dados, para que a narrativa seja clara e concreta. Aí ficaremos a conhecer os profundos porquês destes verdadeiros crimes de guerra, para que não haja dúvidas sobre a autodeterminação legítima do povo ucraniano e para que se condene a decisão absolutamente anacrónica, estúpida e fascizante de se invadir um país livre, ainda que não se concorde com o seu governo ou a suas alianças geo-económico-políticas.

            Há ainda os que criticam a posição letárgica da Europa, dos Estados Unidos e da NATO em termos de acção militar. Se os Estados Unidos e os países da NATO tivessem pegado em armas, vivíamos hoje o que nunca teríamos imaginado viver: o terror de uma terceira guerra mundial. Duas chegaram e sobraram. Putin é, nesta altura, um homem politicamente derrotado e cada vez mais só. Tenho a certeza de que, a seu tempo, os Tribunais Internacionais julgarão e condenarão o presidente da Rússia por crimes de guerra e aí, só aí, se fará justiça.

            Um último parágrafo, que deveria ter sido o primeiro, para saudar os jornalistas de todo o  mundo e, sobretudo, os portugueses, que todos os dias arriscam a vida para nos mostrarem os dados sempre actualizados desta guerra desnecessária, tal como são todas as guerras.  

 

II

Da nossa santa terrinha falei há dias com pessoa amiga. E falámos do rio. Do nosso Rio Almansor, cartão de visita para quem entra em Montemor, vindo do Sul. Um frondoso matagal cobre todo o leito, escondendo o escasso fio de água que vai correndo timidamente por ali.

Também falámos do pouco tempo que o novo executivo ainda tem em funções e que, provavelmente, não tem tido uma agenda muito livre para pensar nesta questão. Sabemos que Olímpio Galvão e a sua equipa já nada podem fazer pela Rua de Aviz nem pelo Largo da Câmara (o que é pena, na minha opinião!). O que está feito, feito está. Mas ainda vão muito a tempo de alterar o estado em que o rio se encontra. É preciso financiamento, é verdade, mas também é fundamental a vontade política.

Depois de limpo o leito do rio e de transformadas algumas zonas em espaços de caminhada e lazer, Montemor mostrar-se-ia mais atractivo logo assim que se atravessasse a Ponte de Alcácer. Depois, era só repovoar o rio com as espécies que sempre o habitaram: carpas, barbos, pardelhas, enguias, bordalos... E, a seguir, era só pegar numa cana de pesca e recuperar a infância perdida.

 

 

III

Montemor está a tornar-se um local menos seguro do que era há uns meses. Já passámos na televisão por motivos menos bons, o que nos leva a concluir da necessidade de uma maior atenção por parte das autoridades em relação a determinadas questões. Assaltos, roubos, violência física começam a estar na ordem do dia. São situações que acabam por afastar quem, por motivos de trabalho ou de lazer, goste da cidade e a queira adoptar como sua. Para não falar das vítimas, que gostariam, sobretudo, de não o terem sido.

Os valores morais e sociais começam a ficar desfocados e, nas próprias escolas, notamos comportamentos cada vez mais desadequados por parte de alguns alunos, o que torna esta questão do ensino-aprendizagem muito mais complicada do que ela já é. O mais curioso é que, confrontados com as atitudes menos positivas dos seus educandos, alguns encarregados de educação respondem, de forma inocente: “Já eu era assim quando tinha a idade dele! E pronto.

Não me venham com cantigas de que o professor deve dar aos seus alunos a educação que estes, eventualmente, possam não receber em casa. Eu raramente o faço. Ensino as matérias e mostro-lhes que o mundo, fora da escola, é composto de muitas mudanças e contrariedades, mais facilmente combatíveis com as atitudes certas. A escola não pode substituir os pais na educação dos filhos. É um complemento e deverá sê-lo sempre, mas eu sou professor dos meus alunos, não sou pai deles. E eles sabem disso.  E os pais deles (muitos deles foram meus alunos) também

João Luís Nabo

In "O Montemorense", Março de 2022

Distraídos crónicos...


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