quarta-feira, 19 de junho de 2019

Mais uma etapa (mais ou menos mal) ganha




            Quanto mais passam os anos, mais reconheço a inutilidade de algum tipo de ensino. O sistema pelo qual nos regemos neste país de fantoches é do piorzinho que há. Ao chegarmos a esta altura, tempo de testes, de exames, de avaliações e de decidir o futuro, não há ninguém que não ande com o credo na boca. Os professores, porque não é seu desejo reprovar os alunos; os alunos, porque querem, a todo o custo, passar de ano; e os encarregados de educação, que não querem, mas de modo nenhum, que os seus educandos reprovem.
            E o mais curioso é que este estado de ansiedade vai, na maior parte das vezes, acabar bem, com toda a gente feliz e contente. Porquê? Porque o sistema, o nosso sistema, é amigo, é permissivo e é injusto, porque o sistema quer alunos com o ego bem alto, apesar de não saberem o mais básico dos básicos; porque o sistema é injusto para os que mais sabem; porque o sistema quer pais orgulhosos que votem nos partidos do Governo que tornem cada vez mais facilitadoras as medidas de avaliação e de passagem de ano da rapaziada. O sistema quer ainda que nós, professores extraordinários, cujos métodos são obrigados a perder o rigor de outros tempos, levem a que os alunos aprendam matérias mais ou menos complexas (para menos) e demonstrem mais ou menos (para menos) a solidez dos seus parcos conhecimentos nos testes e nos exames.
Mas está mal. Está tudo mal. Alguns alunos agora têm tanta sorte que, se conseguirem escrever, sem erros ortográficos, o seu nome e número no cabeçalho do teste, já ganham metade da cotação. A imagem utilizada aqui é mais do que ridícula, mas ilustra muitas vezes o que acontece por essas escolas deste nosso país, com alunos que nada fazem durante o ano lectivo e que, depois, querem, à viva força, passar no final do ano. E, o mais engraçado, é que passam mesmo. Depois de terem passado o ano inteiro esquecidos dos livros e dos cadernos em casa; depois de terem passado o ano inteiro a entrar atrasados nas aulas (em algumas, não!); depois de terem passado o ano inteiro a procurar “inspiração” na Internet através dos telemóveis, enquanto tentam fazer os mais diversos testes de avaliação; depois de terem passado o ano a plagiar textos escritos por outros, que muitas vezes nem conhecem, e que não citam nem referem e que, depois entregam aos professores como se os trabalhos fossem deles; depois de passarem o ano a fazer selfies nas aulas e transmissões em directo para o Facebook; depois de não obedecerem aos professores que lhes pedem, encarecidamente, para deixarem os telemóveis dentro das mochilas; um ano depois de nunca terem feito os trabalhos de casa ou outros trabalhos de pesquisa para aumentarem os seus conhecimentos e a sua prática de estudo; depois de, raramente, entregarem os trabalhos solicitados; depois de se terem recusado a ler ou a ir ao quadro resolver um problema; depois de, enfim, terem utilizado a escola como um clube de terceira categoria onde passam o tempo em entretengas sem sentido e a coçar a micose, enquanto os pais se esfalfam para lhes dar tudo de bom e do melhor.
Querem passar de ano? Porquê? O que fizeram para merecer tal? E o sistema, não vê isto?
Os meus alunos não são extraterrestres, mas nunca desrespeitaram o meu trabalho, nem o trabalho dos que estavam na mesma sala consigo. Perceberam que a intenção do professor que passou o ano com eles era fazer deles uns seres humanos melhores, que acreditassem neles próprios e que se prontificassem a ajudar os que precisam. Todos eles perceberam a importância dos princípios, dos valores e do saber, arma essencial para vencer na magana da vida. Têm os seus defeitos, como todos, mas voltava a trabalhar com eles todos os dias.
Os Pais, com o final do ano lectivo, também começam a ficar um bocadinho mais ansiosos. E é normal. Mas acreditem, começa a deixar de haver paciência para alguns deles, sobretudo para os que pensam que os seus educandos são os maiores… mas nem sonham as figuras tristes que eles fazem nas aulas e nas faltas de respeito que mostram por quem tem o dever e o direito de os ensinar a serem uns homens e umas mulheres. Esses pais deviam, um dia, ser invisíveis e passarem um dia com os filhos nalgumas salas de aula. Depressa mudariam de ideias e muito mais depressa mudariam os métodos lá em casa, a primeira de todas as escolas.
Os meus alunos têm defeitos como todos os outros, mas os seus encarregados de educação têm sempre mostrado confiança no nosso trabalho e no nosso interesse em fazer deles melhores cidadãos do mundo. É por estas e por outras que os meus alunos, conhecendo muito ou pouco das matérias que lhes vamos ensinando, acabam por ser recompensados pelo seu esforço, pelo seu empenho, pelo seu trabalho e pelos valores de respeito, amizade e solidariedade que vão demonstrando durante o ano. E pelos conhecimentos académicos que vão adquirindo, claro.
E, assim, ganham eles, ganham os pais, ganha a escola e ganha a sociedade.

Boas férias.  
           

João Luís Nabo

In "O Montemorense", Junho 2019

Distraídos crónicos...


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