domingo, 31 de outubro de 2010

Das qualidades terapêuticas da leitura



 ...e o mistério que envolveu a Torre do Relógio nestas últimas semanas já foi, decerto, desvendado por aqueles que leram a primeira história dos Outros Contos de Vila Nova. E o alívio instalou-se, finalmente, nos espíritos mais desassossegados.
Obrigado aos que estiveram presentes ontem, no Auditório da Biblioteca Almeida Faria, em Montemor-o-Novo. Obrigado também a todos os que se associaram ao evento mesmo sem estarem presentes. Sei que nem sempre podemos estar onde queremos.
Não me cansarei de agradecer à precisosa equipa de amigos pessoais e amigos da Editorial Tágide que transformaram aquela tarde de chuva forte num momento único de manifestações genuínas de amizade e afecto. É o que é literatura - um catalisador de paixões.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Vem aí o coiso!



Pronto.
Até dia 30 não falarei, não escreverei, não publicarei seja o que for sobre o coiso (dizer, escrever, visualizar a palavra... dá azar) que está para chegar. Mas, no próximo Sábado, pelas 16 horas, na Biblioteca Municipal, aqui em Vila Nova, podemos trocar uma ideias sobre o assunto. Obrigado a todos pelo apoio e pela divulgação que têm feito dos OUTROS CONTOS DE VILA NOVA. Eles já não são meus. São de quem os apanhar.

sábado, 23 de outubro de 2010

O beijo


"(...)" D. Maria Júlia Benevides, candidata a viúva desde as 10 da manhã, levantou os olhos do terço, que rezava com fervor permanente, não se sabe se a pedir pela alma do marido, se a agradecer alguma graça concedida, olhou e viu aquilo que já esperava: uma fila de mulheres de várias idades e tamanhos que seguiam lentamente, com os filhos pelas mãos, até à urna onde jazia o aparente defunto. E, enquanto cada uma ia, à vez, espreitando a face de Januário, numa despedida derradeira, este reparou que todas tinham olhos de choro, embora ali mantivessem a compostura exigida. Os filhos e as filhas, também de vários tamanhos e idades, seguiam em silêncio, uns distraídos, outras nervosas, quase todos espantados com as velas, os véus, os cheiros, as flores e… a urna de mogno onde Januário Benevides, ouvindo e percebendo tudo o que estava a acontecer, se sentia cada vez mais impotente para exibir ao mundo a sua verdadeira condição."(...)"

O BEIJO, in Outros Contos de Vila Nova (Editorial Tágide, 2010)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Gabinete de Crise reunido de emergência na Câmara de Vila Nova



"(...)" Quando o grupo liderado pelo intrépido Baltazar entrou, com passo decidido, no Largo dos Paços do Concelho, só aos empurrões se conseguia penetrar naquele tecido humano, apertado e consistente, que enchia o espaço àquela hora da manhã. Afinal, não tinha sido ele o único a dar pela falta do monumento. Mais de mil pessoas. Mil não. Duas mil. Mais de duas mil pessoas ali amontoadas, encostadas à sua irritação e impaciência, prestes a exigirem em alta voz e em coro, à boa maneira das manifestações de outrora, a presença do presidente na varanda central do salão nobre. Entretanto (...) as conversas cruzavam-se fortes, nervosas de ansiedade, à espera de uma palavra de Duarte Calabás, presidente eleito pela terceira vez e candidato a um quarto e último mandato e que tinha agora o problema mais grave de todos os problemas graves de todos os seus anos de mandato à frente da autarquia vilanovense.
Trancado no salão nobre, transformado em gabinete de crise, o experiente autarca manifestava, quer pelos traços histriónicos, quer pela voz trémula, uma apoquentação nunca antes vista. Nem quando estivera a meia dúzia de votos de perder o seu lugar para o Bastos Xavier, candidato do maior partido da oposição. "(...)"

A TROCA, in Outros Contos de Vila Nova (Editorial Tágide, 2010)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A Vingança de Severiano Valverde


"(...)" No dia do lançamento da sua obra mais recente no auditório da Biblioteca de Vila Nova, a abarrotar de gente ― pois Severiano tinha muitos amigos e já tinha soado entre eles que este livro era um bocado estranho ―, mal sabia ele o que o destino lhe tinha preparado. Iniciada a cerimónia, elogiado o autor, a editora e o livro e feitos os agradecimentos, seguindo religiosamente os trâmites do protocolo, Severiano disponibilizou-se para a sessão de autógrafos.
― Não! ― ouviu-se uma voz.
― Não? ― perguntou o escritor.
― Nós não vamos querer o seu autógrafo enquanto não soubermos o que está dentro do seu livro.
― Mas para isso têm de ler as histórias… ― lançou Severiano, pensando que os desarmava.
― É isso mesmo que vamos fazer.
E toda a gente, num profundo silêncio, perante o atónito escritor e a preocupada editora, começou a ler as histórias, cada um à sua velocidade, ora esboçando sorrisos, ora esgares de irritação ou surpresa ou mesmo exclamações de desespero e fúria incontida. Palavra a palavra, linha a linha, as histórias que compunham o pequeno volume foram lidas, dissecadas, assimiladas, experimentadas mentalmente para ver se eram verosímeis. O escritor, em estado meio de espera, meio de alerta, trocava olhares com a doutora que se encontrava sentada na outra extremidade da mesa de honra "(...)".

