Começo este texto com uma profunda ansiedade. "O seu artigo é o primeiro que leio", disse-me uma senhora amiga que nem eu sabia que tinha paciência para as minha diatribes. Assim, começo a escrita deste mês ansioso porque sei que há, pelo menos, uma pessoa que me lê (não contando com a minha mãe). E essa ansiedade, desta vez, é maior porque há tanto sobre que escrever que acabo por engasgar o teclado com as ideias, os desabafos e as críticas que me escorrem das pontas dos dedos. Por isso, para não haver tragédias narrativas, o tema é só um. E luminoso.
Ora leiam:
O Emílio Umaña Rodriguez é meu aluno. Seria um aluno como todas as outras centenas de jovens que já se sentaram à minha frente na sala de aula, cada um, naturalmente, com as suas vidas, gostos, capacidades e outras idiossincrasias que condicionam sempre a sua relação com o professor, a escola, as matérias e a vida. Porém, o Emílio é um aluno que chegou à Escola Secundária (já não se chama bem assim, mas estou a borrifar-me) vindo, imaginem, de uma cidade que fica a 8 mil quilómetros de Montemor – Morelia, no México.
Chegou em Setembro e, passados estes poucos meses, fala um português quase, quase correcto, integrou-se numa turma de 11.º ano (com visitas frequentes a outras turmas, por questões curriculares) fez amigos e ligou-se a uma família de Montemor, que o recebeu como se mais um filho fosse. Juntamente com a directora de turma, fiquei como um dos responsáveis pela integração do Emílio na Escola e… no espaço montemorense. Claro que, terminada cada aula, este aluno especial passa a maior parte do tempo com colegas da turma B, do 11.º ano, um grupo generoso, inteligente e arejado das ideias. Também eles tiveram um papel fundamental na integração e no bem-estar deste seu novíssimo amigo. Merecem, por isso, o nosso reconhecimento e a nossa admiração.
Quando pensamos na responsabilidade em que se transforma a vinda de um aluno estrangeiro para a nossa Escola, longe da sua cidade, da sua família e dos seus amigos, em suma, a 8 mil quilómetros da sua zona de conforto, fazemos um esforço suplementar para lhe oferecer as melhores condições de aprendizagem, um ambiente confortável, simpático e honesto. Queremos, no fundo, que ele se sinta como todos os outros nossos alunos, ou seja, como se tivesse frequentado a nossa escola… desde sempre. E creio que o temos conseguido.
Sabemos que o ensino em Portugal está na ordem do dia. Os professores também. Mas não pensem que a forma como temos vindo a ser tratados nos faz alterar o nosso sentido de responsabilidade e rigor profissional. Muito menos, quando temos um adolescente que, em Junho, vai regressa a Morelia, no México, para continuar a sua vida.
Pois eu acredito que o ano lectivo que o Emílio está a viver entre nós não será apenas inesquecível, como irá ser o grande ano de toda a sua vida. E nós, professores, família de acolhimento e novos amigos, também não iremos esquecer o rosto do jovem mexicano, a forma afável como aceitava as nossas decisões sobre a sua vida pessoal e escolar, a sua simpatia, intelecto, educação e integridade.
"Porque será que está a partilhar connosco esta questão?", perguntará a tal amiga e fiel leitora. Porque esta foi a primeira experiência do género em 30 anos de serviço. E porque, quando pensamos que sabemos muito, há sempre um puto mexicano a ensinar-nos mais qualquer coisa.
Por isto e por muito mais, o Emílio já não é mexicano e também não chegou a ser português. Com 16 anos, é já um Cidadão do Mundo.
In jornal "O Montemorense", de 20 de Março, 2014