quarta-feira, 14 de julho de 2021

Opiniões sem importância

 


            Efeito borboleta: este conceito, já desenvolvido num belo filme de 2004, de Eric Bress e J. Mackye Gruber, aplicável a tantas situações do nosso planeta e do nosso dia-a-dia, baseia-se no princípio de que “o bater de asas de uma borboleta no Japão pode causar um tufão nos Estados Unidos”. Nunca tal ideia teve tanta força de lei: estamos (alguém tem dúvidas?) a viver um permanente efeito borboleta desde há dois anos a esta parte, iniciado não por uma borboleta, mas por outros animais infectados, num mercado em Whuan, na China, em Dezembro de 2019. A partir daí foi o descalabro total.

As acções, os comportamentos, as decisões de qualquer um de nós, modestos grãos de areia de todo este complexo chamado vida, alteram substancialmente, para melhor ou para pior, a existência de outros seres que vivem a milhões de quilómetros de distância. Por isso, seria perfeitamente expectável que os festejos futebolísticos, a recusa em usar máscara, as festas clandestinas, enfim, o desrespeito total pelas normas neste tempo de pandemia só viesse a dar no que deu. Agora, aguentem-se. Aguentemo-nos. A imagem romântica e fofinha de uma borboleta a bater as asas foi por mim, desde há algum tempo, substituída pela de um morcego. O efeito é o mesmo.

 O desgoverno que nos desgoverna: governar um país nos tempos de hoje não será fácil e não invejo Costa e sus compañeros que, claramente, já não sabem como dar conta disto. O acidente na A6 que vitimou um conterrâneo nosso, de Santiago do Escoural, e a ausência de explicações por parte do ministro da Administração Interna poderão ter sido a gota de água. Fala-se de uma “megaremodelação” ministerial. Quando os meus 12 leitores estiverem a ler isto, muito provavelmente já o ministro Cabrita saiu, acompanhado de outros que já não andam cá a fazer nada de jeito. (Já agora, espero que leve também com ele o da Educação, pelos mesmíssimos motivos). Mas não serão os novos governantes que vêm resolver o caos em que nos encontramos. Eles vêm apenas tipo Deus ex-machina (vão ver o que é isto, que eu não tenho muito mais espaço para grandes explicações), à laia de manobra de diversão e para satisfazer a gritaria da Oposição que, muitas vezes, não faz nem deixa fazer.

 Terra de santos e heróis: Montemor, apesar da pandemia e desse belo e terrível conceito do “efeito borboleta”, iniciou o Verão com a abertura das piscinas e com a organização de espectáculos musicais e performativos, um pouco por toda a cidade. Enquanto escrevo, dou uma olhadaleda para o gráfico da pandemia referente ao nosso concelho e leio que há já 50 casos activos e 63 mortes até ao momento. Fiz há dias um pequeno comentário nas redes sociais em relação à abertura das piscinas. Responderam-me alguns defensores do partido maioritário da autarquia que só lá vai quem quer, outros que está tudo de acordo com as regras de segurança. Na verdade, o pessoal que dá respostas destas não percebe mesmo nada do que se está a passar. Isto não tem nada a ver com o gostar ou o não gostar de quem gere os nossos destinos. Nada disso!!!! Tem a ver com outros factores muito mais importantes do que qualquer partido político. Ou então, insistindo nas suas teorias, querem fazer valer o epíteto que, há muito séculos, engrandece Montemor: sermos terra de santos e de heróis. Mas de heróis… mortos.

             Enginhêros: o meu saudoso sogro dizia-me há muitos anos, quando falávamos sobre as novas formas de ensino e a falta de vontade de muitos alunos de se dedicarem seriamente aos estudos: “Ainda virá o tempo em que vamos parar o carro antes de atravessarmos uma ponte, batemos com os pés logo ali ao princípio da construção e, se não cair, avançamos.” Já não viveu o suficiente para testemunhar o desespero de professores e alunos para se adaptarem às aulas à distância, tipo de ensino que eu entendo, por muitos motivos, estar sujeito às mais extraordinárias fraudes intelectuais de sempre. Uma cábula na bainha da saia? Um auxiliar de memória num rolinho em letras microscópicas? Isso já passou tudo à história. O que está a dar agora são mesmo as aulas online. Daqui a duas gerações teremos professores, médicos, engenheiros, advogados, arquitectos, técnicos de toda a espécie, a funcionarem sempre com o manual de instruções à mão. Isto se o souberem ler.

 A arte de escrever ficção: a escrita é uma arma poderosa que já elegeu presidentes e derrubou governos. O acto de escrever substitui, como referiu o mestre Stephen King, a carabina com que o escritor desejaria derrubar meia-dúzia de tipos desagradáveis (tradução livre do original). Escrever é pôr tudo o que se tem, de bom e de mau, numa folha em branco. Depois da frase decidida, da página completa, do livro acabado, nada fica igual na nossa cabeça, na nossa vida e nas nossas relações pessoais. Para o bem e para o mal. E todos os que escrevem sabem disso. E, sempre à beira do abismo, aceitam cegamente, qual salto no desconhecido, todas as consequências da sua arte.  A construção do meu romance “Sertório, uma história de Vila Nova”, a sua aceitação pelos leitores e as reacções de dezenas de pessoas à história e ao autor está a ser uma das experiências mais extraordinárias da minha vida. Obrigado.


João Luís Nabo

 In "O Montemorense", Julho de 2021

Distraídos crónicos...


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