Comemoramos hoje a Revolução de Abril. Uns olham-na com nostalgia, com vontade de regressar aos tempos em que os ideais de Abril eram gritados vinte e quatro goras por dia; outros, com uma dúvida profunda sobre se terá valido a pena, sentindo que os tempos de hoje envergonham tudo por que tantos lutaram na clandestinidade. Pois, não deve ser olhada nem de uma maneira nem de outra. Os movimentos e as revoluções têm o seu tempo próprio e as motivações próprias que os fazem evoluir até à sua concretização. O fundamental, em 1974, era libertar o país do jugo de um ditador que tratava Portugal como uma enorme herdade, onde todos tinham de pensar pela cabeça do Capataz, sem liberdade de movimentos, de expressão e de vontade.
Todos os anos comemoro Abril, contando aos meus filhos o terror com que muitos portugueses viviam antes dessa data. E acabo sempre por falar de montemorenses presos em Caxias ou no Forte de Peniche, porque queriam um país onde todos tivessem trabalho, comida, uma casa decente e liberdade de opinião sobre a sua própria vida e a vida dos seus filhos, sobre o país e os seus governantes. É inevitável, pois, recordar o António Gervásio, o Manuel João Laibaças (tio do meu sogro) e o meu amigo João do Machado, com quem já tive o prazer de conversar várias vezes sobre os seus ideais e a sua luta política. Sabemos que, para os nossos filhos e para os que nasceram em liberdade, não é possível entender a profundidade da diferença entre o ontem e o hoje.
O ontem era a mordaça e o Tarrafal. Hoje podemos não gostar do Governo, criticar José Sócrates e os seus amigos, mas terror, esse substantivo que encerra o mais indescritível sentimento que podemos ter, terror não há. E quando reclamamos por melhores condições na Educação, na Saúde, quando exigimos mais emprego, mais justiça social e a condenação dos corruptos e dos criminosos, independentemente da cor do seu colarinho, nenhum de nós vai preso por causa disso. E essa continua a ser, ainda, a maior conquista de Abril.