Nesta
altura do ano há sempre aquela mania,
vinda sei lá de onde, de se fazer o balanço do ano. Faça
lá o balanço do ano que está a findar,
costuma pedir-se a quem gosta de andar sempre a escrever coisas sobre
o país e o mundo. E o que é isso do balanço? Ninguém sabe, porque
os resultados não servem rigorosamente para nada. Analisadas as
falhas e as qualidades da nossa vida durante os últimos doze meses,
ficamos a saber quase imediatamente que o que correu mal não tem
muito a ver com o que fizemos ou com o que não fizemos mas com o que
nos fizeram. Políticos e amiguinhos do peito continuaram e
continuarão a tramar o mexilhão que, por muito que grite, sente
aumentar ainda mais o vazio do abismo para onde o lançaram.
Então
aqui vai:
Neste
momento, no findar de mais um ano
(este passou mais depressa do que qualquer outro, vá lá saber-se
porquê) assisto, preocupado,
à brutal ressurreição da extrema-direita em países que sempre
condiderámos pais e mães da moderna democracia. E é exactamente
por causa dessa democracia que um dia, mais década menos década,
deixaremos de poder ser democratas. Então, quando um dia sentirmos
na pele as marcas hediondas de um fascismo renascido, quando não
pudermos dar voz ao pensamento e transformar o mundo ao sabor dos
nossos sonhos, então, nesse dia, quero estar abraçado aos que já
partiram.
Se
querem que inclua neste tal balanço as próximas presidenciais
e
o carnaval que por cá vai por causa disso, devo concluir que Marisa
Matias, Sampaio da Nóvoa, Edgar Silva e Maria de Belém Roseira
gostam muito de Marcelo Rebelo de Sousa. Estão tão ansiosos pela
sua vitória que obrigam o eleitorado de esquerda a dividir-se (mais
uma vez, mais uma vez), o que vai levar à vitória (já por ele
anunciada variadíssimas vezes) o mais célebre professor do nosso
país de liliputianos.
Quanto
à estranha dança de cadeiras
que recentemente assolou o nosso Governozinho, o povo (eu, tu e os
nossos vizinhos, quem mais havia de ser?) não acredida (nem que lhe
espetem um garfo nos olhinhos) que a mudança de laranja para rosa
venha a resolver os seus problemas. Porque o povo já está careca de
saber que os problemas aumentam sempre de legislatura para
legislatura sem que se veja solução nem vontade efectiva de
encontrar uma. Não convém encontrá-la: os mamões têm de
continuar a mamar, os ladrões têm de continuar a roubar, os
explorados, os ofendido, os espoliados têm de ver garantida a sua
existência porque sem putativos atacados não é possível haver
atacantes, sem potenciais vítimas os criminosos terão de ir para o
desemprego ou para uma multinacional ou ainda para um departamento
qualquer do Estado, pintadinho e mobiladinho à espera do anunciado
inquilinozinho.
O
Natal continua a ser, cada vez com maior intensidade,
o momento da família. E só quando crescemos à custa de algumas
mágoas profundas é que percebemos que esta quadra acaba sempre por
transformar-se num momento de maior intimidade entre os que estão e
os que já não estão. Porque é a memória que prevalece. E o amor
também, embrulhado neste tempo em que regressamos à infância e ao
Inverno do nosso contentamento.
Recordamos
as idas ao musgo, debaixo da ponte de ferro, o pequeno pinheiro que o
Pai trazia de uma das suas muitas viagens em trabalho,
e
que a Mãe enfeitava com bolinhas brancas de algodão (em vez das
bolas coloridas – e caras), as
figuras do presépio compradas no saudoso
Julinho de Alcântara, esse homem engenhoso que punha comboios
eléctricos a andar, a velocidade considerável, uns por cima outros
por baixo, na entrada do nosso Mercado Municipal.
Queremos
reviver esses momentos, todos estes anos depois, nas nossas casas,
com as nossas novas famílias, depositando religiosamente o
mesmíssimo Menino Jesus de barro no estábulo de Belém, fixando no
verde a ridícula ponte de três arcos, completamente anacrónica,
passando por cima de um pato de plástico, ainda mais ridículo, a
nadar estaticamente num lago de prata, e alinhando os três Reis
Magos, montados em camelos mais pequenos que o São José encostado
ao báculo. Contudo, para nós, putos e felizes, tudo fazia sentido.
São
memórias que nunca partem, tal como os nossos que nos parecem deixar
para sempre mas que, paradoxalmente, nos acenam todos os dias,
espreitando, vigilantes, em cada uma das esquinas das ruas da nossa
cidade.
Pronto.
Queriam um balanço?
É este o balanço que consigo fazer. Provavelmente muito igual ao
vosso. Bom Natal.
A
fofa pede-me da cozinha que aqui deixe um abraço de boas festas aos
nossos 10 leitores.
Pronto,
já deixei. Se continuamos juntos? Claro! Eu, vocês e a fofa.
In "O Montemorense", Dezembro 2015