Este ano vamos todos comer as 12 passas
sem fazer qualquer desejo. Não valerá a pena tragá-las, porque a nossa vida já
está programada pelos governantes, condicionada pelas medidas que aí vêm,
estragada pelo aperto ainda maior a que vamos ser submetidos. Depois das tonturas
que assolaram os nossos dias no ano 2012, que cabeça e vontade temos nós para
formular desejos optimistas e esperançosos?
Há uns anos, vi um filme que me
impressionou: a história de um homem que era colocado numa floresta, onde um
grupo de ricalhaços, a troco de uma elevada soma de dinheiro, o perseguia com
caçadeiras, numa literal caça ao homem até à sua extinção cruel e fatal. Era a
história da luta de um homem pela sobrevivência até este soçobrar de forma
pouco digna e, muito menos, heróica. Como português sinto-me esse tipo,
constantemente perseguido, ameaçado e com a sua existência em constante perigo,
não sabendo nunca o que vai acontecer no dia seguinte. E, como eu, milhões.
Há uma coisa de que não duvido: o ano
2013 vai ser um ano de terror para a grande maioria dos portugueses, sobretudo
para os que estão sem emprego e para os milhares que vão ser despedidos em
breve. Os filhos, os sobrinhos, os primos e os alunos com quem trabalho
diariamente atravessam-me constantemente o pensamento porque sei, sabemos (e o
Governo sabe) que eles serão, por arrastamento, igualmente vítimas desta
embrulhada em que nos meteram.
Nestes devaneios pessimistas vale-me a
fofa que já ralhou comigo e me disse, de dedinho indicador esticado: “Deixa-te dessas cenas a atirar para a
novela mexicana. Vamos comer as passas, subir para cima de uma cadeira e bater
tachos e panelas na rua para espantar os maus espíritos. Há que ter esperança
na energia que nos move todos os dias. Não podemos fraquejar, porque os nossos
pais precisam de nós, os nossos filhos ainda estão à nossa responsabilidade e
se houve uma maioria de cidadãos que lá pôs este e outros Governos, então é
preciso sermos igualmente muitos para o tirar de lá. Porque é um Governo que
trouxe a fome e a miséria a crianças e velhos, atirou milhares de trabalhadores
para o desemprego, matou velhos que deixaram de ter dinheiro para ir ao médico,
humilhou todos os portugueses de forma indigna e insultuosa.” Parou um
nadinha para recuperar o fôlego. (Mas continuou de dedinho esticado).
E concluiu: “Se nós não confiarmos nas nossas capacidades, quem confiará? Baixar os
braços é o último gesto que pretendo fazer. Estás comigo?”
Não lhe respondi logo. Virei-lhe as
costas, dirigi-me para a porta e disse-lhe: “Não
me demoro. Vou só à loja comprar um saco de passas. Queres de uva preta ou de
uva branca?”