Portugal já
recebeu, no momento em que este texto está a ser produzido, mais de dez mil
refugiados que tentam salvar a vida e a vida dos seus, vítimas de uma guerra
absolutamente sem sentido, tal como são todas as guerras. Ainda que as imagens
de horror nos cheguem diariamente a casa, de forma insistente e contínua, elas não
poderão ser banalizadas e esquecidas, nem os rostos dos velhos e das crianças em
fuga, nem as mãos crispadas da mulher que olha para as ruínas da sua casa. Não
sei, continuo a não saber, como se pode permitir uma situação destas. Regredimos
no tempo mais uma vez e demos espaço para que esta tragédia humanitária pudesse
acontecer. Um dia, decerto, estaremos a viver em cavernas e a reinventar o fogo
e a roda.
Muitos jovens ucranianos,
recém-chegados a Portugal, alguns a Montemor, tentam continuar os seus estudos
nos nossos estabelecimentos de ensino, sem saberem uma palavra de português e,
mais importante do que isto, sem fazerem ideia de como estão os seus familiares
e amigos que ainda se encontram na Ucrânia, e pensando com angústia num futuro
abruptamente interrompido pelas bestas da guerra. Todos sabemos que muitos
deles, um dia, quando regressarem, não terão as suas casas, nem as suas
escolas, nem as igrejas, nem os estádios de futebol, nem os pavilhões
desportivos, nem os parques, nem os largos, nem as ruas, nem nada. Só ruína e
cinza. E essa perspectiva é, por si só, aterradora.
A barreira da
língua, esse monstro que nos assusta a todos, vai, aos poucos, sendo
ultrapassada. Professores e alunos, unidos como nunca, procuram por todos os
meios possíveis aliviar as dores a esses jovens e às famílias, também sem
saberem como tudo irá terminar. As matérias vão sendo leccionadas, com recursos
aos tradutores automáticos, mas sem qualquer objectivo concreto de avaliação. Para
esses jovens ucranianos, o mais importante, neste momento, são as turmas que os
recebem, que os integram, que os incluem, fazendo com que esqueçam, por
momentos, o seu país que vai sendo, aos poucos, reduzido a escombros.
Tendo em conta
todo o peso da tragédia em que os jovens refugiados se encontram
involuntariamente envolvidos, os testes, as avaliações e tudo o resto que faz
mover os alunos ao encontro dos seus objectivos são para aqueles, neste
momento, pormenores sem importância. E para mim também.
Vou começar à
bruta: acho que o presidente Marcelo devia deixar o primeiro-ministro Costa
governar sozinho. Só para ver se ele é capaz. O carácter opinativo do
Presidente da República faz com que todos fiquem à espera do seu veredicto ou
do seu parecer sobre tudo o que acontece no país, e Costa acaba, eventualmente,
por sentir-se condicionado, levando, no entanto, a peito e defendendo com
estertor a relação harmoniosa entre Belém e São Bento.
Marcelo mete-se em
demasia nos assuntos do executivo. Sabe que Costa estará sempre à espera do seu
comentário que, se não servir desta vez por tardio, acabará por fazer
jurisprudência e funcionar para a próxima por antecipação. É uma relação
interessante: não discutem, não se zangam, não confrontam pontos de vista. Parecem
aquelas melhores amigas adolescentes que não fazem nada uma sem a outra, tendo,
por vezes, até, namorados em comum… Quanto ao par em apreço, ambos fazem
questão de remar sempre para o mesmo lado, esquecidos, talvez, que a lua de mel
já acabou há algum tempo.
O Coral de São
Domingos vai celebrar 35 anos de existência. O seu primeiro (e tímido) ensaio
foi no dia 7 de Janeiro de 1987, numa das salas do Convento de São Domingos,
sede do Grupo dos Amigos de Montemor que, em boa hora, acolheu os cantores e os
seus projectos. Por lá ficaram dois anos. Depois, o grupo amadureceu, criou
asas e voou, regressando pontualmente ao Convento para ensaios e concertos
sempre que seja necessário.
É praticamente impossível fazer um balanço das centenas de concertos, das milhares de horas de ensaios, dos programas de televisão, das gravações, das inúmeras digressões pelo país e pela Europa, das ligações a muitas das instituições montemorenses, das inolvidáveis histórias protagonizadas pelas dezenas de amigos que passaram pelo coro e lá deixaram o seu contributo e a sua marca. O Coral de São Domingos, à imagem de outras instituições do nosso concelho, nasceu e ficou, graças ao entusiasmo de várias gerações de cantores e aos apoios de muitas entidades públicas e privadas que confiaram no grupo e nas direcções que o foram gerindo nestas três décadas e meia. Continua, hoje, com o entusiasmo de sempre, a levar música de qualidade a vastos públicos cada vez mais exigentes, e ficou mais do que ciente que não há pandemia nem crise que o derrube. Porque, para além da música que une todos os cantores, há uma mística que, por ser mística, não se explica, que os envolve e os torna uma voz única, que eu não consigo encontrar em mais lado nenhum e que, por muitos motivos, jamais poderei dispensar.
Obrigado a todos.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Abril de 2022