Preciso de partilhar uma
ideia que me anda a ocupar o pensamento há já algum tempo. Muitos
falam do calor, das trovoadas, de sardinhadas felizes, de sangrias
geladas a transbordar no copo, das redes sociais e de como as pessoas
se expõem de forma inconsciente, sem medir as consequências das
fotos e das palavras que publicam. Ainda que anacronicamente, pois
não lembra a ninguém falar de uma coisa destas nesta altura do ano,
é sobre o 25 de Abril que quero conversar com vocês. Sobre a
Revolução que nos trouxe a liberdade de expressão e de pensamento
e, com estas, todas as liberdades que hoje respiramos, assim que
acordamos de manhã.
Foi em 1974, há 43
anos. Marcou a nossa vida, mudou o país e trouxe-nos dos maiores
benefícios que jamais podíamos imaginar. Sabemos, porém, que nem
todos estiveram ao lado da Revolução. Na altura, a maioria não
quis perceber porquê. Mas o que é certo é que quem não era pela
Revolução, era contra a Revolução e não lhe era dada qualquer
oportunidade de defender o seu ponto de vista. Eram a chamada minoria
silenciosa, os anti-liberdade.
Os que pouco ou nada
tinham, os que ganhavam mal e passavam necessidades, os que iam
implorar trabalho aos donos dos meios de produção, gritaram felizes
quando se avizinhou uma manhã mais clara e transparente, ao som das
vozes imortais de Zeca Afonso e de Paulo de Carvalho. Os que, através
das leis que saíam em catadupa para que todo o país marchasse de
forma igual e aplaudisse de forma igual a libertação das grilhetas,
perderam propriedades e outros bens, em nome dessa Revolução, da
igualdade e da fraternidade, não puderam
estar de acordo com o processo utilizado nesse caminho de
democratização do nosso sistema legal, social e político. Eu, no
lugar deles, também não estaria. Se visse as minhas propriedades
ocupadas, sem que me fosse permitida uma palavra, uma opção ou uma
ideia, também não veria com os olhos da tolerância, não a
Revolução, mas os efeitos que ela iria ter na minha vida, no meu
património e na vida dos meus filhos e dos meus netos.
Temos de admitir sem
medo nem vergonha: o 25 de Abril implantou-se, não apenas com os
punhos no ar de quem exigia trabalho, salários justos e comida para
os filhos, mas também com o silêncio e a resignação dos que viram
desrespeitado o que era seu.
Hoje, o 25 de Abril
teria tido outro rumo, creio. Com menos brechas na sociedade, com
menos radicalismo, com mais tolerância de ambos os lados da
barricada. Com menos feridas, ainda abertas após tantos anos. A
insistência constante na sua memória
parece-me, por vezes, redundante e, por isso, desnecessária. Quando
passeio pela minha cidade, tenho a sensação de que se torna quase
obrigatório, nos edifícios públicos, nos cartazes ou em qualquer
manifestação político-partidária a que assistimos, gritar
continuamente vivas ao 25 de Abril, ou inscrever laudas à Revolução,
como se fôssemos uma Cuba Fidelista ou qualquer outro
país socialista soviético da América do Sul, orientado
anacronicamente pela cartilha marxista-leninista, cheio de
dívidas eternas para com as revoluções que por lá vão
acontecendo, para sempre penhorados a um grupo de homens que
decidiram, e bem, mudar o rumo do país.
Obrigado, capitães de
Abril. Quem viveu a Revolução nunca a esqueceu, e quem nasceu já
neste terceiro milénio não precisa que lhe recordem uma coisa da
qual não se lembram. É altura de sermos políticamente maduros e
partidariamente saudáveis. Não precisamos de
que, continuamente, nos obriguem, quatro décadas depois, a
gritar vivas à Revolução. E não. O 25 de Abril não pode ficar
refém de qualquer partido ou organização. Não pode ser o trunfo
de uns contra outros. Ele é, afinal, de todos nós. Com tudo de bom
e com tudo de mau que nos trouxe e há-de
trazer.
