quinta-feira, 16 de março de 2023

Capítulo uno e indivisível

 


Capítulo uno e indivisível


De mês para mês, que é o mesmo que dizer de Cloreto para Cloreto, o país afunda-se cada vez mais em escândalos, que mostram o tecido de que somos feitos desde a fundação deste nosso belo reino, e que atrasam, sem apelo nem agravo, a discussão e a resolução de problemas graves que vão minando a sociedade e o espírito dos portugueses.

Enumerar os escândalos torna-se já redundante e fastidioso e corro o risco de os meus dez leitores abandonarem já, sem qualquer hesitação, a leitura desta breve crónica. E faziam muito bem, porque eu faria o mesmo. Há muitas séries na Netflix para ver.

Por isso, hoje nada de TAP, de Alexandra Reis, de Christine Ourmières-Widener, de Marcelo ou de Costa. Esqueçamos os professores e o pessoal não docente, a serem gozados todos os dias pelo ministro e companhia, estando como eles os médicos e os enfermeiros, os maquinistas da CP, os trabalhadores dos portos, do sector aéreo, da justiça, toda esta gente em greve e a prejudicar profundamente os sectores onde trabalham e os utilizadores que deles dependem (mas é para isto que as greves servem, tenham paciência!).

Coloquemos também em repouso os escândalos que têm assolado a Igreja e que parecem não ter uma solução concertada entre os seus responsáveis. Podíamos igualmente discutir aquela bonita política de Marcelo “Nem mais um sem-abrigo nas ruas em 2023”, podíamos até dizer que a figura do nosso Presidente da República já deu o que tinha a dar e que, cada vez que fala, há um tsunami que nos atinge a todos, porque somos nós que pagamos as quantas barbaridades que ele já disse por aí.

Isto para não falar nos lares de idosos, que maltratam os utentes de uma forma que não julgaríamos possível nos tempos que correm. E, ainda por cima, alguns deles pertencem a instituições religiosas, estas que deveriam ser as primeiras a dar o exemplo. Também neste campo devíamos recordar alguns familiares que, muito escandalizados, se confessam às câmara de televisão. Apetece-nos perguntar: “Só agora é que deu pelos maus-tratos ao seu pai ou à sua mãe? Há quanto tempo não os ia visitar?”

E no preço dos alimentos? Vamos falar nisso? Nem pensar. E quando nas caixas dos supermercados pagamos por um produto um preço muito mais alto do que aquele que estava na prateleira? Também não vamos por aí. E os preços das rendas dos apartamentos e as exigências dos bancos para conceder empréstimos, obrigando os jovens adultos a viverem com os pais até lá para os sessenta anos?…

Mas há milhões de milhares de euros para empresas, para bancos, para administradores, para ajudar gente aflita lá fora, com guerras e terramotos, e sei lá mais para quem, porque ainda não se sabe tudo. O cristal vai-se quebrando aos poucos e aos poucos as verdades começam a ver a luz do dia. Mas, depois, vem aí o futebol, o treze de Maio, as Jornadas Mundiais da Juventude, que, não discutindo a sua importância e utilidade, são outras distracções muito convenientes ao nosso querido Governo. Enquanto uns rezam, convivem, gritam nomes ao árbitro, outros roubam até mais não, lançam novos impostos até mais não, retiram-nos regalias até mais não, apaparicam os amigos até mais não.

Por falar em amigos… E os amigos dos políticos que entram para a engrenagem governamental sem qualquer experiência e, tantas vezes, sem as qualificações necessárias? São ministros, secretários de estado, assessores, assessores de assessores, secretários de assessores, enfim, um chorrilho de pessoal que tem tachinho garantido enquanto aquela cor se mantiver à tona de água. Quando a coisa mudar, vão outros, pelos mesmos motivos… afectivos. E os afectos, meus caros leitores, contam tanto!!

 

E os portugueses, apesar de estarem tesos que nem um carapau, ainda que muitos de nós continuem precários nos seus empregos, e embora a maioria ganhe um ordenado que não dê para nada, apesar de, ultimamente, termos posto as garras de fora mostrando o nosso desagrado por tudo o que nos está a acontecer, continuamos um povo manso e confiante no “Há-de-ser-o-que-Deus-quiser”, uma expressão sinistra vinda lá dos anos quarenta, quando um senhor muito sério, de fato e voz de falsete, governava este quintal sempre tão mal frequentado, acrescentando a este lema o tal de “Deus, Pátria, Família”, que alguns, hoje, querem ressuscitar.

