* Sophia de Mello Breyner
Quando começamos a ler textos em número maior que o habitual sobre os direitos e o papel da mulher na sociedade, algo começa a estar mal. “Identidade e Família”, um livro escrito a várias mãos, entre as quais as de Bagão Félix, César das Neves, Ribeiro e Castro, Paulo Otero ou Jaime Nogueira Pinto, foi recentemente apresentado por Passos Coelho na Livraria Buchholz, em Lisboa.
Os
temas abordados nestes vinte e dois ensaios acabaram por gerar a polémica
esperada por quem os escreveu. Caso contrário, não os teria escrito. Quando se
começa a defender a família tradicional com todos os valores que lhe estão
inerentes, as novas famílias que foram sendo estruturadas ao longo das décadas
mais recentes, nas quais os elementos deixaram de ser um pai, uma mãe e um(a)
ou mais filho(s), sentem-se naturalmente excluídas, porque são apontadas como
incapazes de proporcionar à sociedade, ou à comunidade onde se inserem,
princípios e valores aparentemente tão válidos ou alegadamente tão sérios como
os apregoados pelos ideólogos mais conservadores.
A
mulher e o seu papel na sociedade, uma das reflexões a merecer o foco na obra
e, consequentemente, nos subsequentes comentários a favor e contra ela, e
centro das atenções desde o Livro do Génesis, continuará, decerto, o seu
percurso. Como exemplo de luta e de vitórias e como elemento fundamental para a
existência de todo este planeta onde vivemos. Como elemento da família,
tradicional ou não, e cuja importância nunca deveria ter sido questionada desde
os tempos mais remotos até a este mês de Abril de 2024, num país que deverá,
para seu próprio bem, manter-se, todos os dias, vinte e quatro sobre vinte e
quatro, em estado alucinante de alerta.
Com
toda a polémica que causou, “Identidade e Família” veio tornar claros os desejos de
alguns dos seus autores, impossíveis de conter mais, de um regresso ao passado,
a uma sociedade patriarcal e masculinizada, onde a mulher voltaria a ser o que
foi durante décadas: uma figura sorridente e decorativa. Então, se os
defensores desse regresso se manifestaram de forma aberta e descomplexada, que
não haja da nossa parte quaisquer complexos em combater, agora com o alvo à
vista, ideias, conceitos e ideologias que têm em comum e por trás uma tentativa
cada vez mais consciente, por parte de uma franja da sociedade, num regresso a
um passado que não queremos de volta.
Nada
é por acaso na política e na religião.
Todas as palavras e todos os actos têm um objectivo, à partida fáceis de
identificar: convencer, manipular, criar ídolos. Passos Coelho foi convidado
para a apresentação deste livro. Não entrou ali por acaso, não tomou a palavra
porque calhou, não defendeu os textos e seus autores por bonomia de carácter, e
acredito que a tenha. Passos esteve
presente para dar uma aula de política a Montenegro, com quem mantém agora uma
relação de civilizada proximidade. Todos perceberam pelas suas palavras, e
utilizando a obra e as suas temáticas como pretexto, que havia ali um subtexto
que Ventura captou como raposa que é: “Montenegro, meu amigo, não sejas
teimoso e dá um beijinho ao André.”
II
Estamos
em Abril novamente.
Cumprem-se 50 anos da Revolução que nos permitiu ser livres. Falar sem medo,
pensar sem medo, dormir sem medo, passaram a ser acções… antes impossíveis. Este
meio século sobre o grito de Salgueiro Maia e dos seus homens no Terreiro do
Paço, em Lisboa, merece ser comemorado, mas sem aquele estranho sentimento que
muitos já querem fazer vingar de que vamos aproveitar porque não sabemos se,
para o ano, tal comemoração será possível. Claro que vai ser possível.
Sabemos
que uma grande parte dos jovens do nosso país tem apenas uma ideia meio
esbatida sobre a Revolução, as suas causas e consequências. Os temas que lhes
interessam são de outra índole, e os pais e os professores nem sempre tornam possível
essa passagem de testemunho, essencial para a sua estrutura e consciência como
seres humanos e portugueses, cujos avós e bisavós viveram numa ditadura abjecta
e cruel que deixou Portugal em sofrimento e “orgulhosamente só” durante cinco
décadas. Afinal, somos todos herdeiros da nossa História, dos crimes cometidos
em nome de Deus e da Pátria, dos feitos dos heróis, dos bons e dos maus
momentos. Para podermos recusar uma ditadura, uma ditadura de qualquer tipo, há
que conhecer de forma séria e aprofundada os tempos de escuridão que milhões de
portugueses viveram, na esperança de um 25 de luz que lhes iluminasse o futuro.
Se
tenho medo dos movimentos político-partidários, todos com a chancela da direita
ou da extrema-direita? Claro que não. Quanto mais visíveis se tornam, mais
facilmente serão combatidos.
Não
se fala muito de opções partidárias cá em casa. Fala-se sobretudo da política
que é preciso fazer vingar em nome do futuro e do progresso. Porque é preciso
manter acesa a chama da Liberdade.
João Luís Nabo
In "O Montemorense" Abril 2024
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