sexta-feira, 21 de março de 2014

Emílio





Começo este texto com uma profunda ansiedade. "O seu artigo é o primeiro que leio", disse-me uma senhora amiga que nem eu sabia que tinha paciência para as minha diatribes. Assim, começo a escrita deste mês ansioso porque sei que há, pelo menos, uma pessoa que me lê (não contando com a minha mãe). E essa ansiedade, desta vez, é maior porque há tanto sobre que escrever que acabo por engasgar o teclado com as ideias, os desabafos e as críticas que me escorrem das pontas dos dedos. Por isso, para não haver tragédias narrativas, o tema é só um. E luminoso.


Ora leiam:

O Emílio Umaña Rodriguez é meu aluno. Seria um aluno como todas as outras centenas de jovens que já se sentaram à minha frente na sala de aula, cada um, naturalmente, com as suas vidas, gostos, capacidades e outras idiossincrasias que condicionam sempre a sua relação com o professor, a escola, as matérias e a vida. Porém, o Emílio é um aluno que chegou à Escola Secundária (já não se chama bem assim, mas estou a borrifar-me) vindo, imaginem, de uma cidade que fica a 8 mil quilómetros de Montemor – Morelia, no México.

Chegou em Setembro e, passados estes poucos meses, fala um português quase, quase correcto, integrou-se numa turma de 11.º ano (com visitas frequentes a outras turmas, por questões curriculares) fez amigos e ligou-se a uma família de Montemor, que o recebeu como se mais um filho fosse. Juntamente com a directora de turma, fiquei como um dos responsáveis pela integração do Emílio na Escola e… no espaço montemorense. Claro que, terminada cada aula, este aluno especial passa a maior parte do tempo com colegas da turma B, do 11.º ano, um grupo generoso, inteligente e arejado das ideias. Também eles tiveram um papel fundamental na integração e no bem-estar deste seu novíssimo amigo. Merecem, por isso, o nosso reconhecimento e a nossa admiração.

Quando pensamos na responsabilidade em que se transforma a vinda de um aluno estrangeiro para a nossa Escola, longe da sua cidade, da sua família e dos seus amigos, em suma, a 8 mil quilómetros da sua zona de conforto, fazemos um esforço suplementar para lhe oferecer as melhores condições de aprendizagem, um ambiente confortável, simpático e honesto. Queremos, no fundo, que ele se sinta como todos os outros nossos alunos, ou seja, como se tivesse frequentado a nossa escola… desde sempre. E creio que o temos conseguido.

Sabemos que o ensino em Portugal está na ordem do dia. Os professores também. Mas não pensem que a forma como temos vindo a ser tratados nos faz alterar o nosso sentido de responsabilidade e rigor profissional. Muito menos, quando temos um adolescente que, em Junho, vai regressa a Morelia, no México, para continuar a sua vida.

Pois eu acredito que o ano lectivo que o Emílio está a viver entre nós não será apenas inesquecível, como irá ser o grande ano de toda a sua vida. E nós, professores, família de acolhimento e novos amigos, também não iremos esquecer o rosto do jovem mexicano, a forma afável como aceitava as nossas decisões sobre a sua vida pessoal e escolar, a sua simpatia, intelecto, educação e integridade.

"Porque será que está a partilhar connosco esta questão?", perguntará a tal amiga e fiel leitora. Porque esta foi a primeira experiência do género em 30 anos de serviço. E porque, quando pensamos que sabemos muito, há sempre um puto mexicano a ensinar-nos mais qualquer coisa.

Por isto e por muito mais, o Emílio já não é mexicano e também não chegou a ser português. Com 16 anos, é já um Cidadão do Mundo.

In jornal "O Montemorense", de 20 de Março, 2014


 

terça-feira, 11 de março de 2014

Os colégios de João Ferreira

João Ferreira escreveu, hoje, no Público online, referindo-se ao Colégio Militar e ao extinto Instituto de Odivelas:


"Num Portugal trucidado pela baixa política e pela corrupção, ferido gravemente na sua soberania e desfibrado de carácter, ...a afirmação de tal colégio (de tais colégios!) é uma centelha de esperança no porvir da nação."

Peço desculpa, João Ferreira, mas tenho de acrescentar umas ideias ao seu texto: acredito que os rapazes e as raparigas saiam meninos bem comportados desses colégios. Mas nem sempre, lá dentro, se comportam assim tão bem. Que saem de lá preparados para a vida activa, diz o articulista. Também na escola pública, onde e para a qual trabalho há mais de trinta anos, procuramos que todos os alunos saiam com ferramentas úteis para singrarem na vida. Os professores que trabalham na escola pública trabalham para TODOS e com TODOS sem excepção e não para uma minoria que teve a sorte (ou não) de descender de uma família que pode sustentar todas as despesas inerentes à sua educação nesses lugares tão especiais.

Não sou contra os colégios, mas continuo a acreditar e a lutar por uma escola pública cada vez melhor. Ah, e não gostaria de trabalhar nesses colégios. Não me dava pica.

Distraídos crónicos...


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