Pois, meus amigos, isto não pode continuar a ser “o que Deus quiser”. Isto não vai lá com greves, cartazes e palavras de ordem. Isto não vai lá com esperas ao primeiro-ministro e aos ministros para lhes perguntarmos cara a cara o que andam a fazer ao nosso país e ao dinheiro que tanto nos custa a ganhar. Isto não vai lá assim.

E muito menos quero deixar aqui a ideia de que Portugal está a ficar um terreno absolutamente disponível e cultivável para que os semeadores do Chega comecem a lançar as sementes à terra. (Se não começaram já). E elas dão frutos, meus amigos. Elas dão frutos… que crescem rapidamente.

Portanto, perante todas estas misérias e estes perigos eminentes, isto só se resolve de uma maneira: com uma Revolução. Ou, no caso de não ser possível, que haja coragem por parte de quem de direito e que se dissolva o Parlamento e se convoque eleições antecipadas. Piores não ficaremos.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Um cafezinho com o Papa

 

            


I         

Um cafezinho com o Papa

 Se Sua Santidade, o Papa Francisco, aceitasse tomar um cafezinho com o autor destas breves linhas, aqui em Montemor, no Alkimia, por exemplo, ou noutro lado qualquer, tenho a certeza de que iria, na sua forma humilde com que conquistou o mundo católico e não católico, querer saber sempre a verdade das coisas sobre o tão célebre palco-altar que vão construir para a sua grande missa campal e para a reunião daqueles milhares de jovens que ali se vão juntar, mesmo à beira-Tejo, nas Jornadas Mundiais da Juventude.

Podia safar-me a essas perguntas embaraçosas e dizer-lhe para interrogar o Moedas, o Medina, o Sá Fernandes, o Costa ou mesmo o Marcelo, que parece saber mais do assunto do que aqueles todos juntos... Contudo, sei que eles não lhe iriam contar a verdade toda.

Beberricando o néctar escurecido e aromático, observando o pessoal que por ali passava, Francisco iria ficar a saber, dito por mim, que sou português há uma data de anos, que aquela triste cena do altar-palco foi tão somente o resultado da nossa forma de sermos… portugueses: vaidosos, exibicionistas, com complexos do velho império, que, tal como muitos que conhecemos, preferem dar pão com manteiga aos filhos o mês inteiro, mas garantir a sua presença em todos os jogos do clube do seu coração.

Cinco milhões de euros para receber Sua Santidade naquele espaço, mas com muitas centenas de sem-abrigo a dormirem nas estações do metro de Lisboa e do Porto, com milhares de famílias sem rendimentos suficientes para porem comida na mesa e terem uma casa devidamente habitável, com milhares de desempregados, com centenas de migrantes, explorados aqui, no Alentejo, mesmo ao lado das nossas terras, com crianças com necessidades especiais a precisarem de meios adequados para viverem uma existência digna, com dezenas de instituições de solidariedade sem dinheiro para pagarem aos seus trabalhadores e para poderem proporcionar uns dias menos tristes aos seus utentes. Não faria sentido...

Até aqui, Sua Santidade, pela bondade que lhe conhecemos, nada teria dito ainda, para não me interromper, porque é bom ouvinte e porque me queria escutar até ao fim. Falava-lhe depois na TAP (teria de ser) e na vergonhosa indemnização que recebeu uma tal Xana que, segundo parece, vai mesmo ficar com a massinha. E naquela outra, que fala francês e inglês do Pólo Norte, mas que se está marimbando para os sotaques, porque irá ficar milionária para o restinho da sua inútil vidinha.

Então, Sua Santidade, fazendo sinal ao Luís para lhe trazer outro cafezinho, olharia para mim e diria, na sua simplicidade que todo o clero deveria assumir, na sua singeleza que todos os seus seguidores deveriam imitar: “Meu filho, se eu soubesse desta vergonha, talvez não tivesse vindo”. “Vinha, sim, Sua Santidade!”, respondia-lhe eu, sempre do lado da solução. “Eu tenho uma varanda que dá para uma das ruas mais movimentadas da minha cidade e, daí, Sua Santidade poderia dizer umas palavras a todos nós, aos meus vizinhos, gente simples, de trabalho, alguns de oração (não é bem o meu caso, desculpe), e depois, se houvesse tempo, iríamos bater um petisco ao cafezinho da Isabel Abelha que faz umas iscas de borrego de comer e chorar por mais.

“Poupavam-se uns milhares, Juanito!”, diria ele, colando a palma da sua mão alva  e santa na minha. “É verdade, Santidade! É a mais pura das verdades!” 

