Pronto,
pronto, depois de uns dias de exagerada maluquice patriótica,
regressámos muito mais animados à Terra, planeta demasiado pequeno
para conter a euforia pela vitória da Selecção Portuguesa no
Campeonato da Europa de Futebol. Não vale a pena repetir o que tanto
se escreveu nas redes sociais e noutros media, antes e depois da
vitória. Os descrentes, os más-línguas, os detractores acabaram
por calar o bico, alinhando com os demais, desfraldando bandeiras,
gargalhando e gritando felizes como se fossem donos do mundo.
Conclusão:
somos um país unido, firme e crente e ainda com um certa mania que
nos ficou do falecido Império. Mas só se os temas forem futebol,
futebol ou futebol. Qualquer destes fenómenos, que eu respeito e
acompanho sempre que possível, move multidões (e milhões de euros)
arrancando do mais fundo de nós uma força sobre-humana para
lutarmos... contra outras equipas de futebol ou para, como peregrinos
nesta Terra mal frequentada, pedirmos às entidades divinas o que as
terrenas se mostram incapazes de nos garantir. (Foi o que fez
Fernando Santos.) Enfim, sempre foi assim e sempre assim será.
Para
os políticos de passagem (estamos todos de passagem), esta coisa do
futebol, da vitória contra a França e má-na-sê-quê foi ouro
sobre azul, sendo a manobra de diversão mais a jeito que jamais
poderia ter acontecido. Costa e Marcelo (mais uma vez), dançando ao
som da alegria lusa de sermos campeões, pensaram enquanto cantavam
desafinadamente o hino pela 124.ª vez: “Deixem lá que na Terça,
dia 12, já vão ver como é.”
E
foi. Os senhores da guerra financeira reuniram e decidiram aplicar
sanções a Portugal e a Espanha. Como era de esperar. Vamos,
novamente, sofrer na pele as dramáticas consequências do roubo que
a alta finança nos fez durante anos, sem nunca termos dado por isso.
Estamos quase a ser reesmifrados, rechupados, reassaltados e com a
nossa pouca dignidade transformada em restos, triturados e lançados
aos porcos. Sócrates já o tinha feito. Passos já o tinha feito. E,
na senda da tradição (Portugal é um país de tradições), Costa
não vai deixar quebrar a linha.
Mas
o que é vermos os nossos salários cortados, o tempo de reforma a
diminuir, os nossos trabalhadores a serem explorados, os professores
a serem transformados aos poucos em empregados de escritório, os
alunos a passarem sem saberem escrever uma linha sem erros, os jovens
em desespero a emigrarem com um diploma na mão... o que é isso, e
muito mais, comparado com a dor de Ronaldo em lágrimas, com a fé de
Fernando Santos, com o pontapé certeiro de Éder? Com os emigrantes
em bloco, em pulgas, adorando, idolatrando, sofrendo pelo onze
maravilhoso? O que é isso comparado com as “guerras” medievais
entre o azul/branco e o vermelho/verde, entre lusos e gauleses,
afinal de contas tanto uns como outros a penarem os sete penados por
causa do mesmo?
Não
saltaste por causa do futebol? Saltei. Não dançaste, feliz com a
vitória? Dancei. Não gritaste quando Éder meteu o golo? Gritei.
Mas
em cada salto, em cada passo de dança, em cada grito estava também,
ainda que disfarçada, a temerosa expectativa em relação ao futuro
do meu país. E esse futuro não passa pelo futebol nem pela fé de
Fernando Santos. Passa por nós, Lusitanos, que nos estamos, hoje e
sempre, per omnia seculorum, a marimbar para o nosso bem
estar, para a nossa qualidade de vida e para deixarmos aos vindouros
um país a sério.
Agora
que sossegámos, agora que o pó da euforia baixou, canalizemos as
nossas energias para marcharmos “contra os canhões”, de modo a,
de forma patriótica e consciente (e consciente!), enfrentarmos os
que, continuamente, nos querem fazer mal. A nós, aos nossos filhos e
aos nossos netos. Por isso, toca a “marchar, marchar!” e
deixemo-nos de fantasias.
Graus
de Comendador como eu todos os dias ao pequeno-almoço. E tenho
ficado exactamente na mesma.
In "O Montemorense", Julho de 2016