A VINGANÇA DE SEVERIANO VALVERDE, in Outros Contos de Vila Nova (Ed. Tágide, 2010)

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Águas Mil


"(...) Maria Benedita susteve a respiração. Não acreditava no que estava acontecer-lhe. Nem um nem outro conseguiram pronunciar palavra. Nem uma sílaba. Por mais sem sentido que fosse.

O vento, transformado em brisa, refrescava-lhes, aos poucos, os corações. As nuvens negras a ameaçar trovoada começavam a dissipar-se. O rio, como que por milagre, sossegou e as rochas duras transformaram-se em areia. Os troncos arrastados pela corrente, que pareciam braços a pedir auxílio, quiseram ser pássaros e sobrevoaram as águas sarapintadas pela espuma dos dias. Dos dias de sofrimento. Do passado. Do que, afinal, ainda se pode mudar.

As lágrimas amargas ficaram rios de mel com laranjas e as veias daqueles dois, até então empedernidas, transformaram-se, elas sim, em caudais violentos de sangue vivo, numa enxurrada de liberdade, como se tivesse chovido mil anos sem parar. Até o rebanho estava silencioso, à espera, guardado pelo cão, em expectativa. Foi ela que recomeçou, em aflição, contrariada por quebrar aquele sossego tão inesperado:
― Simplício! Onde é que arranjaste dinheiro para um presente tão caro? (...)"

ÁGUAS MIL, in Outros Contos de Vila Nova (Ed. Tágide, 2010)

terça-feira, 12 de outubro de 2010

O SINAL


‎"O que Zulmira não adivinhava, não podia adivinhar, era que nesse mesmo dia, já perto do lusco-fusco, iria entregar à polícia política o seu Tomé, o homem com quem tinha casado havia mais de um ano, a quem, diante do padre e de Deus, havia jurado nunca trair, fossem quais fossem as circunstâncias da vida. O seu Tomé, pai da Margarida, aquele pedaço de céu prestes a ficar sem os seus carinhos. Se Zulmira soubesse o que estava para acontecer, teria preferido que aquele dia nunca tivesse amanhecido.(...)"

O SINAL, in Outros Contos de Vila Nova (Editorial Tágide, 2010)





terça-feira, 5 de outubro de 2010

A Troca

"(...) Foi só depois do nascer daquele dia terrível, ao sair para a rua a dar início a mais uma jornada de trabalho, que Baltazar Mendes olhou em direcção ao castelo e não viu o que costumava ver. Primeiro, não reparou na sua ausência, tal era a força com que a sua presença lhe estava entranhada. Mas depois, ao segundo olhar, percebeu que havia ali coisa que não era habitual.

Pois é esta a verdade que aqui lhes trago: Vila Nova acordou em grande sobressalto naquela manhã. Ninguém dera por nada. Não se ouvira qualquer estrondo nem barulho de motores ou de vozes. Nem o ar a deslocar-se, nem explosões, nem nada. Nada que fizesse despertar o bom povo do sono justo que o agarrou ao leito naquela noite, aparentemente santa. Aliás, como veio a dizer mais tarde Baltazar Mendes, já no Largo dos Paços do Concelho, tinha sido uma noite demasiado calma. Pois foi ele que deu o alarme.

Enquanto fechava a porta de casa, na Rua de Avis, para se dirigir para a loja de ferragens, onde trabalhava havia perto de trinta e cinco anos, olhou sem pensar, como sempre olhava, para aquele horizonte estreito entalado entre os prédios da sua rua e, lá mais à frente, pelas casas antigas da Rua das Pedras Negras. E, quando olhou, estranhou o que viu. Ou melhor, estranhou o que não viu. Primeiro não percebeu.

Depois semicerrou os olhos, não se tivesse entreposto alguma névoa entre a ponta do seu nariz e o fundo do céu. Foi aí que percebeu. Soltou um grito de aflição e impotência: a Torre do Relógio, que coroava a Rua do Quebra-Costas, esta a desaguar a custo na avenida principal do castelo, a torre que figurava no brasão de Vila Nova e nos emblemas da maioria das associações da vila, a Torre do Relógio de Vila Nova tinha desaparecido com as quinze toneladas de pedra que, durante séculos, lhe deram forma. Desaparecido?, perguntarão. Desaparecido, responderei. É que não há outro verbo no particípio passado que melhor descreva a sua ausência ou que satisfaça a maldade inata do perguntador mais perverso.(...)"

Excerto de "A Troca", in Outros Contos de Vila Nova (Editorial Tágide, Lisboa, 2010)



Distraídos crónicos...


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