quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Salvemos Greta Thunberg!




Eu não devia estar aqui. Eu devia estar
na escola, no outro lado do oceano.”
G. Thunberg

            O fenómeno Greta Thunberg tem dividido a opinião pública e dado capas com fartura a revistas e a jornais, e aberturas de noticiários nunca antes pensadas, quando se trata de temas relacionados com o ambiente.
            Há os que acham toda esta movimentação um exagero e criticam a adolescente que, na sua opinião, deveria estar na escola e não se deixar envolver em esquemas alegadamente construídos por alguém mais poderoso. Por outro lado, temos os que a aplaudem entusiasticamente e se juntam aos protestos, acreditando ser este o caminho certo para despertar os líderes mundiais de modo a darem início a uma melhor política global em termos de ambiente.
Tal como os primeiros, penso que Greta Thunberg é demasiado jovem para andar numa barafunda destas e que sim, que em Portugal tal não seria possível, porque a Lei obriga a que “se vá buscar o aluno a casa” quando ele se ausenta da escola sem motivo que o justifique. Não sei se a luta por um Planeta melhor seria aceite como justificação pela directora de turma. No entanto, tal como os segundos, concordo que haja acções concertadas por parte de todos os países, sobretudo os mais poluentes, para que o Planeta não avance para a destruição total. O que a jovem em causa nos tem mostrado, valha-nos isso, é o desconforto de alguns políticos em reacção aos seus ataques, nem sempre muito assertivos, e a visibilidade que o tema alcançou, apesar de todas as incoerências, discórdias e divisões.
Temos, sem dúvida, de salvar a Terra. Comecemos por fazê-lo na nossa própria casa. Na nossa própria cidade. 
(Daqui a algum tempo é Greta Thunberg que vai precisar de ser salva.)

João Luís Nabo
In "O Montemorense", Dezembro de 2019

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Traições (sublimes)







Emma: Ainda pensas em mim?
      Jerry: Não preciso de pensar em ti.

Traições (Betrayal), por muitos considerada a obra-prima do dramaturgo britânico Harold Pinter (1930-2008), foi estreada a 15 de Novembro de 1978, em Londres, no National Theatre, e em Portugal, no ano seguinte. Em Montemor, subiu à cena recentemente, no passado dia 6 de Dezembro, pela Associação Theatron, com a produção executiva de Todinha Santos, no Espaço do Tempo, agora sediado na antiga Oficina Magina, 
            A criativa encenação de Paulo Quedas e a exploração dos jogos de luz, de som e de imagem, pelos cada vez mais sofisticados Tiago Coelho e Helena Barreiras, trouxeram-nos um Harold Pinter absolutamente actual, focado nas glórias e nas misérias, nas forças e nas inseguranças do ser humano, à deriva, sempre à deriva, consoante os sentimentos e os impulsos de que se alimenta, condicionado pelo sucesso, pelo fracasso, pelas relações conjugais, pelos laços de amizade e pelo sexo.
            O público era constituído por apenas 15 (sim, quinze) espectadores, convidados a fazer, de certo modo, parte da peça, como figurantes/voyeurs, que assistem ao desvendar dos mais íntimos segredos, protegidos (ou não) pela memória, e escondidos nos cantos mais profundos das três personagens em conflito.  O desconforto provocado no espectador, confrontado com questões que, aparentemente, não lhe dizem respeito, é tal que, nos momentos de maior tensão, lhe apetece disfarçar, ir até lá fora, apanhar ar ou fumar um cigarro, para dar tempo a que Jerry, Robert, Emma e Judith (que nunca aparece) resolvam as graves questões em que assenta a peça: o adultério, a traição e as memórias impossíveis de segurar. É, pois, o passado que regressa, implacável, aos olhos deles e aos nossos.
            Rosa Souto Armas (Emma), Filipe Fernandes (Jerry) e Bernardino Samina (Robert) mostram-se cada vez mais amadurecidos nos papéis que assumem e interpretam. Pinter, nas palavras deste trio, ficou ainda mais subtil e, por isso mesmo, mais violento, mais ironicamente revelador. Durante pouco mais de uma hora, assistimos a momentos verdadeiramente sublimes, quando, numa empatia perfeita, exploraram as subtilezas do texto, com os tempos mais do que correctos e os silêncios mais do que enervantes, de modo a acelerar o batimento cardíaco do espectador, sobretudo quando o que ficava por dizer era muito mais esclarecedor do que aquilo que se tinha dito. O espectador, esse é a verdadeira vítima do texto de Pinter: entramos em cena, servimo-nos educadamente de uma bebida e vamos deambulando pelos diferentes cenários, espreitando, constrangidos, as vidas duplas das personagens em permanente conflito.
Falei com o meu filho mais velho no final da récita e ele resumiu de forma simples, mas absolutamente esclarecedora, o que tínhamos acabado de ver: “Estivemos num Facebook ao vivo, a fazer um scrolling da vida dos outros”.
            O mais assustador é que nós, os espectadores, as mulheres e os homens reais deste mundo, ficámos durante aquele tempo a olhar para nós próprios, num espelho que reflectia também, quiçá, o nosso passado, o nosso presente e o nosso futuro. Onde surgiram os fantasmas que nos atormentam, as relações de amizade falhadas, os casos amorosos por concluir e… as nossas próprias traições.
            Mais do que as palavras de Pinter, na voz e no corpo destes actores, e nas mãos do Paulo do Tiago e da Helena, foram os silêncios que me incomodaram.
E de que maneira.

João Luís Nabo
In O Montemorense, Dezembro de 2019

Distraídos crónicos...


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