Deixei num dos
meus espaços das redes sociais um agradecimento a todos os amigos que nos
abraçaram, directa ou indirectamente, pelo falecimento da nossa Mãe, Sogra e
Avó, Nita Casadinho, e aproveito também este espaço de liberdade, que me foi
oferecido pelo meu amigo Padre Manuel Vieira, vai para uma quinzena de anos,
para reescrever o texto que por lá vai ficar mas que se colará para sempre na
garganta e no coração de quem sabe amar e respeitar os conceitos e as práticas
da família, do respeito e da amizade. É provável que, neste texto que agora
inicio, haja uns acrescentos, porque quando escrevemos num dia nunca somos os
mesmos quando o fazemos uns dias depois...
As nossas Mães,
quando partem, nunca chegam a partir. Há-de haver sempre uma ligação que permanece
ao longo de todos os tempos até ao último segundo das nossas vidas. Nascemos
delas, estivemos com elas mais tempo, fomos delas mais horas, mais dias, mais
meses. Somos sempre os seus meninos, porque, para os nossos Pais, a partir dos 10
anos, já teremos de ser uns homenzinhos... Pois, a nossa Mãe, Sogra, Avó e
Amiga despediu-se no Sábado, com a família à sua volta, e todos sentimos, muito
secretamente, que o fim estava próximo. E vocês sabem o que isso é: sentir que
já não há solução e que nos resta enganarmo-nos a nós próprios e enganar os
outros que estão connosco, à espera do suspiro final.
Sentimos que a
nossa Mãe Nita, com uma vida cheia de filhos e netos (e uma bisneta quase a
nascer) ia partir com alegrias no coração e com mágoas que nunca mais ninguém
poderia curar. Mas a nossa Mãe ficou, sobretudo, a saber que o amor que por ela
sentimos, e continuaremos a sentir, é maior do que qualquer mágoa, é mais forte
do que qualquer dos vendavais que lhe sobressaltaram os dias, mais terno do que
todas as nuvens de algodão em tempo de Verão e de dias de Sol brilhante.
Ela foi, nos
últimos meses, depois da partida de todos os outros nossos Pais, o nosso ponto
de referência, a nossa “matriarca”, a nossa “chefe”, o nosso único Sol e o Sol
dos filhos e dos netos que nunca deixaram de a amar, que nunca a abandonaram, dos
amigos dos seus netos que lhe chamavam também avó Nita e também da vizinha
Maria, uma irmã, uma enfermeira, uma amiga para quem não temos palavras
suficientemente fortes que expressem o agradecimento que ela merece. A nossa
vizinha Maria, e eu sei que ela acredita nesse destino, tem o Céu à sua espera.
Por outro lado,
a Nita sabe que, enquanto o último de nós por cá andar, o seu nome, a sua
memória e a memória do seu querido Valério continuarão vivos e eternos na
história da nossa família e nas histórias de todos os amigos, e foram muitos,
mas muitos, a quem eles fizeram bem. E vão todos eles, os quatro e o avô Tony,
a continuar nos nossos almoços de família e a serem recordados com saudade nos
seus aniversários e nos aniversários de todos nós.
Há, no entanto,
algumas pessoas que, pela sua formação, continuam a preferir criar abismos em
vez de pontes, escavar valas profundas e quase intransponíveis em vez de
estradas direitas onde todos pudéssemos caminhar lado a lado, com as nossas
diferenças, mas com os pontos comuns que ainda nos ligam. Todos nós vivemos
este tipo de experiências, porque não há famílias perfeitas. Todos sentimos que
o Mal e o Bem residem mesmo ao lado um do outro mas que, como forças
eternamente antagónicas e irreconciliáveis, afastam qualquer possibilidade de
diálogo e atiram para cada vez mais longe a solução do que poderia ser
solucionável.
Ninguém foge ao
que a vida lhes vai, aos poucos, preparando. Melhor: todos se deitarão na cama
que fizerem e só a eles lhes poderá ser pedida a responsabilidade dos seus
actos. Os santos estão nos altares e alguns, provavelmente, com uma boa parte da
sua santidade aberta à discussão, mas nós, os humanos, nós não somos santos.
Por isso, desconheço as minhas penalizações e as minhas recompensas quando um
dia, como a Nita, partir para sempre. Não sei quem irei encontrar no outro lado da vida, nem estou muito interessado, por agora. Sei, no entanto, que o poeta, já
preocupado com as atitudes, tantas vezes incompreensíveis dos mais velhos, desabafou
numa frase, aparentemente inocente:
“Que quem já é pecador
Sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!…
Porque padecem assim?!…”
Não há bons nem
maus nesta vida. Há gente que vive de acordo com as circunstâncias, lidando com
a própria dor, com a incapacidade intelectual de procurar soluções para o bem
estar dos que lhes estão mais próximos, ao mesmo tempo que fomentam a divisão e
a violência, gozando, aparentemente felizes, do alto da sua importância o
sofrimento que vão causando. Como dizia tantas vezes a minha Mãe, saudosa e
muito amiga da sua comadre Nita: “Há mais
marés que marinheiros e, acredite, comadre, este género de pessoas, se não lhes
dão a mão, acabarão sozinhas, desprezadas e inúteis para sempre.”
Hoje, o Valério
e a Nita já se reencontraram. Queremos acreditar assim, para que tudo se torne
menos doloroso e mais pacífico. Por isso, acreditamos que já se encontraram, já
se beijaram e já deram as mãos para todo o sempre. E cremos que as dores, todas
as dores, ficaram por cá, para que sejamos nós, agora, a suportá-las por eles,
depois do seu merecido descanso.
Acreditamos
também que o tempo tudo cura, tudo muda, tudo mata, tudo leva e tudo recupera.
Feliz Natal a
todos os que leram este texto, a todos os que não o leram e a todos os que
fingiram que não o leram.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Dezembro de 2016