E há uma verdade
indesmentível e categórica: neste momento, somos nós que
conduzimos a revolução, independentes e autónomos. Já não
devemos nada a ninguém.
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Junho de 2017
João Luís Nabo
In "O Montemorense", Junho de 2017
6 comentários:
João, como infelizmente é comum neste tipo de temas, estás um bocadinho baralhado (não acredito que a falta de rigor analítico seja intencional, por conseguinte leva-o à conta de mero preconceito ideológico) e portanto (desculpa lá a franqueza) acabas por escrever um texto absolutamente obscurantista, retrógrado, mentiroso e reaccionário.
Espero que este meu comentário ainda esteja dentro dos parâmetros da liberdade que me é consentida pela ditadura da burguesia. De qualquer modo, se vires que se trata do comentário de um perigoso Bolchevique, já sabes qual é o teu papel enquanto zelador da moral vigente e dos bons costumes que a sustentam: não o publiques.
No meu comentário anterior faltou um "pormenor" que para mim é importante: não terminaria nunca um texto, fosse dirigido a quem fosse, sem que lhe enviasse cumprimentos. Por maioria de razão jamais o faria em relação a ti, como sabes. Fica esta observação e a reparação do meu lapso que para mim - repito - é de importância fundamental.
Meu caro João Luís:
uma nota: o meu "saber" só me permite opinar por mail.
E eis a minha opinião:
Eu revejo-me no seu texto. se fora um abaixo assinado, eu daria a minha assinatura.
Além de bem escrito, tem um conteúdo esclarecido, distanciado, real e verdadeiro e nada do que foi dito ( de obscurantista a reaccionário).
O João Luís não precisa ser zelador de nada, basta ser escritor, um escritor livre. Tenha sempre coragem e escreva como sabe e pensa.
Nem sempre quem grita mais tem mais razão; conheci e conheço pessoas que gritaram e gritam ( e insultam) como já o fizeram no "outro tempo" e a favor desses mandarins da época.
Permita-me que fale do meu pai: era analfabeto e começou a guardar ovelhas aos 6 anos e a sua vida foi sempre dura e pobre mas digna. Em pleno PREC falávamos. E ele discordava dos excessos. E houve tantos. Como terem "arrancado" o patrão Abílio, da Herdade da Chaminé, da sua cama e doente.E por gente que nada tinha de rural.
Ao meu Pai assistia sempre o seu bom senso e o seu humanismo. Se fosse vivo, e eu lhe lesse o seu texto, ele também daria a sua assinatura.
Obrigado, João Luís.
Um abraço.
José de Matos Júnior
... Ele há coisas ... ! Vi ontem, alta noite , um filme : " O ESCOLHIDO " - O assassinato de Leon Trotsky no México, por Ramon Mercarder, espião soviético. Não venho opinar, apenas referir que isso levou-me a procurar e ler biografias dos intervenientes. E li várias vezes a palavra " bolchevique " . E de forma alguma esperava vir lê-la hoje em circunstâncias outras... e fiquei triste, mesmo triste ! E penso que outros haverá que lendo ficarão, como eu , tristes .
MAS ESPERA LÁ! ... E PORQUE NÃO , FELIZ TAMBÉM ? Por mim, por vocês, por todos !
AFINAL SOMOS LIVRES ! TEMOS LIBERDADE PARA ESCREVER, PARA TERMOS OPINIÃO E EXPRESSÁ-LA !
E PODÍAMOS NÃO TÊ -LA ! PODERÍAMOS NÃO SER LIVRES,PODERÍAMOS NÃO PODER EXPRESSAR OPINIÃO ! DÚVIDAS ?
Eu também tenho um sonho : gostaria um dia, à volta duma mesa grande, com assistência grande e porque já não há grilhetas , ouvir as opiniões todas, porque, sobre " isto " inda há muito luto por fazer " ... pela minha parte, estou disponível.
José Bexiga
Por razões de estabilidade emocional que são absolutamente relevantes para a minha condição de saúde, não voltarei a dizer mais nada sobre esta publicação. Deixo aqui por conseguinte apenas algumas notas finais.
