sexta-feira, 15 de maio de 2020

Cinco pequenos aborrecimentos



Primeiro aborrecimento

Estou a ficar muito aborrecido com esta pandemia. Como dizia um senhor, há uns anos, “Não gosto de ficar sequestrado, pá! Não gosto!” Mas esta minha apoquentação não é pelo vírus em si, que já provou por esse mundo fora ser mesmo mauzinho e que até mata muitas pessoas, e tudo. São, lá está, as pessoas, em si, que me aborrecem.
Passei este tempo todo fechado em casa (mas sempre de fato e gravata, não fosse haver ordem repentina para fazermos concertos), no sentido de colaborar com aquelas senhoras com ar já muito cansado que nos entram em casa a toda a hora a falar de mortos, de recuperados, de infectados e má-na-sê-quê. Eis senão quando, nas redes sociais, começam a aparecer publicações de manos e manas que se fartam de passear o cão, de lavar o carro, de conviver com os vizinhos, dizendo até que com vizinhos não faz mal nenhum que é tudo gente séria e de confiança. Gostava de entender isto.


Segundo aborrecimento

Agora, um dos passatempos da televisão destes últimos tempos (vejo muita televisão, já se sabe!) é ir até aos funerais fazer umas imagens descontraídas para mostrar ao pessoal que fica em casa… e que não pode ir aos funerais. E o que é que nós vemos? Pessoal a chorar baba e ranho (há canais que fazem grande planos destas secreções naturais), abraçado a toda a gente, aproveitando assim a onda do abracinho comovido para sentir alguma proximidade, porque depois regressam a casa e, por vezes, ficam sem ninguém para abraçar.


Terceiro aborrecimento

Outra coisa que me incomodou nestes dias tristes, e muito, foi aquela briga assaz curiosa e engraçada entre o Primeiro Ministro e o Ministro das Finanças por causa de um comentário que aquele senhor que ainda pensa que está na TVI fez. Ora, Marcelo já devia ter fechado o megafone há muito tempo, só que ninguém tem coragem para lho dizer. Por vezes, (quase nunca) ninguém lhe pede a opinião e ele acaba por dá-la, dividida em vários pontos (quase sempre dois) e de borla. Fiz alguma investigação e descobri, vejam lá só, que esta pequeníssima desavença foi tirada, sem tirar nem pôr, de uma cena de uma novela venezuelana em que ele, todo machão, diz, ela, muito sorrateira, desdiz, e depois vem a bisbilhoteira da vizinha meter o nariz onde não é chamada. Acabam todos à pancada, mas depois de um encontro romântico (sem a vizinha, que é chata!!!), o casal continua junto, com renovadas juras de amor. Pelo menos, até Junho.


Quarto aborrecimento

Isto hoje são só desabafos. Eu não saio de casa, mas sei de tudo o que se passa por aí. Porquê? Porque, nos intervalos dos treinos físicos que agora se fazem a dar com um pau, a malta vai dar umas voltas para espairecer e desata a tirar fotos e a mandar informação. Pois, uma coisa que me aborreceu profundamente é a falta de sensibilidade de algumas pessoas anónimas que não gostam de fazer as coisas às claras. Então não é que houve uns jardineiros amadores que foram arrancar as plantas das floreiras da renovada rua de Aviz? Isso não é forma de manifestar o seu desagrado em relação ao ar inestético das floreiras, até porque as flores não têm culpa nenhuma. A falta de honestidade passa, isso sim, por outra questão: se foi o género de flor que desagradou ao sensível energúmeno, este, para ser intelectual e esteticamente honesto, só deveria ter tido o cuidado de lá ter plantado outra a seu gosto. Eu sei que corria o risco de outro pateta não concordar e arrancar os seus malmequeres e trocá-los por miosótis ou por um alho francês, por exemplo. Mas isso era uma questão que se ia resolvendo nas noites seguintes.


Quinto aborrecimento

Vou terminar, avançando com uma inconfidência que me pode valer as malas à porta (já esteve mais longe de acontecer): um dia destes, a Fofa começou a fazer exercício físico com mais intensidade do que o habitual e eu perguntei-lhe qual o motivo de tanto esforço. Sorriu (cá em casa não usamos máscara e eu vi-lhe o sorriso maroto) e respondeu: “Assim que aquecer o tempo, vamos à praia.” “À praia?”, admirei-me. “Vai ser uma enchente e vamos ter de ficar presos naquelas gaiolas art-déco de acrílico (parecemos uns periquitos da China)!!” Ela respondeu-me, com a respiração entrecortada: “Vamos cedinho, tipo três, quatro da manhã, chegamos lá, tiramos a senha verde para irmos para o areal, a senha azul para o duche, a senha vermelha para o restaurante, a senha branca para as bolas de Berlim e a senha amarela para passear à beira-mar. Anima-te e faz uns exercícios também. Vais ver que, por volta das onze da noite, já estamos em casa.”
E eu não tive outro remédio.

Distraídos crónicos...


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