Ah, futebol, e tal,
Campeonato do Mundo, Ronaldo, o maior, e tal, e está lesionado, e já não está
lesionado, e vamos ganhar aquilo tudo e má-na-sê-quê. Os noticiários abrem
todos a falar da mesma coisa com um entusiasmo tal que até parece que Cristo
desceu à terra. Sei que a maioria dos portugueses, meus compatriotas e tão
patriotas como eu, querem é pagode e vitórias e grandes jogos, com fintas a
sério, defesas monumentais, remates irrepetíveis e grandes penalidades a nosso
favor, nem que para isso se parta o perónio a um jogador luso. Acho lindo este
sentimento de união. Acho fofo tantos abracinhos, tantos gritinhos, tantos
cachecolinhos com as cores da nação, tantas pinturinhas na fronha com as quinas
de Portugal.
No entanto, para que esse entusiasmo fosse legítimo, para que
essa alegria se tornasse num hino de esperança e de glória, qual festim a
comemorar a chegada de D. Álvares Cabral ao Brasil, a equipa de Portugal,
formada, dizem os entendidos, pelos melhores jogadores do país, deviam jogar futebol
a sério e preocupar-se menos com a imagem, com as selfies, com o penteado, com a cueca da moda, a conta num banco não
sei quantos, assim tipo ronaldices e meireldices. Não queremos modelos de passerelle. Queremos profissionais que
justifiquem os milhões que ganham por mês, e que são uma afronta a qualquer
português, que, honesta e abnegadamente, tenta pôr o quotidiano pão na mesa
onde come com a mulher e os filhos. Por isso, não me venham com tretas. Mas
ganho o mesmo com este pedido. Já sei que, se perdermos os jogos, vai ser por
causa do clima, por causa do árbitro, por causa do penteado do Paulo Bento, por
causa das boazonas que circulam por ali e que distraem os másculos e muito
homens jogadores da nossa querida selecção.
Portanto, meus amigos: tenham vergonha e joguem. É só isso
que têm de fazer. Se não são capazes… então ponham os fatinhos Armani e os pitons
xpto nas valises Louis Vuitton e voltem para Portugal. Há sempre uma ou outra vaga
na construção civil que vos pode vir a dar jeito.
Ir ao Mundial não é, repito, não é a mesma coisa do que ir à Eurodisney! Deixem de ser um bluff
nacional. Já temos que chegue.
In "O Montemorense", de 20 de Junho de 2014