O cozinheiro Marcelo vai, até ver, contentando a
maioria. Consegue, como um bom chef, gerir os ingredientes que tem à disposição
para, desta forma, poder confeccionar os pratos que vão satisfazendo os
apetites mais exigentes, ou quase. Nem sempre os grandes chefs agradam a
todos os comensais. Nem todos podem ganhar uma estrela Michelin. Mas Marcelo
pode. É simpático, culto, tolerante, preocupado com as causas sociais,
acutilante nas críticas à esquerda e à direita, mostrando, desde logo,
capacidades de discernimento bastante superiores às do anterior Presidente que,
na minha humilde e mais do que badalada opinião, já devia muitos meses aos
chinelos de quarto e ao conforto descomprometido da sua casinha das duas
(polémicas) marquises da Travessa do Possolo,13, 1350-252, Lisboa.
Marcelo tem nome de um governante que quase foi seu
padrinho de baptismo, e Rebelo de Sousa são apelidos de outro governante, seu
pai, Ministro das Colónias na era marcelista, quando ainda não se falava em
liberdade, embora a vontade fosse muita. Ao contrário do que muitos da velha
guarda esquerdista militante advogam, estes atributos não fazem dele, nem um
defensor do Estado Novo, nem um representante da velha política. O actual
Presidente da República mostrou, quer se goste, quer não, que é um aglutinador
de ideias, um fazedor de consensos e um homem mais de esquerda do que muitos
esquerdistas que se andam por aí a abanar pelas televisões, isto se é que ainda
se pode falar em esquerda e direita em Portugal. Deixem-me abrir um parênteses
para acrescentar que este tema nem necessitaria de muitas teses longas e
chatinhas para se poder concluir que o espectro político actual tem mais a ver
com birras e ódios antigos do que com a verdadeira essência da política pela
qual nos devíamos governar. (Como estamos longe dos princípios dos gregos
clássicos!)
Enfim, passemos à frente.
Marcelo Rebelo de Sousa é um one-man-show. Mas um
homem-espectáculo no bom sentido da palavra. Ele começou por dar que falar
quando nadou no Tejo e conduziu um taxi, na candidatura à Câmara de Lisboa, já
lá vão um par de anos. Ele deu espectáculo nas televisões, enquanto comentador,
zurzindo à esquerda e à direita, e, agora, enquanto mais alto magistrado da
nação, continuou igual a ele próprio e o povo gosta assim, porque foi neste
Marcelo que a maioria dos portugueses votou. Por isso, tinha de dar espectáculo
no(s) dia(s) da tomada de posse. Sem medo de opiniões miserabilistas,
consciente da sua vontade e sabedor da sua originalidade. Marcelo foi um
bocadinho americano, no bom sentido, um bocadinho britânico, no bom sentido, um
bocadinho nórdico, no bom sentido. Mostrou-se um cidadão do mundo, se querem
saber mais. Um cidadão-político a celebrar a vitória com quem o elegeu.
Quem me conhece e me lê sabe que, pela minha formação e
exemplos recebidos, não sou um homem de direita. E também sabe que eu sei que
nem tudo o que a esquerda diz, escreve ou manda tem lógica e futuro. Nesta
linha de pensamento, entra Marcelo, social-democrata, cristão, logo com
tendência para a defesa dos mais necessitados, e um livre-pensador.
Exactamente: um espírito livre. Diz o que pensa, escreve o que diz, faz o que escreve.
Não sei quanto tempo vai durar este estado de graça. Mas acredito que o seu
carisma, o seu savoir-faire não se vai esgotar assim que se varrerem os confettis
e se arrumar o salão de baile. Que os deuses o conservem assim. António Costa
pode vir a precisar, e muito, dele e do seu bom senso. E acreditem que vai ser
para breve.