Este ano lectivo
foi tão atípico como os anteriores, em que nos tivemos de fechar em casa e dar
aulas à distância a alunos que, muitas vezes, estariam a fazer outras coisas em
vez de aprenderem o pouco que tentávamos ensinar, ainda que contra todas as expectativas.
Hoje, falamos sobretudo dos professores e das greves, repetidas, insistentes, incómodas,
mas justas.
Os professores nunca
foram devidamente respeitados pelos diferentes governos que se sucederam no
pós-25 de Abril. Com a chegada de Manuela Ferreira Leite ao Ministério da
Educação, em 1993, tudo se começou a desmoronar. Mais tarde, veio Maria de
Lurdes Rodrigues lançar as sementes para uma guerra terrível entre professores
titulares e não titulares, com colegas a avaliarem colegas, assumindo esse acto
“oficial”, não raras vezes, uma acção de ajuste de contas pelos mais diversos,
e quase sempre, comezinhos motivos. Os governos anteriores a este, que, pelos
vistos, ainda respira, dividiram os professores, que se começaram a encarar uns
aos outros como inimigos, rivais ou outra coisa qualquer, e não como colegas.
Pois temos de
agradecer a Costa e aos ministros da educação dos seus governos o facto nobre e
inegável de terem unido os professores que, com objectivos mais concretos e
mais profundos do que as habituais exigências de aumento de salário (não menos
legítimas e justas), decidiram que teriam, agora ou nunca, a oportunidade para reclamar
o respeito, a importância e a autoridade que lhes foram tiradas. (Abro um parênteses
para me declarar absolutamente contra aquela manifestaçãozinha contra o primeiro-ministro,
no passado dia 10 de Junho, acção que me envergonhou por ver ali colegas meus
numa atitude de desafio infantil e de absoluto desrespeito por um membro do
Governo, com gritos e cartazes que só fizeram a opinião pública e os comentadores
virarem-se contra nós. Como diria o outro, não havia necessidade.)
E os alunos? Não, não me esqueci dos alunos. Eles continuam, apesar de tudo, a ser os principais responsáveis por esta paixão que ainda continua acesa, embora diminua de vez em quando, sem, contudo, se apagar ainda. Os alunos foram os principais prejudicados com as greves. E arrastaram as respectivas famílias, que se viram aflitas para solucionar as dinâmicas familiares com tantos “filhos” sem aulas. Costa lembrou-se dos serviços mínimos e com eles a obrigatoriedade de cumprirmos os nossos horários sem possibilidade de exercermos o nosso direito à greve. Nunca concordei com este tipo de recurso, a não ser quando se trate de questões de saúde ou de segurança pública ou nacional.
Mas, se
analisarmos bem, estes serviços mínimos, lançados para cima dos professores, já
tinham sido decretados, há vários anos, em relação aos próprios alunos. Não
estão a perceber onde quero chegar? Eu explico: os alunos, hoje, nas nossas
escolas, para passarem de ano, basta cumprirem os serviços mínimos. Podem
chegar atrasados às aulas sem serem devidamente penalizados… porque o sistema
não o permite; têm classificações negativas devido à sua falta de interesse pelas
disciplinas ou à sua manifesta falta de vontade de estudar, mas é de todo conveniente
não ficarem retidos, por motivos para cuja enumeração não há aqui espaço
suficiente; os alunos levam livros para
a escola, muitos deles têm livros em casa ou nas bibliotecas, mas esquecem-se
de que os livros têm folhas e palavras e imagens que estão lá para serem lidas
e analisadas.
Toda esta
descontração em que o sistema escolar navega permite-lhes ir passando de ano
sem a preparação necessária e suficiente para estruturarem a sua forma de
pensar, de raciocinar, de discutir, de articular, de serem críticos perante a
sociedade que os irá, em breve, selvaticamente engolir. Isto porque grande
parte dos alunos de hoje não têm opiniões concretas sobre coisa nenhuma, não
querem tê-las e não querem ouvir quem queira ensiná-los a pensar e a ver com
todas as cores o mundo que os rodeia; eles não lêem, não vêem nem ouvem debates,
não assistem a noticiários e perdem todos os dias a oportunidade de aprender a conhecer-se
a si próprios, como seres pensantes e (re)activos. Depois, há as excepções (e, na escola onde trabalho, esse número é, felizmente, elevado) que,
por isso mesmo, não têm lugar neste texto.
O que ainda é mais
grave é que uma parte deles pensa que os pais vão viver para sempre e que nunca
precisarão de trabalhar ou de chegar a horas ao emprego, ou de respeitar os colegas
e os seus superiores hierárquicos. E tudo isto porquê? Porque o sistema o
permite. O professor está limitado de tal forma nas suas acções que, se o aluno
reprova, a culpa nunca será da criança. Isto, porque o docente não pode utilizar
atitudes mais frontais para pôr no devido lugar os mais distraídos da vida. Esta
situação leva muitos professores a reger a sua prática lectiva com base numa
máxima simples e cuja eficácia deixa muito a desejar: “Se o sistema nos persegue
e nos obriga a passar os alunos, então não cansemos o sistema e passêmo-los
logo sem hesitar”. Isto, mesmo que o seu trabalho ao longo do ano lectivo tenha
sido, quase exclusivamente, fazer directos, publicar fotos, pôr likes
e corações fofinhos nas publicações dos amigos, exercitar os polegares
no teclado do telemóvel, passar horas a idolatrar ídolos de pés de barro que, no
Youtube, no Instagram ou no TikTok os provocam, os
desafiam, os hipnotizam e enganam.
E o que faz a Escola
Pública para resolver todas estas questões, cada vez mais prolongadas no tempo,
relacionadas com a desmotivação de alunos e professores? Nada.
[1] “À Espera de Godot”, peça de
teatro metafísica de Samuel Beckett, obra-prima do absurdo, publicada em 1952. Em
cena, há personagens que discutem o sentido da vida e o valor da sua própria
existência, enquanto esperam um indivíduo chamado Godot, que acabará por não aparecer.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Junho de 2023