Quando me levantasse para pagar os cafés, o representante de Cristo diria: “Não, hoje... pago eu! Quando fores ao Vaticano… pagas tu! E, se não te importas, vais levar-me as tais iscazinhas da Isabel! Acho que vou gostar! Ah! E leva o teu Balú!! É o cão mais espectacular que conheci!! Vai adorar correr por aqueles corredores sem fim!

  

II

Os professores e os alunos


A pouco tempo de deixar o ensino, saio preocupado com o que lá vou deixar. Ensinar nos dias de hoje nada tem a ver com aquilo que era feito quando, em 1983, com vinte e dois anos, comecei a trabalhar com a juventude dentro de uma sala de aula. “Faltam-lhe ao respeito?”, perguntarão. “São arrogantes?” “Armam confusão nas suas aulas?”. A resposta é não a todas as três perguntas que, porventura, me terão feito. Eu também não lhes falto ao respeito, também não sou arrogante e também não armo confusão. Estamos bem uns para os outros. No entanto, sinto que a vontade de aprender daquela malta nova já não é a mesma da de antigamente, o que nos obriga a criar novas estratégias, novos “truques” para que os programas do ministério fiquem, minimamente, na cabeça da criançada. 

Mas estamos num momento em que há necessidade de mudança. Não só em termos das exigências da classe dos professores e dos auxiliares de educação, mas em termos das matérias que os alunos devem saber para a vida. Cá em casa, vive-se intensamente o ensino, os jovens, os seus problemas escolares e familiares, a procura de soluções para minimizar todas essas problemáticas, que acabam por arrastar outras questões atrás de si. O problema é que parte das matérias que o ministério tem nos programas que lhes temos de leccionar nada tem a ver com a vida real, nada ajudam a enfrentar o mundo do trabalho e não preparam, muitas vezes, nem para a vida académica, nem para a vida profissional de cada um deles. Continuamos, porque somos obrigados a isso, a levar os alunos a estudar o que pouco vai interessar para os seus cursos universitários ou para poderem ser bons profissionais numa caixa de supermercado.

Os bom profissionais, como eu espalho tantas vezes nas cabecinhas daqueles inocentes,  são como a boa música. Não interessa o género. Interessa é a qualidade.

 

III

Vêm aí os “Segredos de Vila Nova”


Sim, parece que vem aí um livrinho que vai divertir (e perturbar) os leitores. “Segredos de Vila Nova” é o título das vinte e quatro histórias, todas elas passadas neste lugar do Alentejo e que já têm a equipa pronta a entrar em cena: revisor, fotógrafo, designer, prefaciador e, claro, as Edições Colibri, do meu amigo Fernando Mão de Ferro, a editora que me dá toda a liberdade de que a minha mente, tantas vezes em desassossego, vai precisando. E não posso contar mais nada. Vão ter de ler para ficar a conhecer esta Vila Nova que tanto amamos, mas que tanto criticamos por dá cá aquela palha. No entanto, para satisfazer a curiosidade e saber se alguns dos vossos segredos, caros leitores, vão ser ali revelados… vão ter de esperar ainda uns bons mesitos.

            João Luís Nabo

In "O Montemorense", Fevereiro de 2023

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Três notas de Ano Novo

 




I         

O soneto e a sua estúpida emenda

Nós, que ainda temos alguns pudores como arma contra as banalidades deste país, nem sabemos como começar a aflorar este tema, que de frágil já nada tem. Os ecos repetem-se em todo o território e, já se sabe, na Europa e no Mundo, que isto do orgulhosamente sós foi chão que já deu uvas.

Corrupção, compadrios, combinações, esquemas, compras, vendas, cedências, terrenos, construções, a troco de um bom punhado de dólares, já de tudo se fala à descarada, de boca aberta e a gritar em todos os meios de comunicação social. O Primeiro-ministro António Costa está diariamente debaixo de fogo, deitadinho numa cama que ele próprio fez.  Não foi inteligente no recrutamento do seu pessoal de elite para o Governo e agora está a pagar esta “pequena falta de atenção” com um palmo de língua de fora. Foram treze os ministros e secretários de Estado que se demitiram ou que foram demitidos por não haver condições para continuarem a governar, sobretudo para continuarem a governar-se à nossa custa.

