I
De partida
Em quase cinquenta anos de regime
democrático (umas vezes mais, outras vezes menos), nunca se viu coisa assim.
Mesmo quem nutra alguma simpatia por este ou por aquele político, por motivos
menos racionais, claro, ficou recentemente desprovido de qualquer gota de paciência
para aceitar a catadupa de acontecimentos vergonhosos que invadiu as televisões
e os jornais e, consequentemente, o nosso dia-a-dia, protagonizados pelo Primeiro-ministro,
pelo ministro Galamba, pelos amiguchos do Costa, pelo Presidente da República,
cada vez menos capaz de gerir a crise, pelo Governador do Banco de Portugal e,
provavelmente, por outros amiguinhos que, de menor importância, não merecem ter
o nome nos cabeçalhos das notícias.
Porque todos nós sabemos o que
aconteceu, não se justifica gastar o meu e o tempo dos meus 8 leitores (9, peço
desculpa) a recordar as figuras tristes e comprometedoras desses indivíduos que
governam esta terra de tantos santos e de muitos mais heróis (nós, os
contribuintes). Resta, na verdade, deixar a reflexão e perguntar se, no Governo,
está tudo maluco e quebradiço, ou se Portugal e os portugueses não merecem o
mínimo respeito vindo dessa gentinha que, cada vez mais, mostra as suas
verdadeiras ambições: o Poder, não para governar, mas para a distribuição de
favores, para a criação de grupos secretos e conluios e conspirações, envolvendo
negócios de milhões e sacos de dinheiro com uns trocados a servirem de
marcadores de livros.
Se não mudarem os políticos (e não
antevejo melhoras no horizonte), mudo eu de nação. E é já em Janeiro. (Alguém
quer boleia?)
II
De regresso
Dizem que não se
deve voltar aos sítios onde se foi feliz. Tenho dificuldade em concordar com
este aforismo, já transformado num cliché cediço e sem piada nenhuma. Todos sabemos que
há lugares que, revisitados, nos podem reacender essa felicidade, já um pouco
distante no tempo.
O meu novo livro,
a ser lançado em breve, é um conjunto de vinte e quatro contos escritos no
Verão de 2022, um pouco por esse Alentejo, nosso e muito nosso. Regressei,
recentemente, por breves instantes, a Vila Viçosa, vila branca e com lugar
cativo na História e na Literatura de Portugal. Nela escrevi “O Grito do Falcão”
e “O Ajuste de Contas”, duas das histórias desse livrinho quase maldito. A
esplanada, na Praça da República, extensa no seu rectângulo ajardinado, estava
vazia e as mesas e cadeiras empilhadas à espera de melhor tempo. Contudo, e
ainda assim, consegui respirar o mesmo ar que por ali circulava naqueles dois dias
quentes de Agosto, um para cada conto, comigo agarrado à solidão das palavras,
mas rodeado sempre por muita gente, alguns estrangeiros, outros habitantes da
vila, que vinham tomar o seu café matinal, olhando para mim, primeiro com
desconfiança, depois com um certo ar de benevolência.
Neste exercício de
memória, senti também um outro tipo de felicidade: o de perceber que, muito
provavelmente, sem este cenário monumental, sem os sons das vozes, as cores dos
fatos de Verão que me invadiram os sentidos naquelas manhãs, as histórias
teriam sido outras ou, provavelmente, nem sequer tinham existido.
Pois o livro, que
poderá estar em breve nas vossas mãos, é sobre Vila Nova, escrito aqui, em
Montemor, e também em terras mais distantes, como Vila Viçosa, Alandroal, Santiago Maior, Monte do Trigo e, até, imaginem, Porto Covo. Acreditem, caros leitores, que
tais excursões literárias, feitas por outros imperativos, só serviram para
comprovar a teoria de muitos de nós sobre a terra que nos viu nascer: quanto
mais afastados de Vila Nova, tanto mais próximos nos sentimos dela, a ponto de,
à distância, com um olhar mais apurado, lhe entrarmos no coração e conseguirmos
revelar os mistérios, os comportamentos, as decisões, as angústias, os
conflitos, as devassidões, os pecados, os segredos de alguns dos seus
extraordinários habitantes.
Aproveito para
agradecer à equipa que me acompanhou e aconselhou até à entrada do manuscrito
na editora: Fernando Mão de Ferro, Helena Gil e Raquel Ferreira (Edições
Colibri), Manuel Filipe Vieira (revisão do texto), Pedro Coelho (autor do
prefácio), Ricardo Feijão (foto da capa) e Tânia Grafino (designer).
Afinal o “eu” transforma-se
em “nós”. Porque os amigos também são para estas ocasiões.
III
Para
fechar
É só mesmo para
isso: para fechar o Cloreto deste mês. Não me sinto muito confortável quando o
texto só tem duas partes. Não é lógico, não é triangularmente saudável, não é
simbólico (como nos contos de fadas), não é bíblico. É por isso que, meus
amigos, estão a ler estas breves linhas, pensando que iam defrontar-se com mais
umas frases daquelas para fazer pensar. De qualquer modo, ficamos mais seguros
sabendo que entre o um e o três há o dois. Porque, só
assim, o dois, amparado pelos amigos (ao contrário de Costa), faz todo sentido.
Aqui e em toda a parte.
João Luís Brejo Nabo
In "O Montemorense", Novembro de 2023