quarta-feira, 20 de julho de 2016

"Contra os canhões marchar, marchar!"


Pronto, pronto, depois de uns dias de exagerada maluquice patriótica, regressámos muito mais animados à Terra, planeta demasiado pequeno para conter a euforia pela vitória da Selecção Portuguesa no Campeonato da Europa de Futebol. Não vale a pena repetir o que tanto se escreveu nas redes sociais e noutros media, antes e depois da vitória. Os descrentes, os más-línguas, os detractores acabaram por calar o bico, alinhando com os demais, desfraldando bandeiras, gargalhando e gritando felizes como se fossem donos do mundo.
Conclusão: somos um país unido, firme e crente e ainda com um certa mania que nos ficou do falecido Império. Mas só se os temas forem futebol, futebol ou futebol. Qualquer destes fenómenos, que eu respeito e acompanho sempre que possível, move multidões (e milhões de euros) arrancando do mais fundo de nós uma força sobre-humana para lutarmos... contra outras equipas de futebol ou para, como peregrinos nesta Terra mal frequentada, pedirmos às entidades divinas o que as terrenas se mostram incapazes de nos garantir. (Foi o que fez Fernando Santos.) Enfim, sempre foi assim e sempre assim será.
Para os políticos de passagem (estamos todos de passagem), esta coisa do futebol, da vitória contra a França e má-na-sê-quê foi ouro sobre azul, sendo a manobra de diversão mais a jeito que jamais poderia ter acontecido. Costa e Marcelo (mais uma vez), dançando ao som da alegria lusa de sermos campeões, pensaram enquanto cantavam desafinadamente o hino pela 124.ª vez: “Deixem lá que na Terça, dia 12, já vão ver como é.”
E foi. Os senhores da guerra financeira reuniram e decidiram aplicar sanções a Portugal e a Espanha. Como era de esperar. Vamos, novamente, sofrer na pele as dramáticas consequências do roubo que a alta finança nos fez durante anos, sem nunca termos dado por isso. Estamos quase a ser reesmifrados, rechupados, reassaltados e com a nossa pouca dignidade transformada em restos, triturados e lançados aos porcos. Sócrates já o tinha feito. Passos já o tinha feito. E, na senda da tradição (Portugal é um país de tradições), Costa não vai deixar quebrar a linha.
Mas o que é vermos os nossos salários cortados, o tempo de reforma a diminuir, os nossos trabalhadores a serem explorados, os professores a serem transformados aos poucos em empregados de escritório, os alunos a passarem sem saberem escrever uma linha sem erros, os jovens em desespero a emigrarem com um diploma na mão... o que é isso, e muito mais, comparado com a dor de Ronaldo em lágrimas, com a fé de Fernando Santos, com o pontapé certeiro de Éder? Com os emigrantes em bloco, em pulgas, adorando, idolatrando, sofrendo pelo onze maravilhoso? O que é isso comparado com as “guerras” medievais entre o azul/branco e o vermelho/verde, entre lusos e gauleses, afinal de contas tanto uns como outros a penarem os sete penados por causa do mesmo?
Não saltaste por causa do futebol? Saltei. Não dançaste, feliz com a vitória? Dancei. Não gritaste quando Éder meteu o golo? Gritei.
Mas em cada salto, em cada passo de dança, em cada grito estava também, ainda que disfarçada, a temerosa expectativa em relação ao futuro do meu país. E esse futuro não passa pelo futebol nem pela fé de Fernando Santos. Passa por nós, Lusitanos, que nos estamos, hoje e sempre, per omnia seculorum, a marimbar para o nosso bem estar, para a nossa qualidade de vida e para deixarmos aos vindouros um país a sério.
Agora que sossegámos, agora que o pó da euforia baixou, canalizemos as nossas energias para marcharmos “contra os canhões”, de modo a, de forma patriótica e consciente (e consciente!), enfrentarmos os que, continuamente, nos querem fazer mal. A nós, aos nossos filhos e aos nossos netos. Por isso, toca a “marchar, marchar!” e deixemo-nos de fantasias.
Graus de Comendador como eu todos os dias ao pequeno-almoço. E tenho ficado exactamente na mesma.


In "O Montemorense", Julho de 2016

Distraídos crónicos...


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