Há dias dei por mim a caminhar, devagar e sozinho, em direcção à ermida da Senhora da Visitação. Não, não fui pagar uma promessa, não fui fazer um pedido. Fui, simplesmente, porque a hora de almoço era larga e senti (terá sido?) uma força que me puxou até lá acima.
Dei por mim a entrar e a sentar-me na última fila (onde me sento habitualmente quando entro numa igreja), na penumbra silenciosa da capela. No genuflexório da direita, mesmo aos pés da Virgem, uma senhora rezava, concentrada, de cabeça baixa. Estive a olhar para ela com inveja… um pecado que há muito não cometia. A força silenciosa daquela mulher, que não conheci logo, quer pela semi-obscuridade do espaço, quer pela distância a que me encontrava, deixou-me o pensamento viajar para outros tempos.
Perguntei-me em silêncio se eu ainda saberia rezar. Achei que já não. Muito anos se tinham passado desde a última vez. Tinha-me esquecido de como pôr as mãos, de como olhar para cima e imaginar Deus na parede do meu quarto, junto à janela, ou mesmo ao meu lado enquanto adormecia. Sentia-me, nesse tempo, seguro e inexplicavelmente confiante. “Rezar é falar com Deus,” asseguravam-me as minhas catequistas, de quem tenho uma imensa saudade. Se assim era, e continuará a ser, decerto, então esse diálogo entre Deus e este humano, frágil e feito de pó, acabaria por tornar-se difícil, por motivos na altura considerados fortes e inabaláveis. Razões que hoje já não teriam a mesma força. Comecei, admito, a acreditar noutros deuses, noutras realidades bem mais materiais e bem menos, como direi… compensadoras. Mesmo assim, mantenho-me onde estou. Mas, acreditem, sinto saudades das minhas discussões com Deus, sobretudo das últimas que ditaram a nossa zanga aparentemente definitiva.
A imagem da Virgem, com aquela senhora aos pés, cheia de fé e humildade, fizeram-me sentir saudades do Deus da minha infância, um constante Companheiro de conversas, algumas ridículas aos olhos de hoje, muitas delas sublimes e inesquecíveis, aos olhos de qualquer época.
Quando a senhora se levantou, eu, sem me apetecer grandes conversas, de forma quase automática, saí da capela e dirigi-me à escadaria, que desaguava lá em baixo, junto à estrada. No entanto, não a desci. Esperei, curioso. A senhora saiu, em passo lento e de rosto luminoso. A oração tinha-lhe feito bem. Desceu os degraus e acenou na minha direcção: “Sentes-te bem? Não esperava encontrar-te aqui!”
Era a minha mãe, desconfiada como o são todos os sábios.
(Nota importante: este texto não passa de puríssima ficção. Penso eu.)