E o que decide fazer o inefável Costa como pai de uma família de malucos, no seio da qual já ninguém se entende? Decidiu dar um murro na mesa… elaborando um questionário. Exactamente. Um questionário, assim tipo quiz das revistas cor-de-rosa, que nos obriga a responder a perguntas para sabermos se somos simpáticos, amigos do ambiente, solidários, sexys, enfim, para descobrirmos sobre nós as coisas mais importantes deste mundo e sem as quais seríamos uns seres absolutamente incompletos. Pois este questionário é para o Primeiro-ministro saber se os convidados para o Governo são ou não honestos. Claro que a esta fantochada de perguntas só se pode responder com uma fantochada de respostas. Ninguém irá considerar-se ladrão, desonesto ou em fuga aos impostos. Ninguém admitirá receber indemnizações de milhares e só um tolo assumirá com um sim ter fugido ao fisco em tempos idos. Portanto, pior que os políticos gatunos que Costa convidou para o seu belo Governo, será este questionário para validar, com base numas cruzes manhosas, o carácter de quem vai estar no poder. Pelo célebre questionário já podemos nós validar o completo desnorte de quem o inventou.

Já agora, a tal moça que esteve na TAP, empresa alimentada por todos nós, já devolveu o nosso meio milhãozinho à procedência? Haja vergonha. E tribunais, também.

 

II

Os professores e o estúpido do sistema 

Os professores nunca estiveram tão unidos como agora. Greves, manifestações, gritos de revolta têm preenchido os ecrãs das televisões, apesar dos que, em pleno horário nobre, insistem em classificar as greves como ilegais, em minimizar o papel dos sindicatos e em gozar, não tenho outro termo, com a cara dos que, empunhando cartazes e lançando palavras de ordem, dão provas do cansaço a que todos os professores chegaram, sem terem mais forças nem paciência para a desconsideração, o desrespeito, o desprezo que o Estado, o Ministério da Educação e alguns sectores da sociedade têm demonstrado nos últimos anos em relação à sua classe. Se, um dia, todos os professores deste país decidissem não trabalhar mais, enquanto não fossem ouvidas e aceites as suas reivindicações, a vida parava e Portugal entrava num beco sem saída. A sorte (ou não) de todos é que os professores não ganham o suficiente para poderem estar vários dias sem trabalhar. E o Ministério sabe disto. E Costa também. Porque se isso fosse possível, outro galo cantaria.

Sou professor há 39 anos. Estou no topo da carreira. Mas estou absolutamente ao lado dos que, muito provavelmente, pelo sistema de progressão em que estamos enleados, já não poderão concretizar esse direito. Não queria terminar de forma pessimista, acreditando nos novos tempos que aí vêm, graças a todas estas movimentações a favor dos nossos alunos e da escola pública, mas pelo que tenho testemunhado e vivido, e se o ministro João Costa não der ouvidos a quem se queixa, acredito que a Educação neste país poderá estar por um fio. Os professores vieram até aqui. Já não há um voltar atrás.

Caro leitor: se conseguiu ler este texto até aqui, foi porque teve um professor na sua vida. Um ou vários. Vamos ver se os nossos netos poderão dizer o mesmo.

 

III

36 anos de Coral de São Domingos

O Coral de São Domingos completou 36 anos de existência e de trabalho ininterrupto, no passado dia 7 de Janeiro. Foi nesse dia, a meio da tarde, que fez o primeiro ensaio nos claustros do Convento de São Domingos, sede do Grupo dos Amigos de Montemor, associação que o acolheu durante os primeiros dois anos. Depois, legalizado como associação sem fins lucrativos e, mais tarde, declarado pelo então primeiro-ministro António Guterres como Entidade de Utilidade Pública, o grupo percorreu dezenas de lugares, em Portugal e um pouco por toda a Europa, cantando e “espalhando por toda a parte”, o nome de Montemor-o-Novo.

Hoje, são trinta os cantores que continuam a dar voz ao grupo e que, depois de dois anos de pandemia, regressaram ainda com mais energia e talento. Foram, como calculam, dezenas de amigos que passaram pelo Coral, ao longo destas quase quatro décadas, deixando nele a sua marca, definida pela sua paixão e pelo seu empenho sem limites.

Participaram em programas de televisão e de rádio, têm quatro trabalhos discográficos editados, interpretaram centenas de obras de compositores dos quatro cantos do mundo, fizeram perto de 600 concertos, estão ligados a grande parte das instituições da cidade, recebem apoio de várias entidades da cidade e do concelho e acreditam que vão durar até aos 1000 anos.

Estou com eles desde o dia 7 de Janeiro de 1987. Vou estar sempre com eles, até ao meu último dia.


João Luís Nabo

In "O Montemorense", Janeiro de 2023

Distraídos crónicos...


Contador de visitas

Contador de visitas
Hospedagem gratis Hospedagem gratis

Arquivo do blogue

Acerca de mim

A minha foto
Montemor-o-Novo, Alto Alentejo, Portugal
Powered By Blogger