Marcelo
Rebelo de Sousa não poderia ter encontrado melhor momento para
se lançar ainda com mais entusiasmo nos braços dos portugueses: a
coincidência deste 10 de Junho com o início do Europeu em França.
O saber aproveitar esta oportunidade só revela inteligência e uma
enorme capacidade de antecipação. Por outro lado, Costa também não
se distraiu. Este adora Marcelo porque pode, estando coladinho a ele,
ganhar pontos e começar a ser visto, não como um primeiro-ministro
que trocou as voltas à democracia (Costa não ganhou a maioria nas
últimas legislativas, ainda supervisionadas por um Cavaco a cair de
gasto), mas como uma alternativa às ditas políticas de direita e de
centro-direita (se é que isso existe) levadas a cabo pelo anterior
executivo.
Nos
discursos do Dia de Portugal, no Terreiro do Paço, o Povo foi a
tónica do Presidente da República. O Povo. Essa massa anónima que
conquistou a liberdade para o país em muitos momentos difíceis da
sua História, quantas vezes com o sacrifício da própria vida e sem
o auxílio “das elites”.
Em
Paris, nesse mesmo dia, foram elevados a heróis por Marcelo os que,
fugindo da fome, da guerra do Ultramar ou do desemprego de um
Portugal cinzento e parado nos anos 50 e 60, escolheram a França
como segunda pátria onde refizeram a vida e deitaram semente.
Quando,
em 1572, Camões elevou o povo português, glorificando a coragem e a
determinação de todos quantos desbravavam mares e terras em nome de
Deus e da Pátria, nunca imaginou que, quase seiscentos anos mais
tarde, a obra épica mais famosa da nossa literatura, escrita por si,
fosse reeditada numa versão pós-moderna mas, ainda assim,
convincente e igualmente aplaudida. A condecoração dos soldados que
combateram em África e das emigrantes que salvaram a vida a centenas
de pessoas nos atentados de Paris, no passado mês de Novembro, foi a
marca da diferença e a face visível dos discursos de Marcelo, tão
distintas dos gestos “de regime” e das palavras mais do que
mastigadas do seu antecessor.
Também
hoje continuam a tentar fazer a vida “lá fora” milhares de
portugueses, estes muito jovens e com formação académica superior,
que, tal como os seus predecessores, não têm como sobreviver num
país, agora menos cinzento mas com enormes problemas estruturais e
de justiça social e que os expulsa depois de ter gasto com eles
milhões de euros nas suas formações universitárias. Marcelo
também deveria ter falado nisto.
Os
gestos e as palavras em sintonia de Costa e Marcelo, neste momento de
aparente viragem, ainda que possam vir a durar pouco, são
fundamentais para que o país recupere a confiança que outros
Governos lhe roubaram. Não sabemos quanto tempo vai durar esta
valsa, elegante e romântica, olhos nos olhos e sorrisos abertos, mas
enquanto durar é bem possível que a autoestima dos portugueses
fique mais fortalecida e que, quando Passos Coelho quiser regressar,
aqueles lhe saibam dizer com quantos paus de faz uma nau
quinhentista.
In "O Montemorense", Junho de 2016