I
Toca o sino…
…pequenino, sino
de Belém. Há dois milénios que se celebra o nascimento da figura mais
carismática da História e a que, talvez, mais conflitos tenha provocado, de
forma involuntária, é certo, mas devido à maneira oportunista como os homens têm
vindo a querer interpretar a sua mensagem.
Assumidamente interessado
em temas ligados às religiões, e descontraidamente agnóstico, revejo na figura
de Jesus a imagem dos homens bons, que lutam pela justiça, que dão o peito às
balas, que rejeitam os bens materiais e que amam o próximo nos seus amigos e
nas suas famílias, sem quaisquer interesses secundários. Contudo, o exemplo
dado pela Criança que (re)nasce agora raramente foi seguido por muitos dos que
o admiram e adoram e o colocam em tronos de ouro e forrados a pedrarias. Porque…
admirar é uma coisa, aplaudir o seu exemplo é de bom tom, mas seguir literalmente
os seus ensinamentos e as suas propostas… isso já é outra coisa muito
diferente. Daí termos assistido, ao longo dos tempos, aos maiores crimes e aos
insultos mais descarados ao Menino de Belém, ao Cristo do Gólgota, sacrificado
pelos Seus contemporâneos e pelos que haviam de vir.
O desejo, a ganância,
a luxúria, o orgulho, a inveja, a ambição desmedida, o poder, a possibilidade
de dominar os mais fracos… são conceitos e práticas que nem por isso estão
longe do quotidiano de muitos de nós e sem os quais muitos de nós não saberiam
viver. É o que é. É o que manda a natureza humana. E quem somos nós para
contrariar a natureza humana?
E Cristo? Cristo
não era deste mundo.
Toca o sino…
…a rebate, como
alerta das mil tragédias que o mundo enfrenta. A rebate, clamando ajuda de quem
pode e de quem quer. A rebate, porque é tempo de urgência, de medo e de
angústias que nenhum Natal consegue anular, que nenhuma oração consegue aliviar.
Incêndios, inundações, derrocadas, bombardeamentos, explosões… O sino,
imparável, soa através do planeta, de
Norte a Sul, de Oriente a Ocidente. Puxado por mãos invisíveis de milhões em
fila, perdidos, em pânico, sem casa, sem família, prestes a perderem a vida. O
que falta para que o sino, insistente e desesperado, seja finalmente ouvido?
O choro das
crianças, das mães e dos velhos soam mais alto do que as mais belas canções de
Natal que vamos ouvindo por aí, e têm mais substância do que qualquer poema que
fala da estrela de Belém, dos pastores, das ovelhas e má-na-sê-quê. Então, o
que falta para que o sino ressoe nas mentes e nos corações dos poderosos que
comandam os nossos dias? Serão
necessárias mais cimeiras, mais reuniões, mais debates, mais discursos, mais
apelos? Não. Bom senso. É só isso que falta. Bom senso e sentido de humanidade.
Por quem os sinos
dobram…[1]
IV
Toca o sininho…
… pequenininho, do
tamanho de algumas gaivotas que ainda não perceberam que a vida é muito mais do
que uma imagem. A vida, essa coisa bela e abstracta, passa por nós tão
rapidamente que, se não estivermos atentos, acabamos por nem dar por coisa
nenhuma… Apenas porque passámos uma parte dela a admirar a nossa imagem no
espelho.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Dezembro 2023