Capítulo uno e indivisível
De mês para mês,
que é o mesmo que dizer de Cloreto para Cloreto, o país afunda-se
cada vez mais em escândalos, que mostram o tecido de que somos feitos desde a
fundação deste nosso belo reino, e que atrasam, sem apelo nem agravo, a
discussão e a resolução de problemas graves que vão minando a sociedade e o
espírito dos portugueses.
Enumerar os
escândalos torna-se já redundante e fastidioso e corro o risco de os meus dez
leitores abandonarem já, sem qualquer hesitação, a leitura desta breve crónica.
E faziam muito bem, porque eu faria o mesmo. Há muitas séries na Netflix para
ver.
Por isso, hoje
nada de TAP, de Alexandra Reis, de Christine Ourmières-Widener, de Marcelo ou
de Costa. Esqueçamos os professores e o pessoal não docente, a serem gozados
todos os dias pelo ministro e companhia, estando como eles os médicos e os
enfermeiros, os maquinistas da CP, os trabalhadores dos portos, do sector
aéreo, da justiça, toda esta gente em greve e a prejudicar profundamente os
sectores onde trabalham e os utilizadores que deles dependem (mas é para isto
que as greves servem, tenham paciência!).
Coloquemos também em
repouso os escândalos que têm assolado a Igreja e que parecem não ter uma
solução concertada entre os seus responsáveis. Podíamos igualmente discutir
aquela bonita política de Marcelo “Nem mais um sem-abrigo nas ruas em 2023”,
podíamos até dizer que a figura do nosso Presidente da República já deu o que
tinha a dar e que, cada vez que fala, há um tsunami que nos atinge a todos,
porque somos nós que pagamos as quantas barbaridades que ele já disse por aí.
Isto para não
falar nos lares de idosos, que maltratam os utentes de uma forma que não
julgaríamos possível nos tempos que correm. E, ainda por cima, alguns deles
pertencem a instituições religiosas, estas que deveriam ser as primeiras a dar
o exemplo. Também neste campo devíamos recordar alguns familiares que, muito
escandalizados, se confessam às câmara de televisão. Apetece-nos perguntar: “Só
agora é que deu pelos maus-tratos ao seu pai ou à sua mãe? Há quanto tempo não
os ia visitar?”
E no preço dos
alimentos? Vamos falar nisso? Nem pensar. E quando nas caixas dos supermercados
pagamos por um produto um preço muito mais alto do que aquele que estava na
prateleira? Também não vamos por aí. E os preços das rendas dos apartamentos e
as exigências dos bancos para conceder empréstimos, obrigando os jovens adultos
a viverem com os pais até lá para os sessenta anos?…
Mas há milhões de
milhares de euros para empresas, para bancos, para administradores, para ajudar
gente aflita lá fora, com guerras e terramotos, e sei lá mais para quem, porque
ainda não se sabe tudo. O cristal vai-se quebrando aos poucos e aos poucos as
verdades começam a ver a luz do dia. Mas, depois, vem aí o futebol, o treze de
Maio, as Jornadas Mundiais da Juventude, que, não discutindo a sua importância
e utilidade, são outras distracções muito convenientes ao nosso querido
Governo. Enquanto uns rezam, convivem, gritam nomes ao árbitro, outros roubam
até mais não, lançam novos impostos até mais não, retiram-nos regalias até mais
não, apaparicam os amigos até mais não.
Por falar em
amigos… E os amigos dos políticos que entram para a engrenagem governamental
sem qualquer experiência e, tantas vezes, sem as qualificações necessárias? São
ministros, secretários de estado, assessores, assessores de assessores, secretários
de assessores, enfim, um chorrilho de pessoal que tem tachinho garantido
enquanto aquela cor se mantiver à tona de água. Quando a coisa mudar, vão
outros, pelos mesmos motivos… afectivos. E os afectos, meus caros leitores,
contam tanto!!
E os portugueses,
apesar de estarem tesos que nem um carapau, ainda que muitos de nós continuem
precários nos seus empregos, e embora a maioria ganhe um ordenado que não dê para nada, apesar de, ultimamente, termos posto as garras de fora mostrando o
nosso desagrado por tudo o que nos está a acontecer, continuamos um povo manso
e confiante no “Há-de-ser-o-que-Deus-quiser”, uma expressão sinistra vinda lá
dos anos quarenta, quando um senhor muito sério, de fato e voz de falsete,
governava este quintal sempre tão mal frequentado, acrescentando a este lema o
tal de “Deus, Pátria, Família”, que alguns, hoje, querem ressuscitar.
Pois, meus amigos,
isto não pode continuar a ser “o que Deus quiser”. Isto não vai lá com greves,
cartazes e palavras de ordem. Isto não vai lá com esperas ao primeiro-ministro
e aos ministros para lhes perguntarmos cara a cara o que andam a fazer ao nosso
país e ao dinheiro que tanto nos custa a ganhar. Isto não vai lá assim.
E muito menos
quero deixar aqui a ideia de que Portugal está a ficar um terreno absolutamente
disponível e cultivável para que os semeadores do Chega comecem a lançar as
sementes à terra. (Se não começaram já). E elas dão frutos, meus amigos. Elas
dão frutos… que crescem rapidamente.
Portanto, perante
todas estas misérias e estes perigos eminentes, isto só se resolve de uma
maneira: com uma Revolução. Ou, no caso de não ser possível, que haja coragem
por parte de quem de direito e que se dissolva o Parlamento e se convoque
eleições antecipadas. Piores não ficaremos.