Já se escreveu
muita asneira
sobre a pandemia, sobre os cuidados a ter, sobre as cadeias de transmissão, os
contágios, as vacinas, as urgências em ruptura, médicos, enfermeiros, técnicos
e auxiliares em exaustão profunda. Tenho a sensação de que poderá tudo começar
outra vez, com o levantamento das medidas. Talvez não. Teremos, segundo alguns
analistas, de aprender a viver com o vírus e andar com a vida para a frente. Quero acreditar que assim é. Porque também
estou farto de tantos medos e de tantos afastamentos. Quem me tira um abraço,
um xôxo repenicado, uma almoçarada descontraída, um concerto vivido ao extremo,
uma aula sem máscaras e sem gel… tira-me tudo. Ainda assim, o horizonte não se
me afigura muito seguro.
Estamos a encerrar o ano lectivo,
mais um ano lectivo, fazendo o balanço dos pontos altos e dos pontos baixos
desta maratona de nove meses. Querem saber o que eu acho mesmo? Acho que uma
parte dos alunos anda demasiado envolvida em projectos de vária ordem e mal tem
tempo e concentração para se dedicar aos estudos das matérias, essenciais para
um prosseguimento académico seguro e sem sobressaltos. Claro que as actividades
extra-curriculares são importantíssimas no desenvolvimento dos jovens e das
suas capacidades intelectuais, sociais e humanas! No entanto, há que restabelecer um certo
equilíbrio para que as actividades fora da sala de aula sejam complemento das
matérias e das vivências intramuros. Se não houver essa aquisição de
conhecimento, as actividades fora da escola não poderão complementar seja o que
for.
A guerra na Ucrânia passou de
muito dramática a dramática, de dramática a coisa comum, que irá decorrer até
ao fim do ano (dizem). A frieza com que, aos poucos, começámos a encarar os
números de mortos, feridos, estropiados, desalojados, o olhar acrítico que
dirigimos às imagens e às notícias que continuam a chegar-nos todos os dias a
casa assusta-me tanto como a própria guerra. Indigna-me mais do que a
impotência manifesta da União Europeia perante este verdadeiro genocídio.
Temos um
Presidente da República fala-barato. Não é novidade e até achamos alguma
piada quando ele, sempre muito desbocado, conta coisas ao país que António
Costa não quer que se saibam. Mas ele é assim: professor, comunicador, pedagogo
e… fala-barato. Muitos ministros deverão, com certeza, dirigir-se a ele para
tomarem conhecimento de assuntos dos seus próprios ministérios…
Cá em casa, e
perante estes meus desabafos, a Fofa respondeu-me que o objectivo do Professor
Marcelo é compensar o prolongado tempo de silêncio em que vivia mergulhado o
Professor Aníbal, que nunca comentava nada, que nunca sabia de nada, que nunca
dizia nada. “Agora que devia estar calado”, acrescentou ela enquanto
fazia uma festinha ao Balú, “é que aparece, vindo de outro mundo, a espalhar
veneno sem dó nem piedade!”
No momento de
produção
deste pequeno conjunto de textos, uma das notícias que enche os telejornais é a
falta de médicos obstetras nos hospitais da Região de Lisboa. Se me dissessem
que esta situação se passava no interior do país, aceitava melhor, ainda que
contrariado. Agora, em Lisboa? Na capital do Reino? O que anda o Ministério da
Saúde a fazer? E o resto do Governo? Ainda não perceberam que morreu um bebé
recém-nascido, vítima desta situação inaceitável e absolutamente terceiro-mundista?
No passado dia 30
de Maio
encerrou as suas portas uma das mais icónicas Casas da cidade. Tão icónica, que
o Largo da República, onde se situa, passou a ser conhecido em toda a parte por
Largo do Almansor – do Café Almansor. Fui cliente desde a minha tenra
adolescência e foi lá, à volta de petiscos extraordinários, que reforcei laços
de amizade e criei outros que duraram a vida inteira.
Pois no dia 30 fui
ao Café Almansor pela última vez, despedir-me do Evaristo e do Zé Maria e das
suas companheiras de uma vida. Deixei ficar dois exemplares do “Sertório”,
história em que ambos têm uma breve participação, logo no segundo capítulo: “Pois
o Zé Maria e o Evaristo, actuais proprietários do histórico Café, porque não
tinham ninguém para servir, e porque as grandes novidades vinham do exterior,
estavam à porta, quase em bicos dos pés, tentando descortinar os pormenores do
terrível acontecimento, ocorrido mesmo à frente, no alto da escadaria, à porta
da Sociedade Filarmónica. Os carros estacionados no parque diante do
estabelecimento não se viam, de tal modo estavam cobertos de gente.”[1]
Bom descanso para todos. A gente vai-se
encontrando por aí.
Está calor. Sempre
esteve calor no Alentejo nesta época do ano. Não havia era telemóveis para
registar as temperaturas anunciadas pelos termómetros dos carros do pessoal e
nem Facebook e Instagram e Twitter e má-na-sê-quê para
fazer a respectiva publicaçãozinha. Mas
não são só as temperaturas altas. São também as baixas. Esperem por Dezembro e
logo vêem… Mas o que mais me atormenta não é bem isto. Percebo que as pessoas
queiram narrar ao minuto toda a sua vida, sobretudo quando fazem viagens
exóticas, que é para irritarem os amigos. Compreendo, com uma enorme margem de
tolerância, que ponham nas redes sociais os almoços, os jantares, as homenagens
às mulheres, às noivas, aos noivos, às ex-, aos ex-, os concertos, as primeiras
comunhões, os casamentos, as vendas dos trapinhos, as idas à pesca e à caça… Há
influencers de fim-de-semana que publicam o que queremos e até o que não
queremos ver. Qualquer dia, ainda assistimos ao filme da sua lua-de-mel e
depois queixam-se de que foram vítimas de phishing ou lá como é que diz.
Mas ainda não é
isto que me atormenta. O que me causa grande embechação, o que me tira o
soninho e a vontade de existir é quando os autores das publicações põe um Gosto
na própria publicação. E às vezes até numa foto tirada depois de almoço. Isto é
que me tira do sério. De resto… nada a dizer.