Ainda em pleno rescaldo dos acontecimentos de 13 de Novembro, em
Paris, poucos têm ainda o discernimento suficiente para lançar as habituais
opiniões, sempre doutas e seguras, sobre este género de situações para as quais
não há, aparentemente, qualquer hipótese de prevenção. Atentados ocorreram
desde sempre, em lugares longínquos do globo mas que, para nós, portugueses-a-vivermos-num-paraíso,
não têm passado disso mesmo: de mortos aos milhares, rios de sangue, torturas e
execuções mas que acontecem longe, muito longe, e que, graças ao longe, à
distância e à nossa falta de capacidade de processamento, não passam de situações
dramáticas que jamais em tempo algum nos poderão atingir, a nós, portugueses,
pacíficos e (mais ou menos) tolerantes.
Milhares de
artigos foram escritos nestas últimas horas sobre Paris, narrando o terror e a
incerteza vividos pelas dezenas de vítimas inocentes; sobre a falta de
segurança e a incapacidade das autoridades de lerem os avisos que vinham sendo
lançados desde os atentados de Nova Iorque (2001), de Atocha (2004) ou de
Londres (2005). Multiplicam-se agora as estratégias para cumprir a velha máxima
da “casa arrombada, trancas na porta”. E que passam, na sua maioria por outras
acções de violência que, pelo seu carácter radical, dificilmente serão a
solução verdadeiramente eficaz. E aqueles que, veiculando várias teorias da
conspiração, não aceitam a entrada de refugiados na Europa, encontraram nos
atentados de Paris o motivo deliciosamente exacto para elevar ainda mais a voz
contra os que procuram a paz e uma vida normal num canto qualquer longe da
guerra e da fome. Também eles vão, consequentemente, levar com os estilhaços
destes momentos tão cruciais para o rumo da Europa, hoje cada vez menos
tolerante e cada dia mais fechada. Eles e outros. Vai iniciar-se a inevitável
caça às bruxas que, em tempos de triste memória, fez as delícias de Católicos e
Protestantes temerosos pela perda do seu domínio sobre as mentes e os
comportamentos do mais comum dos mortais. Como podemos ver, tem tudo a ver com
religião. E com poder.
Como é viver
em Paris, a partir do dia 13 de Novembro? Em termos de quotidiano, tudo se
alterou. Viver a vida pacificamente numa rua qualquer de Paris, de Londres ou
de outra cidade europeia (e americana) já não será possível, pelo menos durante
o tempo em que as imagens dos massacres de Paris (e outras, repescadas de
outros ataques terroristas) continuarem, repetidamente, a passar nas televisões
de todo o mundo.
Os trágicos
eventos que nos levaram as estas reflexões só aconteceram como consequência
directa da ingerência por parte dos países ocidentais, sob o comando da sempre
amada e todo-poderosa América, na gestão interna de vários países do Médio
Oriente. E querer, à força, mandar em países com essas características, em que
o poder do Estado não se distingue do poder Religioso (como, em tempos,
aconteceu em Portugal), é como mexer num ninho de vespas: as consequências são,
obviamente, imprevisíveis.
Há
uns tempos, quando se falava no Médio Oriente, em Israel e na Palestina,
apontava-se para muito longe, aliviados pela distância. Mas já não é assim. O
Médio Oriente é muito mais do que a disputa entre aqueles territórios, o longe
já não existe e o Mal, na sua essência mais profunda e inaudita, está onde está
um ser humano, quer use turbante, solidéu ou quipá.
* Richard Bach
In "O Montemorense!", 20/11/2015