Numa sociedade estratificada em classes os choques entre essas classes (não confundam classes sociais com pessoas concretas, porque isso é uma fulanização bacoca e sem sentido) resultam do carácter antagónico dos seus interesses. Daí que para o dono do “Pingo Doce” trabalhar no Primeiro de Maio seja o fruto natural da dissolução desses antagonismos de classe e por tal razão, seguramente que não pretende comemorações nem de punho no ar nem de cravo na lapela, nem que sejam apropriadas por ninguém, sobretudo se armado com uma filosofia transformadora. Contudo, para os trabalhadores – precários muitos deles, nalguns casos com formação superior e seguramente mal pagos – os antagonismos estão todos lá e a oposição dos seus interesses é irresolúvel.
Os processos históricos são muitas vezes acompanhados de excessos vários que todos reconhecemos (não fosse assim e ainda hoje teríamos a escravatura ou o feudalismo como modos de organização social das relações de produção). Em Portugal, com fontes documentais incontestadas e acessíveis e todos, de modo que permitem a sua sindicabilidade, foi recentemente publicado um livro maldito: “Quando Portugal Ardeu”. Verifiquemos aí quem esteve de facto envolvido nos actos de violência gratuita (homicídios incluídos), quem os patrocinou e apoiou, em vez de nos lançarmos numa purga McCarthyista sem sentido nem suporte na realidade dos factos
Por outro lado, agitam-se espantalhos em pleno século XXI com uma linguagem digna das Selecções do Redaer’s Digest nos idos de cinquenta do século passado, em plena guerra fria: fala-se de uma cartilha Marxista-Leninista e da sovietização, com propósitos vários, mas que se traduzem objectivamente num exercício meramente obscurantista: saberemos todos que raio diz essa cartilha, ou foi porque na cartilha em que aprendemos a ler que nos disseram que estava ali o lobo mau?. Não há modelos nem sociedades perfeitas nem temos o distanciamento histórico que nos permita a análise da experiência histórica que conduziu ao estabelecimento da URSS. Mas teremos todos consciência de que foi com essa experiência histórica que nasceram direitos básicos como o estabelecimento de um horário de trabalho de oito horas diárias, férias pagas ou medidas de protecção da parentalidade, os quais vieram a moldar em larga medida o Estado social Europeu no período do pós-guerra (isto, até o capital deixar de ter a quem prestar contas)? Evidentemente que isso não pode nem deve oblubinar os erros que em conjunto com as pressões externas acabaram por conduzir à sua dissolução, nem por outro lado nos deve conduzir a um seguidismo modelar absurdo, mas sim a uma análise objectiva e não preconceituosa.
Termino estas notas avulsas – muito avulsas, pois claro - deixando um sinal de esperança no futuro: o tempo é do regresso à densidade e não ao folclore (de má qualidade, porque do bom todos gostaremos, seguramente). Foi por tal razão que um insuspeito Jeremy Corbyn pregou um cagaço dos diabos aos espantalhos Ingleses (sim, que também por lá os há e em grande quantidade). Corbyn teve o mérito de perceber as motivações de classe por detrás do voto no Brexit e de centrar a sua campanha nas questões sociais e laborais. Ao fazê-lo, conseguiu recuperar boa parte do eleitorado descontente que havia deixado de votar num Partido Trabalhista indistinguível dos Conservadores. Mas por isso mesmo o ataque contra Corbyn é feroz. Há um ano, o jornal “Mail on Sunday” (26.6.16) publicou em primeira página uma foto de Corbyn num caixão, vestido à Drácula, com a manchete: “o Labour tem de matar o vampiro”. Não me espanta por isso que qualquer dia e se o apoio popular em seu redor se tornar crescente, o acusem ainda de um temível projecto de sovietização das ilhas britânicas. É que o capital não tem pátria, nem rosto, mas também não tem princípios e colonizará sem hesitações o pensamento de quem se deixar colonizar, até termos a liberdade plena de dizer quase tudo e fazer quase nada.
Cumprimentos para todos.
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