Efeito borboleta: este conceito, já
desenvolvido num belo filme de 2004, de Eric Bress e J. Mackye Gruber, aplicável
a tantas situações do nosso planeta e do nosso dia-a-dia, baseia-se no
princípio de que “o bater de asas de uma borboleta no Japão pode causar um
tufão nos Estados Unidos”. Nunca tal ideia teve tanta força de lei: estamos (alguém
tem dúvidas?) a viver um permanente efeito borboleta desde há dois anos a esta
parte, iniciado não por uma borboleta, mas por outros animais infectados, num
mercado em Whuan, na China, em Dezembro de 2019. A partir daí foi o descalabro
total.
As acções, os comportamentos, as
decisões de qualquer um de nós, modestos grãos de areia de todo este complexo
chamado vida, alteram substancialmente, para melhor ou para pior, a existência
de outros seres que vivem a milhões de quilómetros de distância. Por isso,
seria perfeitamente expectável que os festejos futebolísticos, a recusa em usar
máscara, as festas clandestinas, enfim, o desrespeito total pelas normas neste
tempo de pandemia só viesse a dar no que deu. Agora, aguentem-se.
Aguentemo-nos. A imagem romântica e fofinha de uma
borboleta a bater as asas foi por mim, desde há algum tempo, substituída pela de
um morcego. O efeito é o mesmo.
O desgoverno que nos desgoverna: governar um país nos tempos de hoje
não será fácil e não invejo Costa e sus compañeros que, claramente, já
não sabem como dar conta disto. O acidente na A6 que vitimou um conterrâneo
nosso, de Santiago do Escoural, e a ausência de explicações por parte do
ministro da Administração Interna poderão ter sido a gota de água. Fala-se de
uma “megaremodelação” ministerial. Quando os meus 12 leitores estiverem a ler
isto, muito provavelmente já o ministro Cabrita saiu, acompanhado de outros que
já não andam cá a fazer nada de jeito. (Já agora, espero que leve também com ele
o da Educação, pelos mesmíssimos motivos). Mas não serão os novos governantes
que vêm resolver o caos em que nos encontramos. Eles vêm apenas tipo Deus ex-machina
(vão ver o que é isto, que eu não tenho muito mais espaço para grandes
explicações), à laia de manobra de diversão e para satisfazer a gritaria da Oposição
que, muitas vezes, não faz nem deixa fazer.
Terra
de santos e heróis: Montemor, apesar da
pandemia e desse belo e terrível conceito do “efeito borboleta”, iniciou o Verão
com a abertura das piscinas e com a organização de espectáculos musicais e
performativos, um pouco por toda a cidade. Enquanto
escrevo, dou uma olhadaleda para o gráfico da pandemia referente ao nosso concelho
e leio que há já 50 casos activos e 63 mortes até ao momento. Fiz há dias um
pequeno comentário nas redes sociais em relação à abertura das piscinas.
Responderam-me alguns defensores do partido maioritário da autarquia que só lá
vai quem quer, outros que está tudo de acordo com as regras de segurança. Na verdade, o pessoal que dá respostas destas não percebe mesmo
nada do que se está a passar. Isto não tem nada a ver com o gostar ou o não
gostar de quem gere os nossos destinos. Nada disso!!!! Tem a ver com outros
factores muito mais importantes do que qualquer partido político. Ou então,
insistindo nas suas teorias, querem fazer valer o epíteto que, há muito
séculos, engrandece Montemor: sermos terra de santos e de heróis. Mas de heróis…
mortos.
Enginhêros:
o meu saudoso sogro dizia-me há muitos anos, quando falávamos sobre as novas
formas de ensino e a falta de vontade de muitos alunos de se dedicarem
seriamente aos estudos: “Ainda virá o tempo em que vamos parar o carro antes
de atravessarmos uma ponte, batemos com os pés logo ali ao princípio da construção
e, se não cair, avançamos.” Já não viveu o suficiente para testemunhar o
desespero de professores e alunos para se adaptarem às aulas à distância, tipo
de ensino que eu entendo, por muitos motivos, estar sujeito às mais
extraordinárias fraudes intelectuais de sempre. Uma cábula na bainha da saia?
Um auxiliar de memória num rolinho em letras microscópicas? Isso já passou tudo
à história. O que está a dar agora são mesmo as aulas online. Daqui a duas
gerações teremos professores, médicos, engenheiros, advogados, arquitectos,
técnicos de toda a espécie, a funcionarem sempre com o manual de instruções à mão.
Isto se o souberem ler.
A arte de escrever ficção: a escrita é uma arma poderosa que
já elegeu presidentes e derrubou governos. O acto de escrever substitui, como
referiu o mestre Stephen King, a carabina com que o escritor desejaria derrubar
meia-dúzia de tipos desagradáveis (tradução livre do original). Escrever é pôr
tudo o que se tem, de bom e de mau, numa folha em branco. Depois da frase
decidida, da página completa, do livro acabado, nada fica igual na nossa
cabeça, na nossa vida e nas nossas relações pessoais. Para o bem e para o mal.
E todos os que escrevem sabem disso. E, sempre à beira do abismo, aceitam
cegamente, qual salto no desconhecido, todas as consequências da sua arte. A construção do meu romance “Sertório, uma
história de Vila Nova”, a sua aceitação pelos leitores e as reacções de dezenas
de pessoas à história e ao autor está a ser uma das experiências mais
extraordinárias da minha vida. Obrigado.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Julho de 2021