Ideias velhas, recicladas a bem do ambiente intelectual português. (E algumas intimidades partilháveis)
sexta-feira, 26 de outubro de 2018
sexta-feira, 19 de outubro de 2018
Reencontrado
Foto: TIVOLI
Acordei cedo num destes dias e fui, sem dizer a ninguém cá em casa (para quê
acordá-los, não é?) passear pela cidade. Evitei o circo das obras, porque não me apetece
ver os estaleiros em que a zona do Jardim Público se transformou (sim, eu sei
que é necessário e tal… mas tenho o direito de não querer ver, pronto), e fui a pé até
lá abaixo, ao meu antigo bairro, o Bairro de São Pedro, o mais carismático de
sempre, desde que Montemor foi Vila, até hoje, que dizem que é cidade. Passei,
inevitavelmente, pela casa onde os meus pais viveram mais de
cinquenta anos e onde cresci e vivi até ser homem. Não me preocupei com o que mudou
nem com o que ficou. Recordei-me, isso sim, que foi ali naquela casa, ao lado,
primeiro, da
minha vizinha Chica Borrazeiro e, depois, durante longos anos, com a minha prima
Toneca Caldeira como vizinha, onde dormi, comi, brinquei e amei, onde aprendi, com os meus
Pais e com todos os Vizinhos, o que, muitos dos que nos governam, jamais aprenderam. Por momentos,
fiquei sem saber o que pensar da Vida que, observada daquele pequeno recanto,
com quintal e tudo, enfeitado outrora com primor
pelos vasos de flores da minha Mãe, se transformou numa outra bem mais dura e tantas vezes mais do que
alucinante. Não que ela me tenha sido madrasta. Nada disso. Tive
sorte na minha infância e também tive essa sorte na minha idade mais madura.
Fui à Universidade, num tempo em que filho de comerciante ou de camionista deveria ser comerciante ou camionista como o pai, sentindo o peso da responsabilidade
desses meus estudos por ver a minha Mãe a assumir o seu primeiro emprego, com 40
anos, para o filho poder andar a estudar em Lisboa.
E fui, e vi mas não venci. Não
venci nesse tempo, nem venci hoje, porque sinto sempre este desassossego
pessoano que não me deixa viver tranquilo. E menos tranquilo fico quando reparo
em tantos com que me vou cruzando que, satisfeitos com a vida, tranquilos na sua
rotina, se recusam a fazer mais por si e pelos outros, varrendo para debaixo do
tapete o lixo que foram acumulando no decorrer dos dias.
Tenho saudades da minha infância.
Foi por isso que fui ao meu velho bairro. Não porque hoje seja infeliz. Não
posso sê-lo com tudo o que a vida me deu e, apesar de tudo o que
vida me foi tirando. Não é isso. Só que, na infância, tudo o que dizia e fazia
não tinha um propósito fixo, premeditado ou combinado. Era natural o meu
pensamento como o era o dos meus amigos dessa altura. E é por isso que sinto
saudades da minha infância, da inocência e dos amigos inocentes como eu. Porque
hoje, as palavras que dizemos são medidas, pesadas, articuladas em frases bem pensadas, alinhadas
e só depois lançadas com o cuidado necessário para que o seu peso não se abata
sobre… nós próprios. Mas o que se torna curioso é que, por vezes, não são as
palavras que têm peso. São as pessoas que as proferem. Ainda assim, não perdi
totalmente essa inocência dos dias passados. Ainda assim, a frontalidade e a
verticalidade que me deixaram os meus pais e os meus sogros por herança,
herança mais valiosa que qualquer conta bancária recheada, são ainda, e irão
continuar a ser, o pano de fundo onde me movo e onde quero que os meus se
movam. São esses princípios o nosso báculo, o nosso encosto, a nossa defesa e o
nosso ataque.
Por isso, nunca poderia ser um
Ministro qualquer de um qualquer Costa, de um Passos perdido ou de um Portas
estrela de cinema.
quarta-feira, 17 de outubro de 2018
Perdido
Afinal este Costa que hoje conhecemos não é o mesmo Costa que, há três anos, nos anunciou que Portugal ia mudar de vez. Afinal, quando pensávamos que as marcas que Passos e Portas nos deixaram, graças também aos “desajustes” governamentais e pessoais de Sócrates, iriam ser, se não apagadas, pelo menos disfarçadas, eis que, afinal, o país se ergue, quase em uníssono, a berrar por melhores condições de trabalho, de vida e de morte. São os professores, são os médicos, são os enfermeiros, são os trabalhadores da administração pública, são os funcionários das escolas, são os guardas, são os polícias, é o exército, é a marinha e é o que mais vier, porque parece que as coisas estão mesmo muito, muito, muito más.
E Costa, perdendo a verve e o optimismo que o caracterizava e que tanto encanta ainda o Presidente da República, não sabendo o que mais fazer, estando hipotecado à esquerda, à direita e ao centro, despede ministros e secretários de estado como quem vende malas usadas na Feira de Carcavelos, contratando outros, sem sequer se saber ao certo se eles percebem, ou não, melhor do ofício do que os anteriores.
Dizem os senhores analistas que é assim que se faz. Que é a política. Que é uma fuga não sei para onde, que é má-na-sê-quê… Mas aquilo que é não me atrevo a escrevê-lo, não só devido à índole cristã deste jornal, como também aos princípios que os meus pais democraticamente me impuseram. Afirmam os especialistas, ou os que se dizem como tal, que estas medidas de trocas e destrocas servem para acalmar o povo. Duvido, como elemento do povo, que seja essa a solução. Também não sei qual será. Não sou político nem analista. O que eu acho é que qualquer bicho homem, sem valores nem dignidade, onde quer que esteja, independentemente do seu partido, da sua ideologia, raça ou religião, acabará sempre por secar o que de bom outros fizeram. E, às vezes, faz gáudio disso.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Outubro de 2018
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