Nem sempre estamos preparados para
escrever sobre determinados temas. Nem sempre temos uma visão clara das várias
possibilidades de interpretação dos acontecimentos que nos caem em cima todos
os dias. Nem sempre queremos ver o lado da razão. A voragem do tempo (onde é
que eu já li isto?) deixa-nos cegos, porque a velocidade com que somos
obrigados a reagir nem sempre nos deixa pensar nas palavras certas para nos
sentirmos, nós próprios, esclarecidos sobre aquilo de que temos dúvidas. Mas
não é por isso que muitos dos nossos concidadãos se coíbem de espalhar aos
quatro ventos a sua opinião. E têm-na sobre todos os temas, desde o futebol ao
fado, da religião às culturas forrageiras, do fenómeno Osiriano à forma como se
devem comer uvas sem bagas ou mesmo pastéis de Belém com dois pufes de canela.
Eu, cá por mim, sempre gostei de dar a minha
opinião e, por vezes, devo assumi-lo,
falo até sobre coisas que não são a minha praia. Contudo, fico sempre a saber
mais quando me engano, quando exagero nos comentários, quando não consigo
convencer muitos de que tenho alguma dose de razão ao dizer o que esses não gostam
de ouvir, sobretudo se ocupam cargos públicos, dos quais dependem o nosso bem-estar
e o nosso futuro. E quando afirmo que Montemor está a viver uma das piores
fases das últimas décadas em termos de imagem e de organização de alguns
serviços públicos, acabo sempre por receber alguns esclarecimentos, nem sempre
isentos partidariamente, e nem sempre dirigidos aos factos que aponto ou
descrevo. Porque há que defender a todo o custo os erros que dão trabalho a
corrigir. E porque, no palco da política, os actores procuram sempre, como é
óbvio, que o público não se aperceba dos movimentos nos bastidores.
Foi muito falado na altura, há menos de um mês, o célebre almoço oferecido pela autarquia aos
seus trabalhadores, no dia 24 de Abril, como celebração do dia seguinte, que
marcava os 45 anos daquela revolução que me permite escrever estas coisas.
Levantaram-se vozes críticas, e, na minha opinião, certeiras, quando se
verificou o transtorno que tal almoço veio provocar na dinâmica de determinados
serviços relacionados com algumas escolas do concelho. Ainda que uma verdade
indesmentível, não houve por parte dos responsáveis, pelo menos que eu tenha
sabido, uma justificação cabal e lógica para tal procedimento. Almoço merecido,
sem dúvida. Mas no momento errado. Por isso, deverá haver a necessária abertura
e a humildade correspondente para a sua correcção em momentos futuros. Nada
mais simples.
Continua a ser um verdadeiro calcanhar de Aquiles a
obra que envolve o Jardim, a Rua 5 de
Outubro, a Rua das Escadinhas, o Largo da República e a Rua de Avis. Os
políticos passam por lá com frequência, em passeio ou em funções, e
apercebem-se, tanto quanto os moradores e comerciantes daquelas zonas, da
situação caótica em que todos se viram mergulhados, com ruas esburacadas,
inundadas com as águas da chuva, ficando os transeuntes e os que ali vivem e
trabalham num verdadeiro estado de nervos. Podemos reclamar, naturalmente que
sim, marcar bem o nosso desagrado, publicar petardos nas redes sociais, mas
temos de ser rigorosos, lógicos e intelectualmente honestos. Por muito que
todos tenham razão, a autarquia e os responsáveis que lá vivem não têm, na
minha opinião, de ser responsabilizados pela chuva, pela lama, pelo pó, pelos
buracos ou pela aparente demora das obras. Para que toda aquela zona tenha um
novo aspecto, provavelmente mais prático e esteticamente mais agradável, todo
este movimento inestético, abusivo e prejudicial às nossas rotinas e ao sustento
de alguns de nós é necessário e indispensável.
Mas se, por outro lado, os políticos da terra, de todos os quadrantes, pretendem utilizar esta
questão como arma política para começar a discutir antecipadamente as próximas
eleições autárquicas, julgo que não será esse o melhor caminho. Se, porventura,
a inauguração deste espaço renovado coincidir com as vésperas dessa ida às
urnas (lá para 2021), tal não será de admirar, pois o mesmo aconteceria com qualquer outro partido que governasse a câmara. (É a
política, meus senhores!) E temos essa perfeita noção quando, em termos
nacionais, assistimos às andanças de António Costa e demais familiares nestes
tempos de eleições europeias e nacionais. As obras, essas, são absolutamente
inocentes em relação a tudo isso e o executivo que as mandou fazer não tem de
ser penalizado nas urnas pelos atrasos ou pelos avanços, pela chuva ou pela
seca, que vão acompanhando todo o processo. A discussão para as autárquicas e a
penalização nas urnas, se a houver, tem de ter outra base de diálogo. Deve
discutir-se, isso sim, a necessidade de um urgente progresso económico do
concelho e a consequente fixação de jovens à terra que os viu nascer ou onde
decidiram viver a sua vida; deve ser implementada a aplicação de benefícios
fiscais para quem, corajosamente, investe na cidade e no concelho, contra todas
as marés e todos os velhos do restelo; é inadiável o investimento na
desburocratização da nossa vida diária e na imperiosa necessidade de uma maior
justiça no apoio às associações, em particular, e à cultura, em geral.
É por isso que esses debates
devem passar, em primeiríssimo lugar, pela aceitação das opiniões de todos e pela
vontade manifesta de uma abertura total em relação ao ajuste e à correcção do
que deve ser melhorado. Para tal, há opções que devem ser feitas. Uma delas, fundamental
na minha perspectiva, passa, obviamente, por uma maior libertação das
orientações partidárias e pelo assumir, sem constrangimentos, que o autarca
está em primeiro lugar e sempre ao serviço da população que o elegeu e não do
partido que o lançou como candidato.
Sem querer fazer futurologia, acredito que, se não se operar uma mudança nos
seus estatutos internos e nas suas ideologias antiquadas e “direccionistas”, os
partidos têm os dias contados. Poderá ser apenas daqui a duas ou três décadas, mas
os movimentos de cidadãos “livres” acabarão por ser a solução que marcará a
diferença no nosso panorama autárquico. Porque também eles são conhecedores dos
concelhos e dos aparelhos autárquicos que os governam e porque também eles mostram
ter consciência das carências dos munícipes e da urgência de progresso nas suas
terras. A marcar a diferença está a sua acrescida vontade ilimitada de
construir uma comunidade mais unida, mais amiga e mais interessada nos seus
vizinhos, independentemente das suas origens sociais e das suas ideologias
políticas ou religiosas.
Estamos a viver no futuro. O
passado já foi.
Sei que ainda não é a hora. Mas a
hora soará.
João Luís Nabo
In O Montemorense, Maio 2019
João Luís Nabo
In O Montemorense, Maio 2019
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